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21/12/2017



"Nós temos que continuar com a mobilização pelo orçamento"


Em entrevista ao Jornal da Ciência, o químico Jailson Bittencourt de Andrade analisa seu mandato à frente da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do MCTIC e as mudanças que ocorreram durante o período

Nomeado em março de 2015 para o cargo de secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o químico Jailson Bittencourt de Andrade, professor titular do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ex-conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), deixou, por vontade própria, o cargo na semana passada.

De lá pra cá, o País, e o próprio Ministério – que incorporou o das Comunicações e tornou-se o MCTIC –, atravessou mudanças relevantes, que vão desde um impeachment de uma presidente até uma drástica redução no orçamento federal – tudo isso em um momento de ebulição social e econômica.

Nesta entrevista concedida exclusivamente ao Jornal da Ciência, o baiano de Ubaíra comenta o período que esteve à frente do cargo, participando ativamente das políticas para a área de ciência e tecnologia:

Jornal da Ciência - Que balanço o senhor faz desses seus quase três anos como secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do MCTIC? Quais eram as expectativas ao assumir o cargo, quais os maiores desafios enfrentados e qual o legado que senhor deixa?

Jailson Bittencourt de Andrade – Eu tomei posse em março de 2015, a convite do então ministro Aldo Rebelo. Não era minha pretensão, mas, como uma missão, eu aceitei.

Em seu discurso de boas vindas, o ministro disse que a Seped é uma espécie de alma do Ministério, onde estão concentrados os nervos e os ossos desse organismo, lugar em que estão alocadas as disciplinas que têm mais sentido de permanência da Pasta. Então, o ministro dava um destaque extremamente estratégico à Seped, que tem uma abrangência temática muito grande.

O que nós destacamos à época é que a Seped é uma secretaria de planejamentos e de programas e que ela deveria ensejar os planos para o sistema de ciência e tecnologia – é claro que ouvindo os outros órgãos – e propor políticas estratégicas para isso.

Em minha posse, eu destaquei que para o Brasil atuar na fronteira da produção do conhecimento e pautar a ciência e tecnologia mundial era necessário investir pelo menos 2% do PIB em pesquisa, especialmente em ciência básica. Esse era o principal desafio e o caminho para o futuro.

E isso funcionou como um norte. Nós começamos a trabalhar naquele período em que a Seped coordenou toda essa discussão. Na realidade, o lema era ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento nacional, que significava mitigar diferenças regionais e sociais. Essa era a linha de trabalho.

Então começaram as mudanças e, em outubro de 2015, Aldo (Rebelo) foi para a Defesa e tomou posse como ministro o deputado Celso Pansera, que, antes de ser empossado, conversou comigo e pediu que eu continuasse na Seped com a mesma linha de trabalho, finalizando uma estratégia nacional.

Em maio do ano seguinte, Pansera deixou vaga a cadeira do Ministério. Quem assumiu foi a doutora Emília Curi, secretária-executiva da pasta que também me solicitou a continuidade do trabalho.

Nesse intervalo, houve uma mudança geral no País, com a conclusão do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Foi então que assumiu o ministro Gilberto Kassab e, como os outros, solicitou que eu trabalhasse com ele e seguisse no MCTIC. Tive respaldo de todos os ministros com quem trabalhei e foi uma satisfação grande. Eu não conhecia nenhum deles pessoalmente e agora, depois de longas conversas com o Kassab para a minha exoneração, eu percebo que acabei deixando três amigos com quem trabalhei muito e tive relação de confiança.

Com a estratégia aprovada pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, nós tivemos um respaldo muito grande, garantindo oportunidade de alinhar nossa estratégia à agenda 2030 da ONU, divulgada em outubro de 2015, que são os objetivos do desenvolvimento sustentável, e estão em grande consonância com nossa visão desde o início.

JC – O senhor acompanhou grandes revezes na política nacional, em especial, a crise cada vez mais aguda da C&T. Como o senhor analisaria toda essa reviravolta?

J.B.A. - Desde 2014 nós entramos num processo de diminuição do orçamento e nós tivemos diversas reuniões e muito trabalho em relação a isso no MCTIC. Houve uma repercussão imensa em todo o País, com toda a mídia falando o tempo todo.

E os ministros de C&T recentes, em especial o ministro Kassab, que está desde o ano passado à frente da Pasta, o mais longevo daqueles com quem trabalhei, sempre apoiou e respeitou as reivindicações da comunidade de C&T, colocando-as como justas e respeitosas.

Quando a crise ainda não estava tão instalada, e mesmo agora, o Kassab se destacou, se reunindo, sempre atendendo as reivindicações e sempre lutando. Esse é um ponto.

Agora, qual é o outro lado? Nós temos um limite de teto de gastos que é novo. Isso, quando nós discutimos os 2% do PIB, não tinha esse teto. E tem ainda uma série de transformações, de emendas que estão em discussão. Quer dizer, nós precisaremos, certamente, que o País entre numa taxa de crescimento considerável. Ou seja, não só a C&T, o Brasil tem a questão do emprego, que precisa voltar, 12 milhões de desempregados. É uma situação horrorosa.

Vários estados em situação calamitosa. Pegue o Rio de Janeiro, por exemplo, numa situação triste. Várias fundações de amparo à pesquisa que antes colocavam recursos consideráveis nisso e atualmente são poucas que mantêm um investimento alto.

Nesse momento, então, nós precisamos do retorno das verbas federais a um patamar que seja compatível com nossos desafios de ciência e tecnologia, mas precisamos também que os estados voltem a investir de uma forma efetiva, ajudando esse sistema.

Sem contar que outro desafio de investimento são os fundos setoriais. No momento em que avançou o investimento em C&T, os fundos setoriais tiveram um papel preponderante. O primeiro deles, o CT-Petro, foi praticamente um abre alas. Depois vieram conjuntos de fundos setoriais grandes que colocaram no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) recursos expressivos, mas que estão contingenciados e não chegam na ponta. São recolhidos do setor empresarial, mas não chegam na Ciência, Tecnologia e Inovação. Então, são esses os desafios que nós precisamos encarar. Não só como cientistas, pesquisadores, gestores públicos, mas como população.

JC – O ministro Gilberto Kassab destacou a atuação das entidades científicas e acadêmicas no Congresso, que tem conquistado avanços notáveis na política de C&T. Para o senhor, enquanto químico, professor e conselheiro da SBPC, qual a importância dessa atuação política dos cientistas?

J.B.A. – O ministro manteve um diálogo muito propositivo com a SBPC, com a ABC e com a comunidade científica como um todo. Eu, que fui conselheiro da SBPC, da ABC e da SBQ, e sempre atuei nessas entidades, posso dizer que, para nós, o ministro, como os outros, sempre foi um aliado.

A ABC e a SBPC apresentaram aos candidatos à presidência da república um documento sobre o que se esperava da ciência tecnologia e inovação. Eu trabalhei com vários colegas coordenei, em 2014, esse documento. Então, eu tinha uma agenda muito legitimada pela minha atuação acadêmica, considerando a SBPC e a ABC.

O avanço seguinte foi discutir essa agenda com a Confederação Nacional da Indústria através da Mobilização Empresarial pela Inovação. Eles tiveram um trabalho extremamente relevante, agregando muito valor, especialmente com a visão da tecnologia e inovação. Então foi um processo de construção muito grande, conseguindo firmar os 2% do PIB para C&T com a chancela de todos os ministros com quem trabalhei.

Mas o que o Brasil precisa é de uma revolução na educação. Naquela época, nós falávamos de uma revolução na educação em todos os níveis. A educação é a base do sistema; sem ela não tem ciência básica e sem ciência básica não tem tecnologia e inovação. Então isso foi uma linha do tempo que firmou nossa estratégia e espraiou, inclusive, por outros órgãos de governo.

A comunidade científica, da qual sou integrante e atuo de forma continuada desde a SBPC, como na ABC, precisa, antes de tudo, manter esse nível de mobilização. Isso eu nunca vi: a mídia dar tanto espaço à C&T como tem dado e de uma forma pró-ativa.

A mídia internacional tem destacado a questão do orçamento no Brasil. A Chemical Reviews, da American Chemical Society, fez um report sobre os grandes eventos em ciência em vários países e o que destaca no Brasil é a queda no orçamento. Então, a queda orçamentária é do conhecimento geral. Nós temos que continuar com a mobilização pelo orçamento.

Como também intensificar a mobilização mostrando o valor da ciência. O que a ciência entrega para o País, e que não há ciência sem educação, que é a base.

JC – Da sua experiência no MCTIC, que conselhos o senhor daria à comunidade científica nesse momento tão crítico das políticas e financiamento à área? Que estratégias o senhor acredita que são mais eficientes e quais aspectos devem ser priorizados?

J.B.A. – Esse ano a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) atingiu um recorde: mais de 1200 municípios e segue apurando o numero de cidades atingidas.

A Semana Nacional de Ciência e Tecnologia nasceu há mais de 10 anos no MCTIC e tem sempre ampliado seu raio de ação e tem atuado com os municípios e com os estados. Então, esse é fator muito importante, mas não o único na atuação acadêmica. Ao mesmo tempo, o Ministério participa de várias ações ligadas à C&T em que ele não é o executor, mas que ele fomenta e ajuda. Um exemplo disso é a OBMEP (Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), que atinge todos os municípios do País praticamente, com raríssimas exceções. Então a comunidade precisa estender essas parcerias.

Uma atividade como a OBMEP é extremamente importante para chegar aos rincões do Brasil, mobilizar e encantar as pessoas, além de conquistar corações e mentes. Então nós precisamos de mais atividades nesse sentido e, mais ainda, de destacarmos e fazer chegar, especialmente às crianças e aos jovens, o valor da ciência. Mostrar que sem ciência não teríamos vacinas, medicamentos, celulares, satélites, o pré-sal… Destacar e lembrar que tudo isso é produto da ciência e que sem a ciência, hoje, nenhum de nós sobreviveria na selva ou no mar.

E é essa nossa meta: através de eventos, iluminar todo o País. Porque nossa queixa de que políticos e gestores não entendem a importância da C&T é fruto de a sociedade entender pouco o valor da ciência. No momento que isso se inverter, certamente refletirá sobre políticos, gestores e políticas públicas.

JC – Como se dará sua atuação daqui para frente e o que o senhor espera do MCTIC e das políticas de ciência e tecnologia?

J.B.A. – O meu retorno a Salvador é fruto exclusivamente do meu desejo de retornar às minhas atividades de professor na UFBA e cientista, das quais eu não estava afastado porque continuei dando aulas no curso de pós-graduação e segui com os meus projetos de pesquisa em andamento, mas não era o tempo que eu gostaria de dedicar nesta etapa da vida.

Já estou falando de meu gabinete na Universidade Federal da Bahia (UFBA), no laboratório de pesquisa e desenvolvimento em química, que eu fundei e coordeno, trabalhando com vários colegas. Tem também o INCT de energia e ambiente, em que eu reassumo minhas funções, como no centro interdisciplinar da UFBA, que nós fundamos.

Agora um parêntese: Eu acho que os INCT's são a maior iniciativa de ciência e tecnologia do País, com a maior capilaridade, em todos os estados da federação. É uma política recente, que foi abraçada e da qual eu sempre falei bem. É o maior projeto de C&T do País.

Então, eu espero que a Ciência a Tecnologia e a Inovação seja elaborada de forma programática para o desenvolvimento econômico e social do País, com foco na sustentabilidade. Esse é o futuro do Brasil e do mundo.

Perfil

Graduado em Química na UFBA em 1979, Jailson Bittencourt de Andrade é doutor em Ciências (Química Analítica e Inorgânica) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, em 1986. Ele é membro da American Chemical Society e da Sociedade Brasileira de Química.

De acordo com a ABC, ao longo de sua trajetória científica apresentou mais de 200 trabalhos em congressos no País e no exterior e publicou mais de 60 artigos em periódicos com corpo editorial.

Foi secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do MCTIC de março de 2015 a dezembro de 2017.


Fonte: Marcelo Rodrigues, estagiário da SBPC








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