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30/06/2022



Resenha de Livro:
Ensaios de história e filosofia da química


por Luciana Zaterka e Ronei Clécio Mocellin
Editora Ideias e Letras, São Paulo, 2022, 328 páginas
Carlos A. L. Filgueiras
Departamento de Química, UFMG


Este livro que acaba de ser dado à luz é como uma lufada de ar fresco no ambiente intelectual brasileiro, que ainda se ressente de uma escassez de obras que aproximem a química e a filosofia. Por isso o livro é bem-vindo, por preencher de forma positiva uma lacuna na produção acadêmica nacional.

A obra se estrutura em uma Introdução e cinco capítulos, seguidos de Considerações Finais, Referências e Índices. O texto é precedido de um prefácio de autoria de Bernadette Bensaude-Vincent.

A Introdução traz à baila uma série de discussões de relevância, que é interessante mencionar aqui, mesmo que em parte. Começando com a pergunta retórica "a química apresentaria algum interesse para a filosofia em geral e para a filosofia da ciência em particular?", seguem-se indagações e reflexões pertinentes. Uma constatação inicial é a relativa desimportância concedida geralmente à química no tratamento filosófico, que é tão presente no que respeita à física, e em menor grau à biologia, em contraste com o modesto papel reservado à química nesse aspecto. Todavia, argumentam os autores, esta é uma postura muito mais presente na literatura em língua inglesa, ao contrário de outras tradições intelectuais. Os autores acentuam essa diferença ao mostrar a preferência pela expressão philosophy of science em inglês, ao contrário da forma philosophie des sciences em francês. A expressão francesa é bem mais abrangente, ao usar o plural, englobando todas as ciências. O relativo desprezo por filosofar na química é assim mais presente nos textos em inglês que em francês. É também interessante, apontam eles, como a historiografia mais recente, ao longo dos últimos 50 anos, teve um papel relevante sobre muitas cogitações envolvendo a filosofia desta ciência. Contrariamente à pouca ênfase dada aos estudos filosóficos da química em boa parte dos séculos XIX e XX, em períodos anteriores as coisas se passavam de forma diversa. Basta atentar para a influência exercida por Francis Bacon sobre Boyle ou por Étienne Bonnot de Condillac sobre Lavoisier. Em seu livro de 1965 Robert Boyle on Natural Philosophy, Marie Boas Hall diz: "Embora fosse Bacon quem mais inspirasse Boyle, este também foi influenciado por Descartes." Mais adiante a mesma autora enfatiza que a contribuição real de Boyle ao desenvolvimento da química consistiu em que "ele lidou exitosamente com a experimentação e a teoria química como partes da filosofia natural, e que pela prática e exemplo persuadiu que outros fizessem o mesmo". No caso de Lavoisier, é eloquente salientar aqui que o químico francês abre a primeira página de sua obra capital, o Traité Élémentaire de Chimie, discorrendo sobre a importância recebida de seu mentor filosófico, Condillac. Lavoisier confessa abertamente que ele "sentiu a evidência dos princípios colocados pelo Abbé de Condillac em sua lógica e em algumas outras de suas obras". Os dois autores citados, Boyle e Lavoisier, pertencem a séculos diferentes, mas ambos declaram sua dívida a ensinamentos de filósofos que os precederam. O Tratado de Lavoisier é tradicionalmente apontado como uma espécie de obra fundadora da química moderna, aquela que se desenvolveu extraordinariamente no século XIX. Ora, quantos textos de química podemos citar, a partir do século XIX, que declaram tão abertamente sua união com a filosofia? Este divórcio entre a química e a filosofia durou cerca de um século e meio. Enfim, após um período em que os estudos filosóficos na química permaneceram em segundo plano, nas últimas décadas do século XX eles vieram a ganhar um relevo particular, como dizem os autores do presente livro, tendo isto sido devido "não só à necessidade de se elaborar os conceitos utilizados no ensino da química, da particularidade de 'visão química' do mundo e de seu lugar no espectro do conhecimento científico, mas também à forma como os químicos defenderam a identidade epistêmica de sua ciência ao longo de sua longa história e nas discussões sobre a ética e os valores atuantes na produção do conhecimento científico". Após uma discussão sobre a importância da filosofia da química na educação, os autores enfatizam o papel da ética na química, discussão importantíssima no momento histórico que vivemos, quando muitos anatematizam a química como fonte de um sem-número de males da humanidade, muitas vezes condenando-a sem qualquer conhecimento aprofundado da ciência química ou suas idiossincrasias. O tema da ética, de enorme atualidade, é retomado em outras instâncias no livro, assim como a relação entre a filosofia da química e o ensino e o aprendizado desta ciência. Bastante competente é também a discussão da contradição na sociedade atual entre a demonização fácil da química, e o sôfrego desejo de usufruir de todas as suas conquistas e realizações. Esta é uma contradição que dá margem a muitas disquisições filosóficas, que podem ser ampliadas se se considerar o fato de que o número de compostos sintéticos talvez já tenha superado aquele dos compostos naturais, tornando a química uma ciência sui-generis, capaz de produzir ela própria o objeto de seu estudo, diferentemente de todas as outras ciências. Só este tópico poderia levar a discussões filosóficas de diferentes graus.

Como se percebe, bastariam os problemas levantados e discutidos na Introdução para se aquilatar como é oportuna a publicação deste livro.

Seguem-se os capítulos, que discutem temas de enorme atualidade e relevância. São eles:
1.Alquimia e química: permanências e rupturas, com um distanciamento da historiografia tradicional ao tratar o tema;
2.História natural, filosofia experimental e a emergência da química moderna;
3.Química e medicina: sangue, longevidade e controle dos corpos;
4.A Química e a biografia de seus materiais;
5.A química agrícola, os organismos geneticamente modificados e a responsabilidade humana;
6.Considerações finais – Química, sociedade e responsabilidade.

Os presentes ensaios são tão ricos nas questões abordadas e na maneira de tratá-las que é difícil mencionar aqui mais que alguns pontos particulares. Os capítulos se sucedem prendendo a atenção do leitor, num discurso sempre cativante. Todavia, acho importante repetir um trecho do Prefácio, escrito pela professora francesa Bernadette Bensaude-Vincent, que bem sumariza o objetivo do livro: "no século XX, a química brilhou por sua ausência do campo filosófico, embora os seus produtos, onipresentes na vida quotidiana graças à substituição de materiais tradicionais por materiais sintéticos, fossem o motor da prosperidade econômica. Por que os filósofos da ciência falavam apenas da física quando a química, no auge de sua glória, moldou a cultura moderna, impregnando-a com valores associados ao artifício e ao progresso? Será que os filósofos iriam na contramão da opinião pública e da cultura ambiente?" Conclui a pesquisadora francesa que "este livro sugere precisamente o contrário. Ele mostra que a filosofia da química pode nos ajudar a pensar sobre o mundo conturbado em que vivemos". Esta é uma conclusão com a qual é imperioso meditar, se quisermos entender um pouco mais da complexidade e da centralidade da ciência química.








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