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Boletim Eletrônico Nº 1637 - 06/05/2025




DESTAQUE

Raimundo Braz Filho: 90 anos de um cientista inspirador e sua paixão pela complexidade molecular da natureza


Graças às universidades públicas, nas últimas décadas o país produziu um amplo conjunto de conhecimentos multidisciplinares sobre a biodiversidade brasileira.

Pouco valorizado pela sociedade, esse capítulo de nossa história científica muitas vezes envolveu a vibrante e apaixonada dedicação de pesquisadores que abriram fronteiras em diversas áreas, entre elas a de produtos naturais. O trabalho que realizaram no estudo da flora e da fauna é uma das bases sobre a qual se apoia hoje a pesquisa feita pelas novas gerações, em busca de respostas, inclusive para a inovação tecnológica.

Esse conhecimento nos ajuda entender melhor o patrimônio natural que herdamos, seu potencial econômico, e também serve para dimensionar a tragédia da destruição da natureza denunciada a cada dia pelos jornais.

É nosso dever valorizar e divulgar o esforço desses pioneiros e, para isso, não há melhor iniciativa que homenagear o professor Raimundo Braz Filho, que aos 90 anos continua contribuindo para o estudo dos produtos naturais do Brasil.

Para os que têm o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, e de ter trabalhado com ele, fazer esse perfil é reunir memórias onde se misturam o reconhecimento profissional, a admiração pelo ser humano e afeto. E se os jovens precisarem hoje de um exemplo para guiar suas carreiras, nada mais inspirador do que olhar para a história desse cientista brasileiro.

Raimundo Braz Filho foi relacionado como um dos pesquisadores mais influentes do mundo, no ano de 2020, a partir do ranking elaborado por equipe da Universidade de Stanford e divulgado pela revista Public Library of Science (Plos) Biology. As métricas para selecionar os 100 mil cientistas que ganharam essa referência, entre eles 600 brasileiros, incluem o número de artigos publicados, as citações em trabalhos científicos e os índices de coautoria, entre outras.

Braz Filho é reconhecido por seus colegas como "a maior autoridade brasileira na determinação estrutural de moléculas orgânicas naturais". Ao mesmo tempo, destaca-se pela vocação para a docência, pela singular habilidade de transmitir conhecimento para alunos e colegas. Mas como essa carreira se situa no contexto geral da vida científica do país?

A geração do professor Raimundo Braz Filho foi responsável por estabelecer uma etapa mais avançada na pesquisa com produtos naturais e na química orgânica, a partir dos anos 1960. Tais avanços ocorreram quando a atividade era marcada por inúmeras limitações. As tecnologias utilizadas para análise das substâncias isoladas das plantas – em particular a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) e a Espectrometria de Massa -, estavam em um estágio de capacidade ainda muito inferior ao atual, o que tornava mais difícil a tarefa de "determinação de moléculas orgânicas". Ao mesmo tempo, as universidades enfrentavam a constante falta de recursos para adquirir esses equipamentos.

Mas naquele momento estava em construção uma mentalidade inovadora voltada para a "descoberta" da natureza brasileira pela química, que atraia para a pesquisa e docência profissionais de vários estados e instituições. Além do apelo que o uso das novas tecnologias exercia nos ingressantes, pois elas representavam o futuro da pesquisa, surgia uma abordagem científica inovadora, liderada pelo professor Otto Richard Gottlieb, de quem Braz Filho foi aluno e colaborador nos anos seguintes. Um traço distintivo dessa nova visão é que ela ultrapassava os limites da química levando a investigação para outras áreas como a biologia, a bioquímica ou a ecologia química. No horizonte surgia o fascinante e complexo campo de estudos que busca entender as relações das plantas com o ecossistema em que vivem. Mas, para isso, é necessário primeiro isolar e decifrar as estruturas químicas de suas substâncias de interesse.

O cearense de Pacatuba, filho de agricultor, que nos anos 1950 foi jogador profissional de futebol, percebeu que o esporte não ia lhe assegurar uma vida estável e decidiu ingressar no ensino superior. Formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Ceará, UFC, onde, nos anos seguintes, sedimentou seu trabalho na área de produtos naturais.

O currículo do professor Raimundo Braz Filho mostra uma intensa atividade no período em que se inclui, em 1963, o curso de fitoquímica básica no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, INPA. A pesquisa com as plantas da Amazônia, então uma atividade incipiente, iria crescer muito no futuro.

Seu histórico profissional é surpreendente pela abrangência nacional que alcança. A começar pelas instituições em que atuou nos anos iniciais, sempre em conexão com Otto Richard Gottlieb: a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, onde assume como professor titular em 1975, a Universidade de Brasília, UnB, e a Universidade de São Paulo, USP, neste caso, para a criação do Laboratório de Produtos Naturais do Instituto de Química, no final dos anos 1960.

O fato de um número tão expressivo de instituições demandarem sua contribuição para formação de docentes revela como o conteúdo que tinha a transmitir era muito necessário e também mostra seu compromisso com a missão de ensinar. A relação das instituições federais com as quais manteve vínculos registrados em seu currículo inclui as universidades dos estados de Alagoas, Bahia (Vale do São Francisco, UNIFASV), Ceará, Goiás, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro (Federal Fluminense) Rio Grande do Sul, São Paulo (UFSCAR) e Santa Catarina. Somem-se a essas as universidades estaduais do Rio de Janeiro (Norte Fluminense Darcy Ribeiro, UFNF, da qual foi reitor) e do Paraná (UEL, Londrina).

Os alunos do cientista estão presentes em todo o país e, por sua vez, disseminam o que aprenderam no círculo virtuoso do ensino.

Braz Filho registrou quatro pedidos de patentes de substâncias com propriedades medicinais, conquista significativa em uma área onde o país sempre exibiu um frágil desempenho. A lista de mais de uma centena de homenagens e premiações com que foi agraciado até 2023, entre elas títulos de professor Honoris Causa, é mais uma medida do reconhecimento que obteve.

Tem sido um militante destacado das entidades científicas, entre elas a Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ocupando cargos diretivos ou editoriais.

Em entrevista concedida à Coordenadoria de Comunicação Social da UFRRJ, em maio de 2021, Braz Filho fala de sua produção acadêmia citando a publicação de 548 artigos, dos quais 234 em periódicos nacionais e 300 em periódicos estrangeiros (14 em anais). A linha que dá continuidade a essa produção sempre foi o trabalho de isolamento e elucidação estrutural de substâncias orgânicas produzidas pelo metabolismo secundário de organismos vivos, explica. Ele lembra que parte desses resultados inicialmente foi obtida em laboratórios dotados de infraestrutura mínima com recursos financeiros modestos.

Hoje, nos laboratórios das universidades, centenas de jovens pesquisadores que trabalham com produtos naturais nos diversos pontos do país dão sequência a esse processo que aprofunda o conhecimento tão necessário sobre a biodiversidade do país.


Fonte: Profª Vanderlan Bolzani (UNESP), presidenta da SBQ 2008-2010



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