Vanderlan da Silva Bolzani, Professora Titular do IQAr, UNESP, Araraquara, Membro do Conselho da SBQ e ACIESP, Coordenação de QuÃmica TWAS, Ex-Presidente da SBQ.
A iniciativa da SBPC de convidar as sociedades cientÃficas para se manifestarem e ampliar o debate sobre democracia é louvável e desperta questões importantes, entre elas a do papel e responsabilidade das universidades públicas na sua relação com a sociedade.
Ampliar o debate sobre a importância da participação cidadã nas polÃticas de estado e, em especial, levar a discussão para o ambiente acadêmico é pensar também no paÃs que queremos para o futuro. A discussão encabeçada pela SBPC evidencia ainda a valor das nossas universidades públicas, dos cientistas e sociedades cientÃficas na sua relação com a sociedade.
Para situarmos o contexto geral, devemos lembrar que o governo anterior, de 2019 a 2022, penalizou inúmeros setores da sociedade. Em particular aqueles identificados com as causas populares, detendo-se com especial crueldade sobre as polÃticas públicas voltadas para redução da pobreza, proteção à saúde e para preservação do meio ambiente. Isso resultou em terrÃvel violência contra milhões de pessoas e torna mais premente a necessidade de tentarmos entender tal processo.
Nesse cenário, a nós cabe pensar sobre a universidade, as sociedades representativas dos cientistas e o lugar que ocupam e seus compromissos. Vale também salientar o desprezo pelos investimentos destinadas à educação, ciência e tecnologia, fundamentais para fortalecimento da democracia.
As universidades constituem-se de espaços pluridisciplinares privilegiados de produção do conhecimento, onde se estimula o questionamento contÃnuo do saber e o confronto civilizado de opiniões divergentes. Para isso desfrutam, em tese, da autonomia que lhes assegura esse ambiente em um sistema democrático. A tradição secular das universidades foi moldada levando-se em conta que essa liberdade é essencial para produção plena da ciência.
As sociedades cientÃficas são ambientes organizados por grupos de acadêmicos de áreas diversas do conhecimento, formados para discutir o estado-da-arte dos avanços cientÃficos mundiais de forma elitizada, ou para aprimorá-los e torná-los mais acessÃveis aos vários extratos sociais.
Dentro deste universo, em um primeiro momento fomos impelidos a indagar como um governo democraticamente eleito empenhou-se em atacar a autonomia das universidades e procurou cercear suas atividades por meio de sucessivos cortes de recursos? Outros governos eleitos de forma democrática voltarão a fazer o mesmo? Como imaginar um paÃs soberano sem uma ciência de vanguarda em todos os campos? Decorre dessa questão indagar se nossas universidades vêm cumprindo sua parte na tarefa de lutar pelo fortalecimento da democracia no paÃs; ou se têm se empenhado de forma efetiva para que docentes e alunos reconheçam claramente a importância que a instituição atribui à democracia. A realidade mostrou que não se trata de escolher uma alternativa entre várias. Os prejuÃzos registrados nesse curto perÃodo de quatro anos emitem mensagens claras sobre a necessidade de colocar a tarefa de valorização da democracia no topo das prioridades não apenas das universitárias e sociedades cientÃficas, mas de todos os seguimentos sociais do paÃs.
Parte dessa preocupação está sendo expressa em dezenas de seminários, workshops e palestras que vêm ocorrendo nas universidades brasileiras sobre o tema democracia. Em geral, eles partem das áreas de conhecimento especializadas, como a Ciência PolÃtica, Sociologia, Direito e Filosofia. Uma questão relevante é saber se a universidade pode ultrapassar o âmbito do espaço acadêmico na tarefa de disseminar os valores democráticos e quais são os melhores caminhos para fazê-lo. Seriam as Sociedades cientificas? Atualmente existem mais de 170 instituições vigentes, sendo esse um ambiente ideal para discussões de temas importantes para o paÃs, incluindo democracia.
Devemos considerar também que um fator decisivo no processo de erosão da democracia é o "esquecimento" do passado. Muitos brasileiros que se encantaram e se encantam com o discurso simplista e obtuso das vozes autoritárias foram levados a "não lembrar" que o paÃs já viveu um perÃodo de vinte anos de ditadura. As perdas de direitos polÃticos, a violação dos direitos humanos pelo Estado e a supressão da liberdade de expressão, não ficaram suficientemente marcadas na mente coletiva.
Aqui, também, podemos refletir se as universidades têm feito sua parte e se empenhado para evitar esse esquecimento e a deformação do passado, componentes de um projeto que serviu para estimular o autoritarismo.
Como a realidade mundial tem mostrado, esse é hoje um dos principais desafios enfrentados pelos paÃses em pleno século XXI: construir uma mentalidade que atribua à democracia um valor soberano, para que ela não seja objeto de atenção apenas quando é suprimida ou está nas mãos de articuladores autoritários. A democracia é trabalho e ação coletiva de universidades, sociedades cientÃficas, docentes, pesquisadores e estudantes.
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