7/4/2011
Clima e qu�mica
Por F�bio de Castro
Ag�ncia FAPESP - A resposta para alguns dos principais desafios da humanidade no s�culo 21 passa pelos avan�os do conhecimento na qu�mica, de acordo com cientistas que participaram, no dia 4, em S�o Paulo, da confer�ncia "Fontes alternativas de energia e mudan�as clim�ticas".
O evento abriu o ciclo promovido pela FAPESP � por meio da revista Pesquisa FAPESP � e pela Sociedade Brasileira de Qu�mica (SBQ) cujo objetivo � celebrar o Ano Internacional da Qu�mica (AIQ-2011).
O ciclo � coordenado por Mariluce Moura, diretora da revista Pesquisa FAPESP, e por Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Qu�mica (IQ) de Araraquara (SP) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do comit� nacional de atividades do AIQ-2011 da Sociedade Brasileira de Qu�mica (SBQ).
Coordenada por Arnaldo Alves Cardoso, professor do IQ-Unesp de Araraquara (SP), a confer�ncia teve a participa��o de Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Jailson de Andrade, professor do Instituto de Qu�mica da Universidade Federal da Bahia, Gl�ucia Mendes Souza, professora do Instituto de Qu�mica da Universidade de S�o Paulo, e Luiz Ramos, do Departamento de Qu�mica da Universidade Federal do Paran�.
De acordo com o diretor cient�fico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, que participou da abertura do evento, a Funda��o manifestou desde o in�cio o interesse em marcar sua presen�a nas atividades do AIQ-2011.
"A FAPESP tem o objetivo de promover o desenvolvimento cient�fico e tecnol�gico no Estado de S�o Paulo. Isso inclui atividades que valorizem e divulguem a ci�ncia, como o Ano Internacional da Qu�mica. S�o Paulo tem uma pesquisa forte em qu�mica e � respons�vel por quase metade dos 500 doutores formados anualmente na �rea no Brasil", disse.
Segundo Vanderlan, o ciclo tem o objetivo de incentivar uma mudan�a na percep��o que o p�blico tem da qu�mica. De acordo com ela, fora dos meios acad�micos, a qu�mica � geralmente associada a malef�cios como polui��o ambiental, alimenta��o artificial e acidentes radioativos, por exemplo.
"O AIQ-2011 tem o objetivo de enfatizar, em n�vel global, que a qu�mica � uma ci�ncia que tem muito a contribuir com a sustentabilidade do planeta e com o bem-estar das pessoas, possibilitando o desenvolvimento de novos medicamentos, alimentos, produ��o industrial com impactos ambientais mais baixos e novas fontes de energia limpa", disse � Ag�ncia FAPESP.
"A ideia � que o ciclo promova discuss�es inteligentes em torno de quest�es centrais que a qu�mica proporciona, levando em conta a ci�ncia b�sica de qualidade, mas tamb�m o desenvolvimento sustent�vel e o desenvolvimento socioecon�mico do pa�s", disse.
A qu�mica, segundo a professora � que tamb�m � membro da coordena��o do programa BIOTA-FAPESP �, dar� uma contribui��o especialmente estrat�gica para o Brasil na �rea de energia, mudan�as clim�ticas e sa�de.
"N�o � poss�vel pensar em novas alternativas de energia e em sustentabilidade energ�tica em um mundo com tamanha densidade populacional sem um desenvolvimento fundamentado em uma qu�mica inteligente. Nosso grande desafio � fazer com que a qu�mica seja uma ci�ncia atraente para a nova gera��o de cientistas", afirmou.
A qu�mica, segundo ela, tem potencial para ajudar a solucionar os grandes desafios globais � em especial as quest�es da energia, das mudan�as clim�ticas e da sa�de. "Esses tr�s desafios envolvem praticamente todos os ramos da ci�ncia, da medicina � f�sica, da biologia �s humanas. Mas a qu�mica permeia todos eles", disse.
Balan�o de nitrog�nio
Segundo Cardoso, o papel da qu�mica na quest�o das fontes alternativas de energia e das mudan�as clim�ticas tem rela��o com o grave problema do balan�o de nitrog�nio no planeta.
Os fertilizantes baseados em nitrog�nio foram um avan�o que permitiu a revolu��o verde, que garantiu a sobreviv�ncia de bilh�es de pessoas. Mas isso alterou o balan�o de nitrog�nio na Terra. "Em 1990, o homem j� produzia tanto nitrog�nio quanto a pr�pria natureza. Com o uso dos fertilizantes, grande parte desse nitrog�nio acaba no meio ambiente", disse.
Na cana-de-a��car, base do etanol, que � a principal alternativa de combust�vel limpo no Brasil � com um papel importante na mitiga��o das mudan�as clim�ticas �, o uso de fertilizantes � pequeno, segundo Cardoso.
"Mas, no caso do etanol, o nitrog�nio volta praticamente em sua totalidade ao meio ambiente. Depois, a combust�o ainda gera muito mais nitrog�nio. Os biocombust�veis s�o aparentemente corretos do ponto de vista ambiental, mas sua produ��o gasta �gua e gera um excesso de nitrog�nio que vai acabar nos oceanos e nas �guas interiores, podendo provocar excesso de algas e, consequentemente, morte de peixes, perda de biodiversidade e emiss�es de aeross�is", disse.
De acordo com Cardoso, a qu�mica ter� muitos problemas para resolver no contexto das mudan�as clim�ticas. Os combust�veis f�sseis geram gases de efeito estufa, enquanto os biocombust�veis dependem de terra, �gua e fertilizantes. O tratamento dos esgotos tamb�m gera nitrog�nio reativo.
"Ser� preciso buscar inova��es para minimizar o enxofre nos combust�veis f�sseis e produzir fertilizantes inteligentes. No caso dos biocombust�veis, a qu�mica ter� a miss�o de obter alternativas produzidas por biomassa vegetal, a partir de plantas que usam menos terra, �gua e fertilizante. Ser� importante tamb�m desenvolver algas para consumir o nitrog�nio reativo, al�m de melhorar a efici�ncia de catalisadores dos autom�veis", afirmou.
Idade da acelera��o
Nobre afirmou que o impacto profundo das atividades humanas no sistema terrestre j� leva muitos cientistas a defender que o planeta entrou em uma nova era geol�gica depois do Holoceno � o Antropoceno, caracterizado pela acelera��o vertiginosa da popula��o, das emiss�es de carbono e da eleva��o da temperatura, entre outros itens.
"Hoje estima-se que o mundo ganhe cerca de 9 mil pessoas por hora. A popula��o j� cresceu 8,4 vezes desde 1920, aumentando o uso de energia em 26 vezes. Nos �ltimos anos, houve uma dram�tica degrada��o do capital natural do planeta. As curvas das emiss�es de carbono, nitrog�nio e de aumento da temperatura tamb�m s�o exponenciais", disse.
Essas curvas, no entanto, n�o poder�o manter um crescimento exponencial por muito tempo, segundo Nobre. "Essas curvas ser�o reguladas, no futuro, por pol�ticas p�blicas que devem come�ar a ser implementadas agora, ou por um colapso do sistema terrestre", afirmou.
De acordo com Nobre, as t�cnicas dispon�veis atualmente para retirar o di�xido de carbono da atmosfera s�o proibitivas do ponto de vista energ�tico, al�m de permitirem apenas um sequestro de carbono em ritmo muito lento.
"Desenvolver uma solu��o para isso n�o traria uma resposta imediata � mesmo se par�ssemos completamente de emitir carbono, os problemas n�o seriam revertidos t�o cedo �, mas conseguir essa solu��o poder� se tornar algo muito importante no futuro", afirmou.
Al�m do efeito estufa, as emiss�es de di�xido de carbono tamb�m causam problemas no mar, segundo Nobre. Dos 10 bilh�es de toneladas do g�s que s�o lan�ados na atmosfera por a��o humana, cerca de 2 bilh�es s�o absorvidos pelos oceanos, tornando-os mais �cidos.
"Por 25 milh�es de anos, o pH dos oceanos variou entre 8,3 e 8, mas a absor��o do CO2 est� tornando a �gua mais �cida. A estimativa � que, se o pH chegar a 7,8, isso impossibilitar� a forma��o de aragonita, um mineral essencial para a forma��o das conchas. Isso poder� amea�ar 40% de todos os organismos marinhos. Esse � um problema essencialmente qu�mico", disse.
Luz do sol
Para Andrade, a energia, os alimentos e a �gua ser�o os principais desafios para a humanidade no s�culo 21, com impacto nas quest�es do meio ambiente, da pobreza, da popula��o, das doen�as, da educa��o e da democracia.
"No desafio energ�tico, a alternativa nuclear tem grandes limita��es: al�m de ser invi�vel para aplica��o nos transportes, h� o problema complexo do manejo dos res�duos. Quanto � c�lula combust�vel a hidrog�nio � embora resolva o problema dos res�duos �, apresenta um grande obst�culo tecnol�gico relacionado � gera��o, estocagem e transporte de hidrog�nio. O custo, al�m disso, � elevado. A energia solar � uma alternativa que precisa ser mais explorada. O desafio � que as c�lulas fotovoltaicas convertem no m�ximo 30% da luz solar em eletricidade e a capta��o em grande escala � complexa", disse.
A quest�o da �gua, segundo Andrade, se relaciona principalmente � disponibilidade, j� que 97% da �gua do planeta � salgada e s� 1% est� acess�vel. De acordo com ele, existem 1 bilh�o de pessoas hoje sem acesso � �gua de qualidade. Quanto aos alimentos, o problema � que 4 bilh�es de pessoas vivem em cidades e n�o produzem comida, apenas consomem.
"A qu�mica ter� um papel importante na solu��o desses problemas. Ser� preciso aprimorar a captura de energia solar e as baterias recarreg�veis, melhorar a c�lula combust�vel a hidrog�nio e criar catalisadores para que o carv�o seja usado de forma mais limpa. O uso da biomassa para energia precisar� avan�ar", afirmou.
Para manter o n�vel de gases de efeito estufa estabilizado em 550 partes por milh�o at� 2050 � meta necess�ria para que a temperatura n�o suba mais que 2� C, causando mudan�as irrevers�veis no planeta �, ser� preciso produzir 20 terawatts a mais de energia sem carbono, segundo Andrade. "Isso � mais que todo o consumo atual de energia. Acredito que s� a energia solar poder� prover essa quantidade de energia limpa", afirmou.
Etanol e biodiesel
Gl�ucia, que � membro da coordena��o do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), tra�ou um panorama hist�rico das pesquisas relacionadas ao etanol no Brasil.
"O BIOEN, que envolve 314 pesquisadores de 11 pa�ses, teve 55 projetos aprovados em seis chamadas, j� investiu cerca de R$ 57 milh�es e aprovou 118 bolsas de estudo. Pelo menos um ter�o dos projetos, segundo ela, trata de temas relacionados � qu�mica", disse.
Segundo ela, o programa herdou os dados do projeto Sucest � que envolveu 240 pesquisadores de mais de 40 institui��es, sendo 17 delas do exterior � e avaliou o transcriptoma da cana, montando um vasto banco de dados sobre o material gen�tico da planta. Para isso foram sequenciados fragmentos de genes denominados ESTs (etiquetas de sequ�ncia expressa).
"O maior desafio da gen�mica atualmente � o sequenciamento do genoma da cana-de-a��car, que � extremamente complexo, com mais de 10 bilh�es de pares de bases e muitos trechos repetidos. Utilizando uma tecnologia conhecida como shotgun, conseguimos obter 11 milh�es de corridas leituras, em seis meses, com cerca de 70% de cobertura de regi�es ricas em genes", disse.
Terceira gera��o
Ramos, da Universidade Federal do Paran�, falou na confer�ncia sobre as pesquisas brasileiras relacionadas ao biodiesel. Segundo ele, al�m do biodiesel produzido comercialmente, de primeira gera��o, os cientistas trabalham em escala piloto com o biodiesel de segunda gera��o, com base em materiais lignocelul�sicos, e pesquisam o combust�vel de terceira gera��o, com base em processos fermentativos.
"As principais mat�rias-primas utilizadas hoje no biodiesel de primeira gera��o s�o o �leo de soja (75%), a gordura bovina (20,5%) e o �leo de algod�o (2,4%). Mesmo no biodiesel de primeira gera��o temos problemas com a estabilidade oxidativa e com as propriedades de fluxo a frio", disse.
Existem v�rias alternativas de mat�rias-primas para a segunda e terceira gera��o, segundo ele, incluindo o �leo de dend�, o pinh�o-manso, a graxa de caixas de gordura e as algas e microalgas.
"Nesses casos, no entanto, os problemas s�o mais graves. As algas e microalgas, em especial, s�o grandes oportunidades, com m�ltiplas possibilidades na ind�stria de transforma��o. Os principais gargalos s�o a log�stica de produ��o em larga escala, o alto custo da produ��o de micronutrientes e a amplia��o de escala dos fotobiorreatores", afirmou.
Fonte: Ag�ncia FAPESP (Link para a mat�ria)
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