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08/07/2010
Em busca de um novo ciclo de crescimento
No último mês de abril, a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e Suas Especialidades, Abifina, deu posse a seu novo presidente que estará à frente da entidade durante um período de mudanças na política industrial para o setor. O empresário Jean Peter, sócio da Globe Química, com seus 40 anos de experiência profissional, é um observador privilegiado da história recente desse segmento – onde estão os agroquímicos, fármacos e medicamentos, catalisadores e corantes, entre outros. Nesta entrevista ele fala do processo de desindustrialização vivido pelas empresas brasileiras durante os anos 1990 e do esforço para encontrar caminhos que viabilizem a competição com as multinacionais surgidas na China, Índia e Coreia, detentoras da produção de insumos para a indústria química mundial.
Boletim Eletrônico SBQ - Como o senhor avalia a situação das indústrias de química fina no país, hoje?
Jean Peter - Se você comparar com três, quatro anos atrás, eu diria que ela está melhor. Agora, se compararmos com vinte anos atrás, ela é uma fração daquilo que era. A avaliação deve levar em conta também a relação com o exterior.
O Brasil de 1990 para 2010 sofreu uma desindustrialização da química fina, de maneira até brutal. O país tinha de 200 a 250 unidades industriais e hoje devemos ter pouco mais que 20. Considerando-se aí indústrias mesmo, que têm fábrica, empregados, não apenas uma incubadora.
A causa dessa situação é bem conhecida. São as dificuldades de uma indústria
construída dentro de um modelo de substituição de importações, voltado principalmente para o mercado interno que, repentinamente, vive uma abertura econômica, com juros altíssimos e custo de investimento altíssimo. Houve também, na época, falta total de uma política industrial que desse alternativa às empresas naquele momento.
BE - A competição internacional
JP - E tudo isso acoplado a uma grande mudança do cenário mundial. Nós tivemos duas infelicidades. Primeiro: o Brasil fez essas mudanças, de abertura de mercado, justamente no momento em que grandes players, China, Índia, Coreia entraram nesse mercado com vantagens competitivas fantásticas e condições extremamente atraentes. Somente agora a China está iniciando um processo de reconhecimento de patentes. O Brasil amarrou totalmente a indústria nacional (com adesão às regras internacionais de patentes) e abriu à concorrência externa, ao mesmo tempo em que os países asiáticos estavam na direção oposta. Eles praticaram uma política industrial de alto investimento e privilégios muito grandes em termos fiscais para exportações. E - mais no caso da Índia do que da China - um grande número de pesquisadores e pessoas altamente treinadas nos EUA, na Europa, retornou aos seus países. O Brasil encolheu e esses outros países expandiram-se e viraram provedores de produtos para o mundo inteiro. Simplesmente deram um baile na nossa indústria química.
BE - Os desafios do momento atual
JP - Esse é o contexto em que nos encontramos hoje. O desafio agora é dizer: como é que o Brasil evolui nessa situação? Eu acho que o governo Lula, especialmente no segundo mandato, está procurando encontrar, pelo menos de forma segmentada, uma política industrial para esse setor. Existe uma iniciativa do Ministério da Saúde, que é o Complexo Industrial da Saúde, que busca reverter essa situação na produção de medicamentos, de farmoquímicos, de equipamentos para laboratórios, hospitais, toda área da saúde, que é um pedaço grande da economia. É um instrumento para desenvolver política industrial usando o poder de compra do governo, com linhas de crédito do Profarma, do BNDES, que foram muito bem-sucedidas. Na área farmoquímica eu diria que o problema não é a ausência do BNDES, é a dificuldade de se formular, no Brasil, projetos de farmoquímica que sejam economicamente viáveis e sustentáveis, diante da concorrência externa.
No quadro atual, se mantivermos uma política ortodoxa é muito difícil a indústria brasileira, de modo geral, competir com a chinesa e a indiana. Por quê? Porque essas duas indústrias adquiriram uma escala e têm custos muito privilegiados na comparação com os brasileiros. Mas precisa encontrar ainda uma maneira de motivar o setor privado. Ele é muito fragilizado ainda.
BE - Por onde começar a inovação
JP - E o grande problema brasileiro é que em vez de a gente começar pelas coisas simples, a gente faz as coisas muito complicadas. Existe um gap entre a realidade do dia a dia da indústria de química fina no Brasil e a expectativa dos planejadores do governo. Essa também é a questão da inovação. Todos os países que hoje são grandes e fortes industrialmente, quando você olha para a indústria vê que ela começou através da imitação e depois evoluiu para a inovação. O Brasil não, ele quer começar por inventar uma molécula nova em uma indústria que não existe. Investiu-se muito na pesquisa e esqueceu-se que precisa ter fábrica, precisa ter mercado. Eu acho que esse é um dos grandes desafios nossos. Algumas indústrias que estão mais na ponta, que têm mais estrutura, capital, mais pesquisadores, vão poder acompanhar esse modelo. Agora a indústrias de “química pura”, que são empresas relativamente pequenas, com recursos humanos e capacidade de capital limitado vão ter muita dificuldade com isso.
BE - As dificuldades com a política de patentes
JP - Do ponto de vista da ação da Abifina, no que diz respeito à questão das patentes, o Brasil hoje está assumindo uma posição muito mais rigorosa ao fazer com que a extensão de patentes e o conceito de patentes de segundo uso sejam avaliados muito mais criticamente. Não estão permitindo aquela vantagem muito grande, monopolista, que algumas empresas multinacionais tinham no Brasil. Existe uma reação muito positiva no sentido de que decisões, principalmente decisões judiciais, têm dado apoio para não deixar esses privilégios continuarem. O mais recente é aquele do Viagra, quando não se aceitou a extensão da patente. Antes o Brasil tinha uma política extremamente favorável a concessões de patentes e extensões de patentes
Ainda há um grande debate entre o INPI, a ANVISA e a própria ABIFINA com relação a essa questão. A ABIFINA não é a favor de não termos patentes no Brasil, só achamos que a patente só deve prover o benefício quando houver uma inovação muito evidente. E que ela não seja usada como um mero instrumento de monopólio.
BE - O risco da falta de mão de obra para a indústria
JP - O Brasil, crescendo a taxas atuais, vai encontrar dificuldade para ter a mão de obra adequada para sustentar esse crescimento. Não é só a química fina, é o setor industrial como um todo. Na indústria eu acho que esse aspecto está preocupando muito. No nosso caso, da química fina, há vários aspectos que precisam ser olhados. Você tem a pesquisa avançada, na biotecnologia, ou em certos setores, vacinas, por exemplo, áreas onde o Brasil tem pesquisadores, possui uma infraestrutura de pesquisa. O país forma muitos doutores para suprir essas atividades.
BE - A contradição da formação de pesquisadores no país
JP - O gap é que nós não temos mercado para usar esse conhecimento. Se nós olharmos a formação de pessoas, de nível acadêmico superior, o Brasil avançou muito nisso. O que falta são duas coisas: emprego para essas pessoas no setor privado e, principalmente, profissionais com perfil intermediário, pessoas que trabalhem no chão de fábrica, com experiência de produção. Se eu precisar hoje de um gerente para laboratório de pesquisa e desenvolvimento é muito difícil encontrar. Agora, se eu quiser buscar um pesquisador de área avançada eu encontro.
Fonte: Carlos Martins (Assessoria de Imprensa da SBQ)
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