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04/11/2010


Saiu o JBCS número 11 - Volume 21



1. Editorial

III Encontro Brasileiro da Química do Selênio e do Telúrio

           A química no Brasil nasceu com a criação da Universidade de São Paulo em 1934. As tentativas anteriores de se fazer química no país foram esporádicas e efêmeras. O primeiro tema de pesquisa nessa importante área da ciência em nosso país foi a química dos compostos orgânicos do selênio e do telúrio. O primeiro artigo de revisão deste número especial, Selenium and Tellurium Chemistry: Historical Background, detalha esse tópico, razão porque não nos alongaremos sobre o tema.
           Essa área da química só começou a ser foco das atenções da comunidade científica no resto do mundo na segunda metade do século passado, quando bioquímicos demonstraram que o elemento selênio é essencial para a saúde de animais e humanos.1
           Uma dieta pobre em selênio (menos de 55 µg/dia) leva a sérios problemas de saúde, como a cardiomiopatia e a atrofia e degeneração de cartilagens. Essas enfermidades chegam a afetar cerca de 90% da população de áreas onde o conteúdo de selênio no solo está abaixo do mínimo requerido, principalmente em certas regiões pobres e isoladas da China.
           Curiosamente, a ingestão de uma única castanha do Pará por dia solucionaria esse problema, pois essa planta acumula quantidades espetaculares de selênio (87 µg Se/castanha de 5 g). Essa capacidade das plantas de acumular selênio pode levar ao problema contrário do apontado acima.
           Em certas regiões, os animais são afetados por excesso de selênio, o que causa selenose, caracterizada pela perda de pêlo, chifres e cascos, além de outras consequências. Mesmo que o problema nem sempre atinja essas proporções, a carne de animais que se alimentam em regiões com alto conteúdo de selênio no solo, como ocorre em algumas regiões do Rio Grande do Sul, pode apresentar um teor de selênio superior ao permitido por órgãos regulatórios, tornando a carne imprópria para o consumo, especialmente quando destinada à exportação para países onde o controle é mais rigoroso. Esse dualismo do elemento selênio (até certa dose é bom, acima dela é nocivo) é abordado neste número especial no artigo Diphenyl Diselenide: a Janus-Faced Molecule.
           De onde vem a atividade biológica do elemento selênio? O tema é atualmente objeto de intensos estudos na área médica e bioquímica,2-3e já sabemos que um número considerável de enzimas importantes contem selenocisteína em seu centro ativo, a qual, na década de 70, passou a ser considerada o 21º aminoácido natural.4 Esse é um fato raramente destacado na literatura. Dentre as enzimas que apresentam a selenocisteína no seu centro ativo, salientamos a glutationa peroxidase, que está envolvida no importante processo de detoxificação do organismo dos mamíferos, que é a redução de precusores de radicais livres.3
           Além disso, foi descoberto que compostos estruturalmente simples, de origem não natural, contendo selênio ou telúrio, mimetizam a ação dessa enzima, existindo hoje intensa atividade de pesquisa nessa área.5 O artigo Catalytic Application of Selenium and Tellurium Compounds as Glutathione Peroxidase Enzyme Mimetics deste número especial aborda esse tema.
           Ainda no campo da atividade biológica “benigna” dos compostos orgânicos contendo selênio e telúrio, destacamos sua atividade como inibidores de proteases,6 normalmente presentes nos organismos, mas que, em determinadas situações, como em infecções virais, câncer, Alzheimer, etc., passam a ser produzidas de forma desregulada, descontrolada e indesejável. O artigo Chemoenzymatic Synthesis of Organoselenium (IV) Compounds and their Evaluation as Cysteine Protease Inhibitors deste número especial aborda esse tema, que constitui uma nova e ativa área de trabalho iniciada recentemente por pesquisadores brasileiros.7
           Com relação às aplicações sintéticas dos compostos do selênio, atualmente não é necessário salientar sua importância. Apesar dos muitos comentários negativos sobre sua toxicidade, alguns desses reagentes são hoje descritos inclusive em livros texto de química orgânica em nível de graduação. Quanto aos reagentes do telúrio, os progressos foram mais lentos. Entretanto, pelo menos uma reação envolvendo esse elemento está bem estabelecida e apresenta vantagens quando comparada com outros métodos que levam a resultados semelhantes. Trata-se da reação de troca telúrio/metal, que é comentada neste número especial no artigo Reactive Organometallics from Organotellurides: Application in Organic Synthesis.
           Vários outros artigos tratando da preparação e das aplicações de compostos orgânicos e inorgânicos do selênio e do telúrio podem ser encontrados nas páginas que se seguem. A utilidade dos reagentes desses elementos está bem demonstrada, conforme atestado pelas várias sínteses que fazem uso dos mesmos.8
           Ao longo dos últimos 30 anos, o grupo de pesquisadores brasileiros dedicados ao estudo da química do selênio e do telúrio adquiriu grande visibilidade no Brasil e no exterior, a ponto de alguns colegas acharem que existe gente demais trabalhando nessa área no país. Essa opinião é uma falácia, pois o número de grupos dedicados a esse ramo da química no Brasil é pequeno, quando comparado a grupos dedicados a outros ramos tradicionais da química entre nós. De onde vem, então, essa visibilidade? A resposta está na filosofia de trabalho desse grupo de pessoas, que sempre procura publicar seus resultados nas melhores revistas internacionais. Para isso, é claro, é feito um esforço muito grande, para manter elevado o nível dos trabalhos realizados. As melhores revistas são as melhores porque publicam o que há de melhor em determinado campo.
           Nesse sentido, vale a pena ressaltar que os dois químicos brasileiros de maior impacto (número de trabalhos multiplicado pelo fator de impacto da revista), pertencem a esse grupo. Acreditamos ser esta a maior contribuição que o mesmo tem dado à química brasileira: a consolidação de uma área de pesquisa pela dedicação de vários laboratórios, de forma independente e continuada, por um largo espaço de tempo, mantendo-se na fronteira do conhecimento naquela área em nível internacional. A existência de tais “escolas” não deve ser criticada; ao contrario, seria muito salutar que as várias outras “escolas” brasileiras de química tivessem a mesma visibilidade nacional e internacional que essa.
           Em 2006, os químicos da Universidade Federal de Santa Maria que se dedicam à química do selênio e do telúrio decidiram realizar encontros bienais para troca de idéias e eventuais redirecionamentos dos temas de suas pesquisas. O primeiro desses encontros foi coordenado pelo Professor Ernesto S. Lang e ocorreu em 2006 em Bento Gonçalves; o segundo ocorreu em 2008 em Campos do Jordão, coordenado pelo Professor Helio Stefani. O terceiro, organizado por Antonio L. Braga, terá lugar em Florianópolis em Dezembro de 2010 (http://www.qmc.ufsc.br/esete3).
           Esperamos que esses encontros tenham vida longa, contribuindo para manter os pesquisadores brasileiros dedicados a esse ramo da química na fronteira do conhecimento em nível internacional.

Antonio L. Braga (UFSC)
João V. Comasseto (USP)


Referências

1. Schwarz, K.; Foltz, C. M.; J. Am. Chem. Soc. 1957, 79, 3292; Stapleton S. R.; Cell. Mol. Life Sci. 2000, 57, 1823.
2. Chasteen, T. G.; Bentley, R.; Chem. Rev. 2003, 103, 1; Mugesh, G.; du Mont, W. W.; Sies, H.; Chem. Rev. 2001, 101, 2125; Nogueira, C. W.; Zeni, G. R.; Rocha, J. B. T.; Chem. Rev. 2004, 104, 62550.
3. Arthur, J. R.; Cell. Mol. Life Sci. 2000, 57, 1825.
4. Flohe, L.; Günzler, W. A.; Schock, H. H.; FEBS Lett. 1973, 32, 132; Stadtman, T. C.; J. Biol. Chem.; 1991, 266, 16257.
5. Mukherjee, A. J.; Zade, S. S.; Singh, H. B.; Sunoj, R. B.; Chem. Rev. 2010, 110, 4357; Bhabak, K. P.; Mugesh, G.; Acc. Chem. Res. 2010, in press, DOI: 10.1021/ar100059g.
6. Powers, J. C.; Asgian, J. L.; Ekici, O. D.; James, K. E.; Chem. Rev. 2002, 102, 4639.
7. Cunha, R. L. O. R.; Urano, M. E.; Chagas, J. R.; Almeida, P. C.; Bincoletto, C.; Tersariol, I. L. S.; Comasseto, J. V.; Bioorg. Med. Chem. Lett. 2005, 15, 755; Cunha, R. L. O. R.; Gouvea, I. E.; Juliano, L.; An. Acad. Bras. Cienc. 2009, 81, 393.
8. Freundendahl, D. M.; Santoro, S.; Shahazad, S. A.; Santi, C.; Wirth, T.; Angew. Chem. Int. Ed. 2009, 48, 8409; Wendler, E. P.; Dos Santos, A. A.; Synlett 2009, 1034; Comasseto, J. V.; Barrientos-Astigarraga, R. E.; Aldrichimica Acta 2000, 33, 66.


Fonte: Editoria do JBCS





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