07/08/2014
Amazônia tem "oceano subterrâneo"
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Bacias sedimentares do Acre, Solimões, Amazonas e Marajó têm reserva de água estimada em mais de 160 trilhões de metros cúbicos. (foto: Wikimedia) |
A Amazônia possui uma reserva de água subterrânea com volume estimado em mais de 160 trilhões de metros cúbicos, estimou Francisco de Assis Matos de Abreu, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que terminou no dia 27 de julho, no campus da Universidade Federal do Acre (UFAC), em Rio Branco.
O volume é 3,5 vezes maior do que o do AquÃfero Guarani – depósito de água doce subterrânea que abrange os territórios do Uruguai, da Argentina, do Paraguai e principalmente do Brasil, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados (km2) de extensão.
"A reserva subterrânea representa mais de 80% do total da água da Amazônia. A água dos rios amazônicos, por exemplo, representa somente 8% do sistema hidrológico do bioma e as águas atmosféricas têm, mais ou menos, esse mesmo percentual de participação", disse Abreu durante o evento.
O conhecimento sobre esse "oceano subterrâneo", contudo, ainda é muito escasso e precisa ser aprimorado tanto para avaliar a possibilidade de uso para abastecimento humano como para preservá-lo em razão de sua importância para o equilÃbrio do ciclo hidrográfico regional.
De acordo com Abreu, as pesquisas sobre o AquÃfero Amazônia foram iniciadas há apenas 10 anos, quando ele e outros pesquisadores da UFPA e da Universidade Federal do Ceará (UFC) realizaram um estudo sobre o AquÃfero Alter do Chão, no distrito de Santarém (PA).
O estudo indicou que o aquÃfero, situado em meio ao cenário de uma das mais belas praias fluviais do paÃs, teria um depósito de água doce subterrânea com volume estimado em 86,4 trilhões de metros cúbicos.
"Ficamos muito assustados com os resultados do estudo e resolvemos aprofundá-lo. Para a nossa surpresa, descobrimos que o AquÃfero Alter do Chão integra um sistema hidrogeológico que abrange as bacias sedimentares do Acre, Solimões, Amazonas e Marajó. De forma conjunta, essas quatro bacias possuem, aproximadamente, uma superfÃcie de 1,3 milhão de quilômetros quadrados", disse Abreu.
Denominado pelo pesquisador e colaboradores Sistema AquÃfero Grande Amazônia (Saga), o sistema hidrogeológico começou a ser formado a partir do perÃodo Cretáceo, há cerca de 135 milhões de anos.
Em razão de processos geológicos ocorridos nesse perÃodo foi depositada, nas quatro bacias sedimentares, uma extensa cobertura sedimentar, com espessuras da ordem de milhares de metros, explicou Abreu.
"O Saga é um sistema hidrogeológico transfronteiriço, uma vez que abrange outros paÃses da América do Sul. Mas o Brasil detém 67% do sistema", disse.
Uma das limitações à utilização da água disponÃvel no reservatório, contudo, é a precariedade do conhecimento sobre a sua qualidade, apontou o pesquisador. "Queremos obter informações sobre a qualidade da água encontrada no reservatório para identificar se é apropriada para o consumo."
"Estimamos que o volume de água do Saga a ser usado em médio prazo para abastecimento humano, industrial ou para irrigação agrÃcola será muito pequeno em razão do tamanho da reserva e da profundidade dos poços construÃdos hoje na região, que não passam de 500 metros e têm vazão elevada, de 100 a 500 metros cúbicos por hora", disse.
Como esse reservatório subterrâneo representa 80% da água do ciclo hidrológico da Amazônia, é preciso olhá-lo como uma reserva estratégica para o paÃs, segundo Abreu.
"A Amazônia transfere, na interação entre a floresta e os recursos hÃdricos, associada ao movimento de rotação da Terra, cerca de 8 trilhões de metros cúbicos de água anualmente para outras regiões do Brasil. Essa água, que não é utilizada pela população que vive aqui na região, representa um serviço ambiental colossal prestado pelo bioma ao paÃs, uma vez que sustenta o agronegócio brasileiro e o regime de chuvas responsável pelo enchimento dos reservatórios produtores de hidreletricidade nas regiões Sul e Sudeste do paÃs", avaliou.
Vulnerabilidades
De acordo com Ingo Daniel Wahnfried, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), um dos principais obstáculos para estudar o AquÃfero Amazônia é a complexidade do sistema.
Como o reservatório é composto por grandes rios, com camadas sedimentares de diferentes profundidades, é difÃcil definir, por exemplo, dados de fluxo da água subterrânea para todo sistema hidrogeológico amazônico.
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"Há alguns estudos em andamento, mas é preciso muito mais. É necessário avaliarmos, por exemplo, qual a vulnerabilidade do AquÃfero Amazônia à contaminação", disse Wahnfried, que realizou doutorado direto com Bolsa da FAPESP.
Diferentemente do AquÃfero Guarani, acessÃvel apenas por suas bordas – uma vez que há uma camada de basalto com dois quilômetros de extensão sobre o reservatório de água –, as áreas do AquÃfero Amazônia são permanentemente livres.
Em áreas de floresta, essa exposição do aquÃfero não representa um risco. Já em áreas urbanas, como nas capitais dos estados amazônicos, isso pode representar um problema sério. "Ainda não sabemos o nÃvel de vulnerabilidade do sistema aquÃfero da Amazônia em cidades como Manaus", disse Wahnfried.
Segundo o pesquisador, tal como a água superficial (dos rios), a água subterrânea é amplamente distribuÃda e disponÃvel na Amazônia. No Amazonas, 71% dos 62 municÃpios utilizam água subterrânea (mas não do aquÃfero) como a principal fonte de abastecimento público, apesar de o estado ser banhado pelos rios Negro, Solimões e Amazonas.
Já dos 22 municÃpios do Estado do Acre, quatro são totalmente abastecidos com água subterrânea. "Apesar de esses municÃpios estarem no meio da Amazônia, eles não usam as águas dos rios da região em seus sistemas públicos de abastecimento", avaliou Wahnfried.
Algumas das razões para o uso expressivo de água subterrânea na Amazônia são o acesso fácil e a boa qualidade desse tipo de água, que apresenta menor risco de contaminação do que a água superficial.
Além disso, o nÃvel de água dos rios na Amazônia varia muito durante o ano. Há cidades na região que, em perÃodos de chuva, ficam a poucos metros de um rio. Já em perÃodos de estiagem, o nÃvel do rio baixa 15 metros e a distância dele para a cidade passa a ser de 200 metros, exemplificou.
Fonte: Agência FAPESP
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