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28/08/2014



Novas regras para aplicação dos recursos do petróleo em P&D



Foto: ANP – Divulgação

No dia 25 de agosto, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou a sessão de abertura da consulta pública nº. 10/2014, que estabelece novas regras para o investimento de recursos provenientes de grandes empresas petrolíferas, em atividades de pesquisa e desenvolvimento na área de gás natural e petróleo. Há meses o físico Elias Ramos de Sousa, superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da ANP, tem rodado o Brasil para difundir a chamada pública. Elias percorreu diversas instituições, como universidades e institutos de pesquisa, conclamando a todos para enviar propostas que possam contribuir com o novo regulamento.

Não é por pouca coisa. A ANP prevê que, nos próximos 10 anos, os recursos provenientes das empresas petrolíferas para investimentos em pesquisa e desenvolvimento serão da ordem de 30 bilhões de reais. A lei que prevê o investimento de 1% do faturamento das empresas do petróleo e gás natural, em P&D, é de 1998, no entanto somente em 2005 a ANP divulgou o regulamento técnico vigente até hoje. Durante esse período, cerca de 9 bilhões de reais foram gerados e aplicados em infraestrutura e recursos humanos para P&D.

Nesta entrevista exclusiva para o Jornal da Ciência, o superintendente de P&D da ANP, que é doutor em biofísica e professor da Universidade Federal da Bahia, relata o que já foi feito até o momento, e por que é tão necessário um novo regulamento.

Jornal da Ciência – Qual a origem dos recursos investidos em pesquisa e desenvolvimento, a partir da produção do petróleo e do gás natural?
Elias de Souza Ramos - Esses recursos para P&D são provenientes de uma cláusula contratual introduzida nos contratos para produção de petróleo e gás a partir de 1998, que é quando se concretizou a abertura de mercado da indústria do petróleo. Esta cláusula estabelece que 1% dos recursos de campos que têm produção elevada, que são os campos maiores, devem ser aplicados em P&D. Mas qualquer campo paga um tipo de participação governamental, que são os royalties, agora só os que têm produção maior pagam a participação especial (além do royalty).

JC – O que define a participação especial das empresas produtoras em P&D?
ERZ – É a produção. Assim os campos que produzem a partir de um certo número de barris por dia no mar, já pagam a participação especial. Em terra é um outro valor, assim como o valor em águas rasas é diferente do valor (da exploração) em águas profundas. Tem uma resolução da ANP que estabelece qual são esses valores de produção diária de petróleo e gás a partir dos quais a participação deve ser paga. Essa participação pode ser de até 40%, e a taxa ou percentual é maior para quem produz mais. Isso foi gerando recursos a partir de 1998, inicialmente abaixo de 5 milhões de reais por ano, mas os recursos foram aumentando. A ANP deveria ter estabelecido regras desde essa data, mas por diversas razões essas regras só foram definidas em 2005. O fato é que desde 1998 até junho de 2014, foram gerados recursos de mais de 9 bilhões de reais.

JC – E o que foi feito com esses recursos até o momento?
ERZ – Os recursos gerados principalmente dos contratos com a Petrobras foram aplicados em pesquisas dentro de instalações da própria Petrobras, no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes), no Rio de Janeiro. Foram também aplicados em universidades, já que a regra é que 50% (de 1%) dos recursos devem ser investidos nas instituições de pesquisa credenciadas pela ANP. Nessa parcela aplicada em universidades temos, no que foi realizado até hoje, boa parte aplicada em infraestrutura laboratorial. Foram cerca de 300 laboratórios criados ou modernizados com esses recursos. Essa aplicação em infraestrutura soma cerca de 2.3 bilhões de reais. Assim, pode-se dizer, que o mínimo a ser aplicado em universidades deveria ser em torno de 4.5 bilhões (50% dos recursos). Temos também cerca de 1.2 bilhão de reais aplicados em recursos humanos, alcançando o resultado de aproximadamente 3.5 bilhões aplicados em universidades.

JC – Qual a expectativa a partir dessa chamada pública para propor mudanças nas regras de aplicação dos recursos em P&D?
ERZ – Na discussão sobre o que vai acontecer daqui para frente, já contamos com a perspectiva de gerar cerca de 30 bilhões de reais (de recursos para P&D) nos próximos 10 anos, prognóstico que é feito com base nos planos de desenvolvimento apresentados pelas próprias empresas. Percebemos aí um novo cenário em que a Petrobras não é a única empresa que vai aplicar esses recursos, como vinha acontecendo até agora. Já temos 11 empresas que vão estar habilitadas a participar desse programa, e entre essas, a maioria são empresas petrolíferas estrangeiras. Hoje essas empresas estão respondendo por cerca de 10% dos recursos, ou seja, o cenário atual ainda conta com 90% de recursos da Petrobras, e 10% dessas outras empresas. Mas daqui a 5 anos isso vai evoluir para um cenário onde a participação da Petrobras cairá para 75%, e as outras, que já não serão mais 11, mas um pouco mais de 20 empresas, vão responder por cerca de 25% dos recursos a serem aplicados em P&D. Aí teremos recursos acima de 3 bilhões de reais por ano, o que significa que essas outras empresas terão uma fatia acima de 700 milhões de reais por ano a aplicar. São recursos bastante significativos.

JC – E como o novo regulamento poderá influir diretamente na aplicação desses recursos em P&D?
ERZ – Nesse novo cenário que se aproxima, precisamos ter várias pontos aprimorados na regulação, estabelecer um processo mais coordenado pela ANP, para que os projetos sejam mais colaborativos e que possamos definir alguns alvos comuns aos atores envolvidos. Essa coordenação já começa a ser importante nesse momento de maior número de empresas envolvidas, e portanto vamos criar um comitê técnico científico, que estamos chamando de COMTEC, que terá o objetivo de traçar diretrizes para orientar a aplicação dos recursos. Devemos incluir áreas e temas prioritários de pesquisas, atividades a serem realizadas para a produção de editais voltados para as universidades ou institutos de pesquisa apresentarem propostas. Então esse comitê será responsável pela coordenação dos recursos pela ANP, e vamos buscar incluir tanto as empresas petrolíferas ou fornecedoras, como as universidades e institutos de pesquisa. Poderemos criar câmaras técnicas para definição de temas e análise de projetos.

JC – No próximo dia 25 de agosto se encerra a consulta pública. Quais os próximos passos?
ERZ – Exato, nessa 2ª. feira encerraremos a fase da audiência pública. Em seguida a ANP vai analisar todas as propostas encaminhadas, o que certamente vai gerar modificações no texto proposto para consulta, e finalmente teremos a deliberação da diretoria da ANP. Esse processo deve levar em torno de 60 dias para finalizar, portanto acredito que até o final de outubro próximo já teremos um novo regulamento.

JC – O coordenador da área de P&D da ANP, Marcos Asevedo, mencionou em reunião na Academia Brasileira de Ciências (ABC), realizada no último dia 5 de agosto, que muito pouco resultou dos recursos investidos entre 1998 até este ano (9 bilhões de reais) em termos de produtos tecnológicos e patentes, apesar da implantação de laboratórios. Uma pergunta que foi levantada entre os cientistas presentes foi a seguinte: se não foi possível o desenvolvimento de tecnologias significativas nesse período, e ainda considerando que a principal empresa envolvida era a Petrobras, como a ANP pretende regular e fiscalizar um número muito maior de empresas, sobretudo as estrangeiras, e de recursos?
ERZ – O fato de ter gerado poucos resultados indica que nossos investimentos foram muito concentrados em infraestrutura e recursos humanos. A universidade que mais recebeu recursos, por exemplo, foi a UFRJ, com cerca de 25% dos recursos investidos em infraestrutura. Temos laboratórios na Unicamp (Cepetro), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, entre outros. Portanto, foi muito mais um esforço de estruturar uma base, do que desenvolver tecnologia em si, é como se os alicerces estivessem sendo montados. Agora precisamos concentrar na produção de pesquisa e desenvolvimento, ter um sistema de coordenação focado em resultados, de produção científica, de desenvolvimento tecnológico e de patentes. Inclusive observamos que uma parte da infraestrutura instalada não está em pleno funcionamento, e é preciso que operem integralmente para que as atividades em P&D se concretizem. Vamos ampliar as áreas de conhecimento que podem influir nos projetos, inclusive estamos incluindo a área de ciências sociais e humanas, desde que sejam projetos ligados à indústria de petróleo e gás. É o que vamos fazer a partir de agora.

JC – Os recursos sofrem empecilhos como contingenciamentos ou outros tipos de ingerências?
ERZ -
Esses recursos não podem ser contingenciados. Eles saem das empresas e vão direto para as universidades ou institutos envolvidos. Mas também sofrem as consequências do excesso de burocracia, pois no momento que esses recursos entram em uma universidade pública, por meio de convênio feito com uma empresa, toda a legislação existente vai também influenciar na aplicação desses recursos. O que precisamos é ter um arcabouço legal na área de ciência e tecnologia, que tem uma especificidade muito diferenciada, que seja diferente do que contratar, por exemplo, uma construção civil entre outros.


Fonte: Fabíola de Oliveira (SBPC)








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