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29/01/2015



Os esforços de Monica pela saúde dos mares (e dos seres vivos)


Oceanógrafa traz à 38ª. RASBQ um panorama do trabalho conjunto de cientistas para entender as mudanças nos ecossistemas marinhos e costeiros


 

"Nosso sistema de ensino ainda é muito paternalista, passivo e estimula pouco a criatividade e o pensamento independente. Mas aposto em uma mudança no futuro."

"Um dos papéis do jovem químico do século 21 é usar sua criatividade para diminuir (e se possível eliminar) o uso de substâncias com as quais ainda não sabemos, ou não podemos, lidar com segurança social e ambiental."


Se você quer ficar bem perto de tudo que o ser humano explora, produz, usa e descarta, basta entrar no mar. Talvez só seja possível observar a parte dos plásticos maiores, mas na água salgada que banha a Terra escondem-se fármacos, poluentes persistentes, esgoto doméstico e industrial, metais tóxicos, organismos patogênicos, resíduos das explorações de petróleo em alto-mar, tudo.

Resíduos plásticos em Fernando de Noronha

Esse caldo antropogênico é o foco das pesquisas conduzidas pela oceanógrafa Monica Ferreira da Costa, da Universidade Federal de Pernambuco. Ela é uma das palestrantes da 38ª. Reunião Anual da SBQ, em maio, em Águas de Lindóia (SP).

"Em nosso laboratório buscamos entender como funcionam os ecossistemas costeiros e marinhos do ponto de vista de diversos de seus componentes naturais (ex. peixes, crustáceos, tartarugas marinhas) e antropogênicos (ex. mercúrio, plásticos, microplásticos). Dessa forma podemos tentar simular a reação desses ecossistemas a mudanças em padrões de chuva, de fluxo dos rios, aumento da salinidade, alteração de densidade e/ou biomassa de espécies, aumento/redução de um poluente", explica Monica. Atualmente suas linhas de pesquisa principais são a poluição marinha por plásticos e microplásticos; o ciclo biogeoquímico do mercúrio em ecossistemas costeiros; gerenciamento costeiro integrado, incluindo a relação das bacias hidrográficas com os estuários e a saúde das praias.

Sua conferência na 38ª. RASBQ abordará esforços conjuntos de oceanógrafos e químicos em prol da saúde dos oceanos e da sociedade. "O trabalho que dá origem a esta conferência, publicado na Química Nova (link abaixo), foi feito em parceria com as amigas e colegas, também oceanógrafas químicas, Vanessa Hatje e Letícia Cotrim da Cunha", conta Monica, que é bacharel em Oceanografia pela UERJ (1988), mestre em Química Analítica Inorgânica pela PUC-Rio (1991), Doutorado em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, Norwich-Reino Unido (1997). Desde 1998, é professora do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco. Atua em Oceanografia Química com ênfase em Poluição Marinha. Também trabalha com questões de Gerenciamento Costeiro Integrado que tenham relação com a qualidade da água em ambientes costeiros e marinhos.

Monica Ferreira da Costa conversou com o Boletim da SBQ:

Quais os impactos nos oceanos causados por atividades antropogênicas ao longo da história?
São muitos, e foram mudando em termos de tipo e quantidades com o tempo. Desde a antiguidade, quando começaram a se formar as primeiras grandes cidades (ex. Roma), existe alguma influencia localizada de esgotos domésticos e resíduos sólidos. Nos últimos 2.000 anos muita coisa mudou. Houve um aumento significativo da quantidade de dejetos lançados ao mar.

Cabe aqui uma observação: a diferença entre impacto/interferência/mudança e poluição marinha. Os impactos podem ser de diversas naturezas, por exemplo, a sobrepesca é um impacto, mas não é poluição marinha. A poluição marinha é a introdução pelo homem direta ou indiretamente de substancias ou energias no meio marinho que causem dano à fauna, à flora ou a nós mesmos.

A maior quantidade, frequência e distribuição dos impactos humanos, dentre eles a poluição marinha, sobre os oceanos se deu nos últimos 500 anos, e mais intensamente nos últimos 250 anos. Isso devido ao desenvolvimento de tecnologias que nos permitiram promover maiores transformações na superfície do planeta (ex. mineração, indústria, comércio global, crescimento demografia exponencial).

Atualmente, as maiores ameaças para os oceanos são as grandes mudanças climáticas (ex. aumento do CO2 atmosférico), a exploração de hidrocarbonetos de petróleo em offshore, os plásticos (tanto macro quanto micro e nano) e, como sempre, os esgotos domésticos, industriais e o aporte continental. Esses nunca deixaram de ser uma grande contribuição das sociedades para a degradação dos oceanos, sobretudo das zonas costeiras.

No entanto, a composição dos esgotos mudou muito após a II Guerra Mundial. Com o desenvolvimento da indústria petroquímica e da química fina, foi possível se ter muitos avanços tecnológicos, mas também muitos problemas ambientais. No ambiente marinho, por exemplo, passaram a chegar poluentes orgânicos persistentes (ex. pesticidas, aditivos químicos), fármacos humanos (a partir do nosso próprio consumo e excreção) e de origem animal, e plásticos de todos os tamanhos (ex. sacolas, garrafas, pellets, nanoesferas, fibras das nossas roupas).

A esses sempre podemos acrescentar o descarte inadequado de efluentes contendo elementos traço (ex. metais tóxicos), radionuclídeos (ex. da geração de energia e da medicina), organismos patogênicos, um número enorme de poluentes. Basicamente tudo o que exploramos, produzimos, usamos e descartamos na sociedade, pode ser encontrado no mar.

Num país de litoral tão extenso quanto o Brasil, quais as implicações da degradação do ambiente marinho?
A principal consequência é um fenômeno que chamamos de perda de habitat. Ou seja, os ambientes costeiros e marinhos perdem suas características básicas e passam a não mais serem capazes de nos fornecer os serviços ecológicos que forneciam antes. Assim perdemos a oportunidade de termos estabelecidos de forma natural serviços importantes como a proteção costeira dos manguezais, o acesso a alimentos como peixes e outros animais marinhos (proteína animal de alto valor) ou ainda acesso a água de boa qualidade para diversos fins como abastecimento de nossas atividades cotidianas, aquacultura, lazer e conservação da biodiversidade aquática.

A mitigação caminha em qual direção?
Em várias, inclusive em direção a cada um de nós. Não devemos nunca nos furtar a nossa responsabilidade individual repassando ao estado ou ao setor produtivo privado a responsabilidade de manter e limpar ambientes naturais. Podemos começar assumindo responsabilidades. Às vezes são coisas "banais" como não jogar seu lixo na praia, mas trazê-lo de volta para casa para um descarte adequado. Mas às vezes são coisas mais complexas como cobrar de nossos representantes que nosso bairro seja saneado, que as indústrias sejam fiscalizadas e ajudadas a não poluir, que a sociedade seja consultada sobre grandes alterações ambientais como a construção de portos etc.

Aos gerentes públicos e tomadores de decisão cabe estarem sempre muito bem informados dos riscos oferecidos por cada tipo de interferência da sociedade sobre o mar e, baseado em decisões bem informadas e consultas públicas, garantirem que a melhor opção possível para as pessoas e o ambiente seja tomada.

Ao setor produtivo privado cabe se munir de informação técnico-científica de ponta e aplicá-la na prevenção e remediação de conflitos com os ambientes aquáticos sob a influência de suas ações.

Enfim, cada um de nós, e todos nós juntos, temos funções diferentes que convergem na direção da conservação ambiental.

Como você avalia as condições para pesquisa científica no Brasil?
Acredito que estejam progredindo consistentemente. Foi o que observei desde 1985, quando entrei na faculdade de Oceanografia. As universidades e instituições brasileiras se equiparam com hardware de ponta e têm boas condições de competição internacional. O que vem melhorando mais lentamente é a qualificação do pessoal. Nosso sistema de ensino ainda é muito paternalista, passivo e estimula pouco a criatividade e o pensamento independente. Mas aposto em uma mudança no futuro. Ela já começou a acontecer, com as pessoas da minha geração que foram enviadas ao exterior para fazer doutorado (ex. programa de indução do CNPq), e hoje continua a ser proposta com programas governamentais (ex. CsF). O Brasil tem um grande potencial para cobrir o gap científico em relação aos países desenvolvidos, e precisa utilizá-lo para fazer isso rápido.

Como surgiu sua paixão pela Ciência?
Em casa, desde criança. Sempre fui estimulada a ler muito. Na casa dos meus avós e dos meus pais, e consequentemente na minha, lê-se desde o rótulo da margarina à Nature. Creio que tendo essa oportunidade de ter acesso à diversidade de informação que há no mundo, naturalmente fiquei uma pessoa curiosa. E assim, lendo muita National Geographic, me apaixonei pelas ciências da Terra e na hora de escolher qual faculdade, escolhi Oceanografia. Confesso que na época não sabia muito bem o que estava fazendo, mas tudo correu bem e, no próximo dia 04 de fevereiro celebro 30 anos de minha primeira matrícula na UERJ!

Qual deve ser o papel do jovem químico no Século 21?
Zelar pelo bom uso dos recursos naturais que participam da produção e destinação de seus elementos básicos de trabalho.

Buscar sempre interação com outros profissionais que possam ampliar positivamente sua forma de pensar e agir.

Usar sua criatividade para diminuir (e se possível eliminar) o uso de substâncias com as quais ainda não sabemos, ou não podemos, lidar com segurança social e ambiental.

Buscar alternativas em termos de materiais e processos que promovam a saúde dos indivíduos, da sociedade e dos ambientes nos quais vivemos, ou seja, dos quais dependemos!


Artigos sugeridos

“Mercury in tropical and subtropical coastal environments”, M. F. Costa, W. M. Landing, H. A. Kehrig, M. Barletta, C. D. Holmes, P. R. G. Barrocas, D. C. Evers, D. G. Buck, A. C. Vasconcellos, S. S. Hacon, J. C. Moreira, O. Malm, Environmental Research 2012, 12,  1-23.

“Photoreduction and Evolution of Mercury from Seawater”, M. F. Costa, P. Liss, Science of the Total Environment 2000, 261, 125-135.

“Photoreduction of mercury in sea water and possible geochemical implications”, M. F. Costa, P. Liss, Marine Chemistry, 1999, 68, 87-95.

“Marine debris review for Latin America and the Wider Caribbean Region: from the 1970s until now, and where do we go from here”, J. A. I. Sul, M. F. Costa, Marine Pollution Bulletin 2007, 54, 1087-1104.

“Fish and aquatic habitat conservation in South America: a continental overview with emphasis on neotropical systems”, M. Barletta, M. F. Costa, outros, Journal of Fish Biology 2010, 76, 2118-2176.

Oceanografia e Química
http://quimicanova.sbq.org.br/imagebank/pdf/Vol36No10_1497_03-NE13524.pdf


A 38ª Reunião Anual da SBQ será no Hotel Monte Real, Águas de Lindóia, SP de segunda, 25/maio/2015 a quinta, 28/maio/2015. Para detalhes do evento, visite: http://www.sbq.org.br/38ra/

Curta a página da 38ª RA e acompanhe as novidades do evento! Convide também seus amigos. Juntos, faremos uma grande reunião anual!


Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)








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