10/09/2015
Skaf fala sobre o papel da química teórica na área de biocombustíveis na 39ª RASBQ
Professor do IQ Unicamp e diretor do CEPID CCES obteve, com seu grupo de pesquisadores, conquistas recentes na área de bioenergia
O professor Munir Salomão Skaf, do Instituto de Química da Unicamp, navega com conforto entre os limites da física e da química. Ele é um especialista em química teórica, e trabalha com seu grupo de pesquisa para tentar entender melhor propriedades estruturais de algumas substâncias por meio de modelos computacionais. Skaf é um dos conferencistas já confirmados para a 39ª. Reunião Anual da SBQ, que acontecerá de 30 de maio a 2 de junho de 2016 em Goiânia.
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| Munir Skaf, do IQ Unicamp: “Do ponto de vista do País, é absolutamente imprescindível a existência de um conjunto sólido e bem qualificado de cientistas e pesquisadores para o desenvolvimento da nossa sociedade e a promoção do bem estar da nossa população.”
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“Irei apresentar alguns dos nossos estudos mais recentes envolvendo simulações de dinâmica molecular e outras técnicas de modelagem computacional aplicadas à área de biocombustíveis renováveis”, contou o professor Skaf ao Boletim da SBQ. “São estudos realizados no IQ/Unicamp visando compreender a nanoarquitetura das paredes celulares de plantas, bem como as propriedades estruturais e dinâmicas de enzimas que atuam na despolimerização deste substrato lignocelulósico para a produção de bioetanol.”
Formado em Física pela Unicamp, Skaf concluiu seu pós-doutorado em Química Teórica pela Colorado State University em 1993. Além das aulas que ministra no IQ Unicamp, Skaf dirige o Cepid Center for Computational Engineering and Sciences, estabelecido em 2013, com recursos da Fapesp. “Na área de bioenergia, nosso grupo encontrou por meio de simulações de dinâmica molecular quais seriam os principais resíduos de aminoácidos envolvidos no processo de inibição pelo produto da reação enzimática de uma importante celulase. Nossas previsões foram recentemente comprovadas experimentalmente por pesquisadores da Universidade da Califórnia - Berkeley e poderão ser empregadas para o desenvolvimento de celulases mais eficientes”, explica Skaf.
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| Celulase para sacarificação de celulose, um dos trabalhos conduzidos pelo CEPID CCES
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Leia a íntegra da entrevista concedida pelo professor Munir Salomão Skaf ao Boletim da SBQ:
Quais os desafios que a química computacional tem a superar?
A química computacional constitui hoje uma área muito ampla de pesquisa. Buscamos desenvolver e aplicar métodos e técnicas, em diferentes níveis de teoria, capazes de descrever as propriedades e o comportamento dos sistemas químicos em distintas escalas e que representem, cada vez mais realisticamente, as condições experimentais. Grosso modo, podemos subdividir a química computacional contemporânea em duas grandes vertentes. A primeira delas ocupa-se do estudo das moléculas isoladas ou de pequenos aglomerados moleculares e dos processos reativos em geral, bem como de sistemas que gozam de alta simetria espacial como os sólidos cristalinos. Para tais sistemas, dispomos de métodos quânticos em que a estrutura eletrônica pode ser descrita com alto nível de precisão e acurácia. A segunda grande vertente ocupa-se do estudo de sistemas constituídos por um grande conjunto de moléculas em fase condensada como os líquidos e as soluções, os sistemas macromoleculares, incluindo polímeros e os nanomateriais, bem como os sistemas biomoleculares em geral (micelas, biomembranas, lipídeos, sacarídeos, proteínas, ácidos nucleicos etc). Tais sistemas exigem abordagens baseadas em métodos termodinâmico-estatísticos para que sejam reproduzidas as condições termodinâmicas de interesse. Para tais sistemas, um tratamento inteiramente baseado nos princípios da mecânica quântica é ainda pouco viável em termos práticos. A técnica mais amplamente utilizada para o estudo desta classe de problemas é a simulação por dinâmica molecular, por meio da qual podem ser estudados sistemas contendo até alguns poucos milhões de átomos, dependendo dos recursos computacionais disponíveis. Entretanto, muito embora estas técnicas permitam descrever sistemas moleculares dotados de certa complexidade e nível de realismo, a estrutura eletrônica é tratada de modo implícito, subjacentemente. Uma parcela fundamental da química do sistema (por exemplo, processos reativos e outros efeitos inerentemente quânticos) se perde aí. Em alguns contextos, é possível aplicar métodos híbridos que tratam quanticamente uma pequena parte do sistema (c.a. 100 átomos) enquanto o restante é descrito via dinâmica molecular.
O desenvolvimento de tais métodos híbridos nos anos 70 e 80 rendeu o Nobel de Química a Karplus, Warshel e Levitt em 2013. Este foi um passo importante e um dos principais desafios que se apresentam hoje à química computacional reside no desenvolvimento de novos métodos capazes de descrever simultaneamente as propriedades eletrônicas, a reatividade e o comportamento termodinâmico-estatístico de sistemas moleculares contendo centenas de milhares de átomos ou muito mais. Um segundo desafio, igualmente importante, está em criar abordagens que permitam estudar sistemas químicos e/ou bioquímicos em largas escalas espaciais e temporais, ou seja, desenvolver métodos capazes de abordar escalas espaciais e temporais além das tipicamente moleculares e assim ser capaz de estudar sistemas ainda mais próximos da realidade da bancada. Colocados juntos, pode-se dizer que o principal desafio da química computacional de hoje é desenvolver métodos eficientes de modelagem multiescalar, capazes de descrever igualmente bem as propriedades de sistemas moleculares complexos desde a estrutura eletrônica ao seu comportamento termodinâmico.
Como ela contribui para o progresso da ciência de forma prática?
A química teórica ou computacional busca essencialmente compreender os fenômenos que se passam nos diversos sistemas de interesse das ciências químicas. Ela auxilia tremendamente na interpretação de resultados experimentais e fornece uma visão microscópica/molecular dos fenômenos que muitas vezes são pouco acessíveis experimentalmente. Muito frequentemente, a química computacional também é capaz de prever comportamentos e elaborar hipóteses que podem ser diretamente testadas no laboratório, ampliando assim o conhecimento científico que embasa os avanços tecnológicos. Um dos exemplos práticos mais amplamente conhecidos é o emprego da química computacional no desenho racional de fármacos e na engenharia de enzimas. Outros exemplos de aplicação prática incluem o desenvolvimento de catalizadores organometálicos e o desenho de nanoestruturas MOFs (metal-organic frameworks) para a captura e adsorção de gases em escala industrial.
Em suas pesquisas, quais os avanços mais recentes obtidos e quais as próximas conquistas esperadas?
Nossa pesquisa é desenvolvida no Center for Computational Engineering & Sciences, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) recentemente criados na Unicamp sob os auspícios da FAPESP. Nosso grupo trabalha na área de biofísico-química de proteínas e outros sistemas biomoleculares. Nos últimos anos temos nos dedicado ao estudo de dois problemas bastante distintos: 1. Receptores nucleares e outras proteínas associados a várias desordens metabólicas, inflamação e câncer; 2. Enzimas para a sacarificação (hidrólise) de celulose para obtenção de bioetanol e outros produtos químicos de valor agregado. Na área de receptores nucleares alcançamos elucidar as razões moleculares responsáveis pela seletividade de determinados ligantes naturais e sintéticos do receptor do hormônio tireoideano, com potencial para o desenvolvimento de novos fármacos. Já na área de bioenergia, nosso grupo encontrou por meio de simulações de dinâmica molecular quais seriam os principais resíduos de aminoácidos envolvidos no processo de inibição pelo produto da reação enzimática de uma importante celulase. Nossas previsões foram bastante recentemente comprovadas experimentalmente por pesquisadores da Universidade da Califórnia - Berkeley e poderão ser empregadas para o desenvolvimento de celulases mais eficientes.
Por que é importante que o jovem ingresse em carreiras científicas?
Do ponto de vista do País, é absolutamente imprescindível a existência de um conjunto sólido e bem qualificado de cientistas e pesquisadores para o desenvolvimento da nossa sociedade e a promoção do bem estar da nossa população. Mas do ponto de vista do indivíduo, do jovem em busca de uma atividade profissional, poucas carreiras são tão estimulantes e tão gratificantes em termos de crescimento e satisfação pessoal quanto uma carreira científica. Para aquele ou aquela jovem que tem uma mente inquisitiva, não existe profissão melhor.
Como se tornou cientista?
Não sei identificar precisamente quais foram os estímulos que recebi ainda criança com relação às ciências, mas desde a pré-escola eu queria saber sobre as coisas; tinha uma curiosidade insaciável pela natureza. Isso foi se cristalizando, especialmente durante o ensino fundamental quando tive a sorte de ter tido bons professores de ciências. Daí a opção por uma careira profissional em ciências ficou inevitável.
Qual a importância da Reunião Anual da SBQ para o ambiente científico no Brasil?
A RASBQ é um dos eventos científicos de maior prestígio e relevância no país. Sua importância espelha o elevado nível da química brasileira no panorama científico internacional e reflete também o excelente nível de organização da comunidade, largamente promovido pela ação da SBQ já há décadas seguidas.
Artigos sugeridos
“Molecular Dynamics Simulations of Family 7 Cellobiohydrolase Mutants Aimed at Reducing Product Inhibition”, R.L. Silveira, M.S. Skaf, Journal of Physical Chemistry B 2015, 119, 9295-9303.
“Identification of a New Hormone-Binding Site on the Surface of Thyroid Hormone Receptor”, P.C.t. Souza, A.C. Puhl, L. Martinez, et al, Molecular Endocrinology 2014, 28, 534-545.
“Plant Biomass Recalcitrance: Effect of Hemicellulose Composition on Nanoscale Forces that Control Cell Wall Strength”, R.L. Silveira, S.R. Stoyanov, S. Gusarov, et al, Journal of the American Chemical Society 2013, 51, 19048-19051.
“Gaining ligand selectivity in thyroid hormone receptors via entropy”, L. Martinez, A.S. Nascimento, F.M. Nunes, et al, Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 2009, 106, 20717-20722.
“Cellulose-Builder: A toolkit for building crystalline structures of cellulose”, T.C.F. Gomes, M.S. Skaf, Journal of Computational Chemistry 2012, 33, 1338-1346.
Para saber mais
CEPID CCES
http://www.cces.iqm.unicamp.br
A 39ª Reunião Anual da SBQ será no Centro de Convenções de Goiânia, de 30 de maio a 2 de junho de 2016.
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Texto: Mario Henrique Viana (Assessor de imprensa da SBQ)
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