23/12/2021

Ricardo Bicca de Alencastro:
Inspiração e exemplo para gerações

Fonte: Profa. Magaly Girão Albuquerque

Prof. Pierre Mothé Esteves*

Foi com pesar que recebemos a notícia do falecimento do nosso estimado e querido Prof. Ricardo Bicca de Alencastro, devido a complicações de uma pneumonia. O Prof. Bicca se formou em Química Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1965), tendo realizado seu mestrado em Química Orgânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1969, orientador Claudio Costa Neto) e doutorado em Físico-Química pela Université de Montréal (1972, com Camille Sandorfy). Foi professor do Instituto de Química por mais de 50 anos. Desde 2013 atuava como professor emérito do Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRJ. Teve passagens de pós-doutoramento na Universidade de Stanford (1973) e na Universidade de Montreal (1981 e 1985). Era conhecido por seu lado gentil e sempre sensato por todos do Instituto. Além de físico-químico orgânico, também era aficionado por outras coisas. Como, por exemplo, o canto lírico e a leitura (ele era um ávido leitor). Sempre contava sobre as tiocetonas de Michler, que havia estudado no mestrado, e sobre as ligações de hidrogênio, que havia investigado no doutorado. Ainda me lembro das minhas primeiras aulas de Química Geral Estrutural, uma das disciplinas que mais marcaram minha formação em Química, sendo o meu primeiro ponto de contato com um ser humano e cientista especial. Ele falava que "a função está na estrutura química" e que a gente precisava saber ler e entender a estrutura química, que isso seria nossa comunicação com a molécula, o "moleculês".

Sempre bem-humorado, era adepto de tomar uma cervejinha com alunos e colegas nos congressos (e fora deles). O Instituto de Química era a sua casa e o corpo social do IQ era praticamente a sua família. Ele abria as portas de seu laboratório a jovens curiosos e que queriam descobrir sobre ciência. Ali ficava também o infravermelho que ele franqueava acesso a quem precisasse e um PC-XT em que fiz minhas primeiras contas de química computacional. Desse contato dos alunos com esse computador, surgiram inúmeros cientistas de diversas gerações que viriam a contribuir com modelagem molecular e química computacional e com a físico-química orgânica. Seus interesses viraram ainda nos anos 90 para os sistemas biológicos, provavelmente pelos seus interesses sobre a natureza da ligação de hidrogênio, que ele começou a investigar usando essas técnicas. Um outro de seus interesses era sobre nomenclatura em Química, tendo sido tradutor de muitos dos livros didáticos que usamos atualmente. Mesmo após sua aposentadoria, ele vinha religiosamente ao laboratório, para continuar os seus estudos e contribuir com seu bom humor e sua sapiência. Se a Universidade é uma fábrica de sonhos, ali no laboratório do Prof. Bicca se produziam os recheios desses sonhos. Professor Bicca, onde quer que você esteja, saiba que seu legado continua nos jovens que você ajudou a fazer sonhar.

16 de dezembro de 2021
*Instituto de Química – UFRJ