14/11/2013
Animações em 3D tornam ensino de Química mais efetivo e prazeroso
Peças produzidas por engenheiro já geraram cerca de 1 milhão de visualizações na internet, originárias de 148 países
|
Em dada altura da aula, o professor pede para que os alunos imaginem como se dá uma determinada reação química, oferecendo como suporte uma figura estática extraída de um livro. Por mais que ele domine e saiba explicar o conteúdo e que os estudantes sejam criativos, o docente jamais conseguirá que todos criem uma mesma imagem mental acerca do tema proposto. Um problema e tanto, não? Pois essa dificuldade no campo pedagógico tem uma excelente chance de ser superada, graças a um estudo desenvolvido para a tese de doutorado do engenheiro elétrico Manuel Moreira Baptista, defendida recentemente no Instituto de Química (IQ) da Unicamp. O pesquisador criou animações em 3D para serem usadas no ensino de Química, mas que podem ser adaptadas a outras disciplinas. A proposta está sendo tão bem aceita, que as 70 animações já produzidas por ele geraram cerca de 1 milhão de visualizações no canal do YouTube (www.youtube.com/user/m770596), originárias de 148 países. Além disso, foram efetuados mais de 360 mil downloads das animações a partir do site www.quimica3d.com.
O trabalho de Baptista é permeado pelo ineditismo, como faz questão de observar o seu orientador, o professor Pedro Faria dos Santos Filho. “Não temos notícia de que exista outro estudo do gênero no mundo”, afirma o docente. Justamente por causa da originalidade, a pesquisa cumpriu uma espécie de trajetória épica até ser concluída. Antes de falar sobre os obstáculos enfrentados pelo autor e seu mentor, entretanto, convém falar primeiramente das animações e de como elas podem contribuir para tornar o aprendizado de Química mais efetivo e prazeroso.
O professor Pedro Faria explica que os estudantes de hoje não são os mesmos das gerações passadas. A chamada geração Y é mais imediatista que as anteriores, tem o domínio de uma série de tecnologias e demonstra interesse por temas que possam estar diretamente relacionados à sua realidade e visão de mundo. “Ou seja, não dá mais para continuar ensinando como fazíamos no século passado. Se fizermos isso, o aluno sairá da sala ou dormirá na carteira”, adverte o docente. Ocorre, porém, que os modernos recursos pedagógicos disponíveis para tentar seduzir essa juventude são, com muita frequência, inadequados. Na maioria das vezes, eles carecem de conceito.
|
Um exemplo citado por Pedro Faria são os conteúdos disponíveis na internet, como vídeos ou animações. Grande parte, segundo ele, transmite informações imprecisas ou completamente equivocadas, justamente por causa da deficiência conceitual. “Às vezes, o vídeo e a animação são muito bem feitos. Artisticamente, dão um show. No entanto, quando você vai analisar o que está sendo transmitido, fica com os cabelos em pé”. Quanto aos materiais pedagógicos convencionais, como os livros, eles podem ser conceitualmente corretos, mas tendem a não conquistar os estudantes. “Se você sugerir que um aluno leia uma obra de 200 páginas para discuti-la uma semana depois, muito provavelmente ele sequer passará da capa”.
Foi pensando nessas barreiras que Baptista criou as animações em 3D para serem usadas no ensino de Química. Para concebê-las, ele contou não apenas com os profundos conhecimentos do seu orientador, mas também com uma exaustiva pesquisa em diferentes fontes, além de diversas experiências em salas de aula, que tiveram a participação de estudantes de pós-graduação do IQ. “Ao mesmo tempo em que aperfeiçoamos os conceitos que têm sido difundidos, criamos uma série de códigos e símbolos e estabelecemos uma convenção de cores para átomos e orbitais, de modo a tornar o aprendizado de Química menos dúbio e mais prazeroso. Em última análise, o que fizemos foi criar, por meio das animações em 3D, uma nova linguagem com o objetivo de fazer com que o estudante se sinta estimulado e desafiado”, detalha o autor da tese.
Os temas abordados nas animações são Teoria do Orbital Atômico, distribuição eletrônica, hibridização, Teoria do Orbital Molecular, Teoria de Ligação de Valência, Teoria VSEPR, estruturas de Lewis, estruturas cristalinas dos compostos iônicos e metais (cela unitária, empacotamento e retículo cristalino), transformações químicas e polímeros. Nas imagens animadas, a parte microscópica da Química ganha outra dinâmica. “Com esse tipo de recurso pedagógico o professor não precisa mais pedir para que o aluno imagine a reação química, pois ele está vendo em detalhes como ela acontece dinamicamente”, diz o professor Pedro Faria.
|
O docente reforça, porém, que antes de as imagens serem produzidas é preciso discutir muito os conceitos envolvidos e planejar mais ainda, para evitar erros conceituais. “O cuidado precisa ser grande, pois a imagem fixa mais que a palavra. Ou seja, se houver algum erro conceitual, ele será mais difícil de ser apagado posteriormente”. Pedro Faria considera que, embora haja espaço para novas reflexões e aperfeiçoamentos, esse tipo de recurso pedagógico veio para ficar. “Evidentemente, os professores terão que se preparar para lidar com esse novo recurso pedagógico e aprender a explorar toda a sua potencialidade. Além disso, também têm que estar preparados para os novos questionamentos por parte dos alunos, que tenderão a se tornar mais críticos e participativos”, entende.
Tanto orientador quanto orientado revelam que por mais que acreditassem no estudo, eles não poderiam imaginar que ele teria tamanha repercussão, principalmente no plano internacional. Desde que as animações começaram a ser disponibilizadas na Internet, o interesse pela ferramenta só fez crescer. O conteúdo armazenado no YouTube , em somente dois anos e meio, já ultrapassou 1 milhão de visualizações. Os acessos partem desde países mais desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá e Alemanha, até nações pouco desenvolvidas como Bangladesh, Moçambique e Haiti, dentre outras. “As animações só não foram visualizadas ou baixadas em países onde a Internet é controlada, como China e Coréia do Norte. Isso significa que os problemas relacionados ao ensino de Química que encontramos aqui também existem em todos esses lugares”, pondera Baptista, que também tem licenciatura em Química e Física.
Outro dado interessante relacionado aos acessos é que 70% das pessoas visualizam as animações do início ao fim. “Isso demonstra que a maioria está, de fato, interessada no conteúdo oferecido, ou seja, não se trata somente de curiosidade. Além disso, a ferramenta que registra os acessos mostra que eles aumentam nos períodos letivos e nos dias do meio da semana e caem aos sábados e domingos e nas épocas de férias. Este comportamento é típico de um público formado por professores e alunos e é uma clara evidência de que o conteúdo tem auxiliado nos estudos desses internautas”, acrescenta o autor da tese.
No ranking de países que mais visualizam as animações, aparecem os Estados Unidos em primeiro lugar, seguidos de Índia e Brasil. “Um aspecto curioso diz respeito à faixa etária dos usuários. No Brasil, 43% das visualizações são de pessoas acima de 55 anos, faixa etária que corresponde a professores em estágio adiantado de suas carreiras. Na Índia e Paquistão, cerca de 20% têm entre 13 e 17 anos, faixa etária que corresponde a alunos dos ensinos fundamental e médio. Ainda que esses números mereçam uma melhor avaliação, eles podem estar indicando que tanto professores quanto estudantes estão recorrendo à ferramenta”, arrisca Baptista. Segundo ele, todas essas informações foram obtidas a partir das estatísticas do YouTube e do formulário que o usuário precisa preencher antes de fazer o download das animações no site química3d.
De navio
Quem toma conhecimento das animações em 3D desenvolvidas na Unicamp sequer pode imaginar que caminhos e descaminhos orientador e orientado tiveram que trilhar para poder viabilizá-las. Antes de conhecer o professor Pedro Faria, o autor da tese procurou outros docentes da Universidade, fora do IQ, mas nenhum se interessou pelo projeto. “Os professores achavam a proposta muito inovadora e arriscada”, conta. Quando Pedro Faria aceitou orientar o estudo, outros obstáculos surgiram, principalmente por causa do ineditismo da abordagem. No Instituto, ninguém tinha muito claro como lidar e avaliar um tema tão original.
Outro obstáculo transposto foi em relação ao software usado para gerar as animações, de nome Blender. O programa, que pode ser baixado gratuitamente pela Internet, foi concebido pelo cientista da computação Ton Roosendaal, originalmente para a produção de desenhos animados. “Quando eu fiz o download do programa, achei que seria fácil trabalhar com ele. Entretanto, descobri que o software era extremamente complexo e que sem a ajuda do manual eu não iria muito longe. Acontece que busquei o documento na web e na literatura, mas não encontrei nenhuma referência. A saída foi escrever para Roosendaal e solicitar uma cópia do manual”, lembra Baptista.
Generosamente, Roosendaal, que preside a Blender Foundation, respondeu que enviaria o manual para a Unicamp. “Fiquei muito ansioso, pois queria aprender a lidar com o software o mais rápido possível. Esperei umas três semanas, e nada de a encomenda chegar. Com todo o cuidado do mundo, escrevi novamente para ele, perguntando se havia ocorrido algum problema. Roosendaal então me respondeu que já havia enviado o manual, mas por navio, pois era o meio mais barato, visto que a sua fundação não dispunha de grandes recursos financeiros. Resultado: o manual levou três meses para chegar, mas chegou”, diverte-se Baptista.
O próximo desafio a ser superado era conseguir transformar as recomendações do manual em imagens tridimensionais animadas. “Foi um sufoco. Levei uns três meses para fazer com que um cubo se movimentasse na tela do computador. De modo geral, cada minuto de animação exige 80 horas de trabalho!”, pormenoriza Baptista. Com o decorrer do tempo, entretanto, ele conseguiu dominar a ferramenta e passou a desenvolver as animações baseadas nas recomendações do professor Pedro Faria e nas pesquisas complementares já mencionadas. Em seguida, as animações foram avaliadas no próprio IQ por meio de questionários respondidos por alunos de graduação e pós-graduação.
A iniciativa procurou apurar dois aspectos principalmente: que tipo de planejamento o professor deveria fazer para inserir o recurso em uma aula tradicional e que contribuição as animações poderiam dar para o ensino-aprendizado de Química em aulas presenciais. “As respostas dos questionários aplicados nos permitiram concluir que as animações facilitaram a visualização tridimensional e estimularam o desenvolvimento da capacidade de abstração dos alunos”, assegura o professor Pedro Faria. De acordo com ele, embora a ferramenta tenha sido criada para auxiliar no ensino de Química, ela pode ser adaptada para outras disciplinas. “Tomemos como exemplo um professor de geografia. Ao falar sobre vegetação, ele não precisará mais exibir uma fotografia ou um filme mostrando o Cerrado, pois poderá colocar o aluno, por assim dizer, dentro daquele ambiente com as animações em 3D”, aventa o docente do IQ, demonstrando uma indisfarçável empolgação.
Publicação
Tese: “Desenvolvimento e utilização de animações em 3D no ensino de química”
Autor: Manuel Moreira Baptista
Orientador: Pedro Faria
Unidade: Instituto de Química (IQ)
|