27/9/2012
Brasil entra na corrida por terras raras, o ouro do século 21
Reservas nacionais atraem investimentos externos em busca de minerais estratégicos para smart phones e carros elétricos.
A briga pela supremacia na exploração das terras raras deu início a um intrincado jogo de interesses econômicos, diplomáticos e industriais, tendo a China, maior produtora mundial, como fiel da balança.
Mas o Brasil, depois de um século, pode estar de volta ao jogo. No ano passado, o serviço geológico do governo dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês) apontou o País como a nova fronteira global de minerais raros. Segundo a agência americana, o potencial nacional chega a 52 milhões de toneladas em reservas. Para ter uma ideia do que isso significa, levantamento de depósitos de 2011 do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) - órgão federal de controle da atividade mineral no País - registrou a incidência de apenas 40 mil toneladas em solo brasileiro, menos de 1% do volume indicado pelo USGS.
Não à toa, os ministérios de Minas e Energia e Ciência e Tecnologia desenvolvem um programa nacional de minerais estratégicos para identificar esses depósitos e, assim, diminuir a dependência do País. O Brasil importa hoje cerca de 70% das terras raras de que necessita. A luz amarela do governo acendeu quando a Fábrica Carioca de Catalisadores enfrentou problemas com o fornecimento de matéria-prima local. A empresa é a principal cliente da monazita produzida pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), única fornecedora das terras raras utilizadas no refino de petróleo da Petrobrás, que detém 50% da Carioca. Com o pré-sal, o consumo do mineral aumentará junto com a produção de óleo nos depósitos submarinos da costa brasileira. Daí vem a preocupação do Palácio do Planalto. "O Brasil é rico em rochas carbonáticas, só perde em recursos para a China. Não há dúvidas de que o País é a nova fronteira de terras raras", o geólogo David Siqueira Fonseca, do DNPM.
Os números elevados do USGS atraíram os olhares do mundo para o subsolo brasileiro. O País recebeu 193 requerimentos de estudo mineral entre 2010 e 2012, conforme levantamento feito pela reportagem junto ao DNPM. É um volume gigantesco, considerando que o País soma apenas 251 pedidos de pesquisa em 50 anos. A corrida pelo minério é capitaneada por 20 empresas, a maior parte consultorias de geólogos dispostos a encontrar sócios estratégicos para vender jazidas com algum dos 17 elementos apontados pelo empresário João Cavalcanti como "o ouro do século 21".
O baiano João Cavalcanti - JC, como é conhecido o ex-sócio do bilionário Eike Batista e do polêmico banqueiro Daniel Dantas (dono do Grupo Opportunity), e parceiro do grupo Votorantim em projeto de minério de ferro na Bahia - criou em 2010 a World Mineral Resources Participações S.A. (WMR). A mineradora surgiu pouco tempo depois de uma visita à mina de Baotu, a maior de terras raras no mundo, localizada na China. JC lembrou que vira rochas de fluorita iguais às de Baotu na região da Serra do Ramalho, na Bahia, quando era geólogo do governo estadual, nos anos 1970. "Voltei para a Bahia, meti o martelo na rocha e vi que era rica em fluorita roxa, a mesma da China", conta.
Ele entrou então com 88 requerimentos de pesquisa no DNPM e diz ter encontrado uma reserva de fluorita com 28 milhões de toneladas de neodímio, um dos principais elementos das terras raras, diluído na rocha calcária. O DNPM não confirma o tamanho da reserva, mas o geólogo garante que já foi procurado até por iranianos para fornecer o insumo necessário para fabricar componentes tecnológicos necessários na produção de mísseis teleguiados. Cavalcanti afirma ter recusado a proposta de parceria. Ele se diz seguro de querer sócios chineses ou americanos para extrair o neodímio do solo baiano. "Meu foco é atrair investidores com tecnologia, e quem a detém são os chineses", diz.
O desafio técnico ao qual JC se refere é separar as terras raras de outros minerais. O analista de mineração Pedro Galdi, da SLW Corretora, diz que o insumo vital da indústria tecnológica ocorre na natureza com outros minerais, como o fosfato utilizado para produzir fertilizantes. "O maior problema é separar as terras raras, um processo altamente poluente", afirma. A solução encontrada pela WMR foi firmar uma parceria com o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) e o núcleo de engenharia mineral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para identificar uma rota de produção que permita separar o neodímio da fluorita.
Disputa diplomática - A China é o principal produtor mundial de terras raras, com cerca de 130 mil toneladas por ano - nada menos que 97,5% da produção e 95% do mercado exportador global. A Índia, que produziu 3 mil toneladasem2011, aparece num distante segundo lugar. Pequim, contudo, limitou suas exportações a 30mil toneladas por ano em 2009, em uma decisão vista inicialmente como retaliação diplomática ao Japão, após uma escaramuça em águas territoriais entre os dois países. A briga asiática ganhou contornos globais neste ano, após Estados Unidos e União Europeia apoiarem a iniciativa japonesa de apresentar acusação de reserva de mercado contra a China na Organização Mundial do Comércio (OMC). O assunto foi tema de discurso do presidente Barack Obama, que acusou a China de travar o comércio mundial de terras raras para concentrar as indústrias de alta tecnologia em seu território.
A limitação na venda dos minerais extraídos na China provocou a disparada dos preços das terras raras. O aumento no número de pedidos de pesquisa geológica no Brasil reflete essa reviravolta no mercado e coloca o País em novo patamar na corrida tecnológica do século 21. "Sem terras raras, não existe carro elétrico, celular, tablet", pontua Siqueira, do DNPM.
No Brasil, a exploração do insumo é feita em escala pequena apenas pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), a partir do processamento de areias monazíticas em São Francisco de Itaborana, no Rio de Janeiro. A produção atingiu 290 toneladas em 2011, conforme dados do DNPM. O volume foi quase um terço das 834 toneladas produzidas em 2008, o que alertou o governo para diminuir a dependência da importação, especialmente de olho na demanda de catalisadores pela Petrobrás. A Vale também corre para verificar se há viabilidade econômica em separar as terras raras do fosfato produzido pela companhia para a produção de fertilizantes.
Outra gigante que começa a entrar no segmento é a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, que, segundo o DNPM, teria estocado restos de minérios com alto teor de terras raras ao longo dos anos e agora estaria disposta a explorá-los comercialmente. A empresa não comenta o assunto.
Exploração na Amazônia - A importância econômica dos minerais raros começa a ganhar conotação política. No Congresso Nacional, deputados e senadores chegaram a criar um núcleo especial dentro da Comissão de Ciência e Tecnologia para discutir o peso do insumo no futuro da economia, a indústria e mesmo o espaço geopolítico que o Brasil pode ocupar nos próximos anos. O grupo sugere a criação de um capítulo especial sobre as terras raras no código mineral que o governo elabora para regular o setor. Não há normas sobre a atuação no segmento de terras raras no País atualmente.
O governo federal também está se mexendo. O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) - antiga Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, estatal federal que mudou de nome mas manteve a sigla - iniciou uma campanha exploratória para identificar depósitos de terras raras na Amazônia. Segundo Manoel Barreto, presidente do CPRM, órgão subordinado ao Ministério de Minas e Energia (MME), será aplicado R$ 1,35 milhão neste ano, dentro do programa criado pelo ministério para identificar minerais estratégicos até 2014.
O orçamento total do programa soma R$ 18,4 milhões. "A ideia é fazer uma amostragem geoquímica para ver o teor de terras raras na Amazônia e depois montar um mapa com informações sobre os resultados", diz.
Oportunidade industrial - O desafio será a indústria brasileira acompanhar com produção o potencial de reserva indicado pelos geólogos americanos. A disposição da chinesa Foxconn, produtora dos tablets da Apple, de instalar fábrica no interior de São Paulo pode ser um passo importante. Mas, como observa Pedro Galdi, da SLW Corretora, a investida vale se o Brasil não figurar no cenário como fornecedor de matéria--prima para a produção na China das placas utilizadas nos tablets.
"O que a China quer é desenvolver a produção de terras raras em vários lugares do mundo", alerta o analista da SLW, sobre o risco de o Brasil ser apenas exportador da commodity cotada para ser o ouro do século 21.
Fonte: O Estado de São Paulo (caderno especial O Brasil Inovador)
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