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14/07/2016



Lei da Biodiversidade é um tiro no pé da química verde, aponta especialista


"A lei precisa ser simples e autoexplicativa para que seja possível aproveitar o potencial da nossa biodiversidade", defende Vanderlan Bolzani, professora titular do Departamento de Química Orgânica da Unesp e vice-presidente da SBPC, em mesa redonda da 68ª Reunião Anual da SBPC

O decreto que regulamenta a Lei da Biodiversidade (Lei 13.123/2015), publicado há dois meses, é um tiro no pé da nova geração de cientistas de química verde, porque engessa as pesquisas e gera insegurança jurídica ao acesso ao patrimônio genético da natureza. Esse é o consenso de pesquisadores que falaram sobre o tema "Lei da Biodiversidade, regulamentação e impactos" – na 68ª Reunião Anual da SBPC, realizada no campus de Porto Seguro (BA) da UFSB, na semana passada, de 03 a 09 de julho.

A pesquisadora Vanderlan Bolzani, professora titular do Departamento de Química Orgânica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), considerou o texto da regulamentação complexo e denso e disse que o decreto é um estímulo à judicialização à pesquisa sobre o patrimônio genético da biodiversidade. Embora uma lei seja criada para proteger as pessoas, a cientista, que é também vice-presidente da SBPC, disse que essa legislação é um instrumento que gera insegurança ao pesquisador.

De acordo com o decreto, as multas podem variar de mil a R$ 100 mil, quando a infração for cometida por pessoa, e de R$ 10 mil a R$ 10 milhões, quando a infração for cometida por pessoa jurídica "ou com seu concurso."

"A impressão que dá é de que o Estado quer ganhar dinheiro com a punição de seus cidadãos, dos cientistas e de quem vai acessar o conhecimento da biodiversidade, em vez de investir para que o País tenha mais conhecimento, inovação e novos produtos, e com isso se tenha riqueza, principalmente emprego", criticou.

Na avaliação de Bolzani, os pesquisadores só conseguirão utilizar a Lei mediante a consultoria de advogados. "A lei precisa ser simples e autoexplicativa para que seja possível aproveitar o potencial da nossa biodiversidade", declarou. "Não precisamos de tanto engessamento legal, precisamos de agilidade e de inteligência para que o País avance", alertou.

Segundo Bolzani, o decreto vai acabar com o conhecimento sobre a química verde natural no País. "O Brasil se projetou mundialmente como um país que tem um corpo de cientistas da química de produtos naturais de altíssimo nível. Mas o decreto desestimula a pesquisa dos jovens cientistas sobre a biodiversidade, um instrumento valioso de pesquisa, tanto para a química como para a biologia", disse e acrescentou. "Damos 20 passos para frente e 15 para trás, 30 para frente e 25 para trás", criticou.

Perda de competitividade

Para ela, o País perde o "bonde" da histórica por deixar de criar um ambiente que possa estimular as pesquisas. Ela lembrou que a maioria das patentes na Amazônia é de produtos eletroeletrônicos e que seriam necessários muitos estudos nacionais para explorar o patrimônio genético da biodiversidade brasileira, que se mantém como a mola propulsora da indústria farmacêutica, principalmente. "A pesquisa é essencial para que possamos entender nossos ecossistemas e como funciona a biodiversidade e os organismos."

Bolzani alertou que a riqueza da Amazônia não é exclusiva do Brasil e disse que existem muitas patentes mundiais com plantas da região. Citou o exemplo da França que possui um instituto de pesquisa na Guiana Francesa, onde paga 40% a mais aos pesquisadores que trabalham lá. "Vivemos em um mundo globalizado e estamos perdendo competitividade, cada vez mais, porque aqui não se estimula o setor industrial", declarou.

Especialista da Fiocruz critica sistema

A coordenadora de gestão tecnológica da vice-presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Maria Celeste Emerick, que se autodenomina cientista social e missionária em defesa do desenvolvimento do País, disse que transformar conhecimento em produto no Brasil é de extrema dificuldade. Segundo ela, o sistema de inovação é imaturo e engessado.

Para ela, seria necessário "muito azeite" para destravá-lo. Nesse caso, citou um conjunto de leis – a de Propriedade Intelectual, de Biossegurança, Bioética, Inovação e a da Biodiversidade.

Emerick discorreu sobre os problemas que travam as pesquisas sobre o patrimônio genético há décadas e disse que a atual lei impede até mesmo os avanços sobre o vírus zika, porque inviabiliza o envio de dados ao exterior. "É um descaminho, se considerarmos o tempo em que se vem discutindo o assunto", declarou ao mencionar a Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001 que travou as pesquisas por 15 anos.

A coordenadora do Laboratório de Farmacognosia da Universidade de Brasília (UnB), Laila Salmen Espíndola, conselheira da SBPC, do lado da plateia, concordou com a complexidade do decreto e ampliou o quórum contrário à legislação. "Normalmente, um decreto deve ajudar a esclarecer alguns pontos da lei, orientar. O objetivo de todo trabalho que fazemos sobre a biodiversidade, além do conhecimento científico, é transformar pesquisa em produto, para beneficiar o País. Mas o decreto vai parar o País", analisou.

Já a secretária-geral da SBPC, Claudia Masini d'Avila-Levy, pesquisadora da Fiocruz, mediou a palestra e destacou ser necessário destravar a legislação, considerando que o desenvolvimento econômico passa pelo desenvolvimento científico. "A SBPC discorda do decreto e as contribuições mais importantes não foram contempladas", destacou.

Posicionamento do Ministério do Meio Ambiente

Em outra frente, a representante do Ministério do Meio Ambiente, a bióloga Letícia Brino, defendeu os avanços da lei, e pediu para que os pesquisadores se inteirem sobre a lei "antes de querer jogar o decreto fora". "Talvez ele seja muito extenso. Mas é preciso se inteirar sobre ele. A comunidade científica se retirar neste momento será um erro muito grande", disse.


Fonte: Viviane Monteiro – Jornal da Ciência








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