15/12/2016
Manifestação do Conselho da SBF
O Conselho da Sociedade Brasileira de FÃsica – SBF, reunido em 25 de novembro de 2016, considera seu dever como órgão máximo da SBF manifestar-se publicamente em relação à grave situação do paÃs, em particular nas áreas de ciência e tecnologia e de educação. A SBF é atualmente a maior sociedade cientÃfica do Brasil, com cerca de 13.000 associados entre pesquisadores, professores e estudantes de fÃsica. Ela comemora, neste ano, seu cinquentenário de criação e, ao longo de sua história, sempre agiu e se manifestou firme e construtivamente em prol do avanço da fÃsica e do desenvolvimento cientÃfico, tecnológico e educacional do paÃs. Externamos, com esta manifestação, nossa profunda preocupação com o atual quadro polÃtico, econômico e social, e tecemos as seguintes considerações sobre pontos que julgamos crÃticos para o paÃs:
1) Os recursos para a ciência e tecnologia atingiram um patamar crÃtico em 2016 (R$ 4,6 bilhões), o valor mais baixo dos últimos 10 anos, 52% menor do que aqueles investidos em 2010 (R$ 9,6 bilhões). A principal fonte de financiamento à s atividades de CT&I, o orçamento do MCTIC, será ainda menor no próximo ano, como previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual - PLOA 2017. Esta redução drástica de recursos ocorre no final de um perÃodo em que a C&T cresceu significativamente no paÃs, segundo diversos indicadores, como o número de pesquisadores, de artigos cientÃficos publicados e patentes. Mesmo com o corte de bolsas de iniciação cientÃfica e de pós-graduação no paÃs e a suspensão da concessão de bolsas de pós-graduação no exterior, quase todo orçamento do CNPq está comprometido com o pagamento de bolsas, restando muito pouco para outros investimentos. A citada redução gera dificuldades sérias e crescentes para o CNPq, para a Finep e para os institutos do MCTIC no atendimento do objetivo principal dessas instituições que é promover o desenvolvimento da ciência e tecnologia no paÃs. Recursos adicionais recentes, que possibilitaram o pagamento de diversos compromissos em atraso, nem de longe resolveram a situação crÃtica do CNPq. Apenas 101 propostas de Institutos Nacionais de C&T (INCTs) serão financiadas, mas todas as 253 propostas aprovadas no mérito deveriam sê-lo, sob o risco de prejudicar significativamente a CT&I no Brasil o que, em consequência, terá um impacto muito negativo para a ciência brasileira e para sua maior e necessária internacionalização. O Programa INCT, pela grande relevância para o paÃs, deveria ser considerado uma polÃtica de Estado prioritária, ainda mais que é realizado em parceria com as FAPs estaduais.
Por outro lado, o orçamento da Capes, uma agência fundamental para a pós-graduação e a pesquisa no paÃs, atingirá em 2017 o seu nÃvel mais baixo, desde 2013. O orçamento, que alcançou R$ 7,3 bilhões em 2015, terá no próximo ano cerca de R$ 4,8 bilhões. Vários programas importantes do MEC para as escolas e para a formação de professores tiveram também seus recursos muito diminuÃdos, como os editais para feiras de ciência e olimpÃadas de ciências (a SBF coordena as olimpÃadas brasileiras de fÃsica),que, em 2016, atingiram os valores mais baixos dos últimos anos. Neste contexto deve-se também citar o corte de bolsas de mestrado e doutorado já realizado pela CAPES ao longo deste ano.
2) Apesar dos protestos da comunidade cientÃfica brasileira, por meio de suas entidades representativas como a SBF, a SBPC, a ABC e outras, em relação à extinção/fusão do MCTI, o processo se concretizou com a criação do MCTIC. A sua recente estruturação, realizada sem que fosse cumprida a promessa do Ministro Kassab de consultar a comunidade cientÃfica, feita em reunião com entidades cientÃficas em São Paulo, significou um grave retrocesso para a área de CT&I. Ela consolidou a criticada fusão com o Ministério das Comunicações, tendo promovido o rebaixamento das mais importantes agências financiadoras da pesquisa e da inovação, o CNPq e a FINEP, e fez o mesmo com a AEB e CNEN, ao quarto nÃvel hierárquico do ministério. Ocorreu, ainda, a extinção da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social – SECIS e o rebaixamento do Departamento de Popularização e Difusão da C&T à categoria de coordenação. A atitude do governo federal de conduzir tal modificação à revelia da comunidade cientÃfica brasileira, aliada aos acentuados cortes de recursos, evidenciam o descaso deste governo em relação ao desenvolvimento cientÃfico e tecnológico do paÃs, e atestam, de fato, que a área não é uma prioridade nas atuais polÃticas governamentais.
3) Na área educacional, a reforma do Ensino Médio proposta pelo governo por intermédio da Medida Provisória 746/2016, encaminhada ao Congresso Nacional, constitui um procedimento totalmente inadequado para promover o debate e a mobilização nacional, que são necessários para enfrentar um desafio tão complexo e que envolve milhões de estudantes, professores, profissionais da educação, pais e outros atores. Como já manifestado anteriormente em nota da SBF, a reforma proposta pelo governo, feita de forma açodada, significará um retrocesso e não atenderá à s necessidades prementes de melhoria na qualidade de ensino e de redução da evasão escolar. Julgamos que a MP 746 deve ser revogada e que se proceda a discussões sobre a reformulação do Ensino Médio na forma de um Projeto de Lei que garanta a participação efetiva de todas as instituições, entidades e profissionais envolvidos. A SBF, assim como outras sociedades cientÃficas vinha, desde 2015, participando das discussões sobre a educação básica, como a formulação de uma Base Nacional Comum Curricular; no entanto, as entidades cientÃficas e educacionais foram colocadas à margem deste debate de polÃticas educacionais. Uma questão que traz grande preocupação à SBF, e que deve ser considerada com a devida responsabilidade, é a situação crÃtica do financiamento à s universidades públicas.
4) A aprovação da PEC 55 (antiga PEC 241), em trâmite no Senado Federal, terá um efeito desastroso para o desenvolvimento cientÃfico e tecnológico e para a educação no Brasil. Se aprovada ela limitará à taxa da inflação, pelos próximos 20 (vinte) anos, o crescimento dos gastos públicos. No caso da ciência e tecnologia, o orçamento do MCTIC ficará congelado no valor mais baixo dos últimos 15 anos, e que já é hoje claramente insuficiente. Tal emenda, que altera profundamente disposições constitucionais, está sendo levada à frente sem ter sido debatida com a sociedade ou submetida ao crivo democrático da população brasileira. Ao congelar por duas décadas os investimentos públicos para ciência e tecnologia, educação, saúde e outras áreas sociais, a PEC 55 coloca em sério risco o futuro da educação e da pesquisa nas universidades e instituições públicas de pesquisa, bem como afeta direitos sociais de grande parte da população brasileira.
O programa econômico e polÃtico, denominado "Uma Ponte para o Futuro", que o governo atual busca implementar no paÃs, e que não resultou de um processo de debate democrático com a sociedade brasileira, não menciona nem uma vez, em toda a sua extensão, a palavra "ciência". É sabido que as medidas econômicas propostas, onde foram implantadas, levaram à contenção de investimentos e ao aumento da vulnerabilidade social. PaÃses mais desenvolvidos ou com desenvolvimento acelerado estão fazendo exatamente o oposto do que faz o governo federal: investem mais em ciência e tecnologia para fortalecer suas economias, gerar inovações e superar os momentos de crise e de recessão econômica.
5) A SBF considera essencial a garantia dos princÃpios humanos fundamentais sobre os quais se edifica uma sociedade democrática. Neste sentido, expressa sua preocupação com as recentes notÃcias de violência em manifestações públicas pelo paÃs, particularmente em relação a professores e a estudantes secundaristas e universitários. A violência e uso desnecessário de força, que cerceiam a liberdade de expressão e a manifestação cidadã, não são compatÃveis com a democracia. Destacamos a importância de ser respeitado o estado de direito, e particularmente a Constituição Federal, bem como a diversidade e os deveres e direitos de cidadania dos brasileiros, e de fortalecer a democracia no paÃs.
Ao apresentar publicamente sua posição em relação a estes cinco pontos, o Conselho da SBF o faz com a certeza de que Sociedade Brasileira de FÃsica é uma entidade cientÃfica com responsabilidade diante de seus associados e da sociedade brasileira e comprometida com a construção de um futuro melhor para o Brasil. Reiteramos a importância e competência da SBF e de seus associados, em sua área de atuação, e nos manifestamos dispostos a participar dos debates sobre a situação atual do paÃs, buscando contribuir com soluções e alternativas para o aprimoramento das polÃticas públicas nas áreas de ciência e tecnologia e de educação.
Fonte: Sociedade Brasileira de FÃsica
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