18/01/2018
Bioeconomia: uma tendência global?
Para proteger o meio ambiente, países como Finlândia e Canadá apostam em modelo econômico baseado na sustentabilidade. Mas potencial da bioeconomia está longe de ser aproveitado em boa parte do mundo, inclusive no Brasil
Com refinarias e uma alta chaminé como pano de fundo, grandes amontoados de lenha recepcionam os visitantes da fábrica de bioprodutos Äänekoski Metsä. Localizada na região central da Finlândia, ela é a maior fábrica do tipo no Hemisfério Norte.
Na verdade, ela é mais que uma fábrica, ela reúne todo um ecossistema de empresas que ganham dinheiro a partir de árvores como pinheiro, bétula e píceas, todas típicas de países com clima temperado. As toras de madeira são trazidas diariamente por caminhões e vêm de florestas do País gerenciadas de forma sustentável.
Reaberta em agosto de 2017, a fábrica de polpa de celulose do grupo Metsä já existe há 35 anos. Trata-se de uma parceria público-privada e é, de longe, o maior investimento já feito pela indústria florestal finlandesa. Ela é também um ótimo exemplo da tendência crescente de se apostar na bioeconomia, defendida tanto por legisladores quanto pela indústria como opção para reduzir a dependência do País de combustíveis fósseis.
Transformando lixo em lucro
Atualmente, a produção da fábrica não se restringe apenas à polpa de celulose, mas a uma ampla gama de produtos feitos a partir de materiais que antes eram categorizados como lixo.
A capacidade de processamento anual da fábrica é de 6,5 milhões de metros cúbicos de madeira, que são então transformados em 1,3 milhão de toneladas de polpa de celulose. A venda dessa polpa para Europa e Ásia representa aproximadamente 90% do faturamento.
Além disso, companhias parceiras da Metsä refinam subprodutos da produção de celulose, como tall oil e terebentina, e ainda produzem biocombustíveis sólidos a partir da casca dos troncos das árvores e da serragem.
"Nós introduzimos novos produtos, como o ácido sulfúrico, o biogás e um novo tipo de pellet de biocombustível e biocompósitos", explica o vice-presidente da Metsä, Niklas von Weymarn.
À parte dos produtos já citados, a fábrica gera mais um produto final: eletricidade. A expectativa é que, assim que atingir sua capacidade máxima de produção – o que deve ocorrer ainda este ano – ela esteja gerando 1,8 terawatt de energia livre de combustíveis fósseis anualmente. Esse valor é equivalente a 2,5% da produção de energia de toda a Finlândia e seria suficiente para aquecer cerca de 100 mil casas.
O que é bioeconomia?
Não há uma definição única do que é bioeconomia, pois ela abarca uma grande variedade de setores que estão adotando usos altamente tecnológicos de processos biológicos e de materiais orgânicos.
"A bioeconomia é uma mudança de paradigma. Basicamente, é uma economia baseada na vida", afirma Marc Palahi, diretor do Instituto Florestal Europeu.
Palahi destaca que o petróleo não é apenas usado para energia, mas também para a produção de uma variedade de produtos e materiais, desde plásticos até tecidos. Entre os exemplos de produtos da bioeconomia em que petroquímicos são substituídos por matéria orgânica estão desde tecidos produzidos a partir do leite até plásticos feitos a partir de algas ou de casca de camarão.
O termo bioeconomia também é utilizado para se referir a usos já mais tradicionais de matérias-primas naturais, como a madeira, que pode ser utilizada em construções no lugar do aço-carbono e do concreto.
"[Na bioeconomia], se utiliza biomassa ou recursos renováveis vindos da natureza para produtos e serviços, em vez de utilizar materiais não renováveis, como petróleo e carvão", afirmou Lauri Hetemäki, diretor-assistente do Instituto Florestal Europeu, em seu discurso na Cúpula de Investimento em Bioeconomia, realizada em 2017 na cidade de Helsinque.
Quando se fala em bieconomia é muito frequente que se fale também de economia circular, visto que com a bioeconomia é possível reciclar subprodutos da agricultura e da manufatura, utilizando resíduos como matéria-prima.
A fábrica finlandesa do grupo Metsä, por exemplo, é pioneira no uso do lodo gerado na produção da polpa de celulose para fazer pellets, um tipo de biocombustível. Esses pellets produzidos podem ser convertidos em até 20 gigawatts de biogás por ano. Isso seria suficiente para abastecer cerca de 1,8 mil carros.
Além disso, a Metsä também abastece empresas em outras localidades, como uma refinaria de tall oil dos EUA que produz substâncias químicas para tintas, marcação de estradas e produtos farmacêuticos e que, sem isso, utilizariam matérias-primas obtidas de combustíveis fósseis.
Ganhando força no mundo
A União Europeia abraçou a bioeconomia com entusiasmo, tendo lançado sua primeira estratégia bioeconômica em 2012. Atualmente, no entanto, a bioeconomia já está se tornando um tema quente por todo o globo.
"Hoje nós temos mais de 50 países e regiões no mundo que possuem estratégias bioeconômicas nacionais e regionais", afirmou à DW o ex-diretor da Comissão Europeia e conselheiro do Governo Alemão para Bioeconomia, Christian Patermann. "É um grande sucesso, que não esperávamos."
Além da Finlândia, que estabeleceu a Estratégia Finlandesa de Bioeconomia tendo em vista uma economia sustentável, outro exemplo disso é o Canadá. Todas as províncias canadenses assinaram recentemente o Quadro Pan-Canadense sobre Crescimento Limpo e Mudança Climática, abrindo caminho para um potencial boom bioeconômico.
"O mundo inteiro está colocando em prática uma economia de baixo carbono e, definitivamente, bioprodutos são uma forma de atingir tal objetivo", afirma Judith Bossé, diretora geral de Recursos Naturais do Canadá. "Por isso, há muito interesse [na bioeconomia] neste momento."
Defensores afirmam que outros países, como Brasil, China e Índia ainda estão distantes de compreender todo o potencial da bioeconomia.
Um grupo industrial indiano de biotecnologia estimou o valor da bioeconomia do país em mais de 30 bilhões de euros (116 bilhões de reais) em 2015. Porém, mais da metade dessa quantia se referia ao setor biofarmacêutico, que produz drogas com materiais naturais e que, portanto, não envolve essencialmente nem redução do uso de combustíveis fósseis nem reciclagem ou economia circular.
"A Índia tem que focar mais em pesquisa e investir em [energias] renováveis", afirmou Hemanathan Kumar, pesquisador indiano na Universidade Jyväskylä na Finlândia com pós-doutorado em bioeconomia.
Kumar vê com bons olhos um novo projeto em bioeconomia planejado pela Corporação Indiana de Petróleo e pela empresa de reciclagem de carbono LanzaTech. Juntas elas pretendem construir a primeira usina de conversão de gás em bioetanol do mundo. O plano é utilizar enzimas para converter as emissões de resíduos de gás das refinarias tanto em eletricidade quanto em combustíveis. E, com isso, reduzir a emissão de carbono.
O futuro da bioeconomia
De acordo com Weyman, a fábrica Metsä é "carbono-negativa", isso porque ela utiliza madeira de florestas sustentáveis em seu processo produtivo. A cada árvore derrubada para ser usada na fábrica, outras três são plantadas.
Ainda assim, a fábrica finlandesa é independente de combustíveis fósseis apenas em suas premissas, já que, para chegar até lá, a matéria-prima da fábrica, a madeira, é transportada em caminhões movidos a diesel. Essa é uma realidade que o grupo Metsä pretende mudar.
"Para melhorar essa situação, nós discutimos com as montadoras de caminhões sobre [desenvolver] veículos movidos a biogás e, então, começaremos a produzir biogás na fábrica", disse Weyman. "Dessa forma, no futuro, uma parte significativa do transporte também poderia ser baseada em biocombustíveis."
Porém, segundo Hetemäki do Instituto Florestal Europeu, para de fato se distinguir como uma pioneira da bioeconomia, pelo menos 50% do faturamento da fábrica deve corresponder a bioprodutos gerados a partir de resíduos em vez de vir da polpa de celulose em si. Atualmente, contudo, esse valor está na marca dos 10%.
"Você deveria repetir essas perguntas daqui a dez anos, para verificar se essa pretensão de gerar bioprodutos inovadores em redes a partir de resíduos, se concretizou", conclui ele.
Deutsche Welle Brasil
Fonte: Jornal da Ciência
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