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09/08/2018



Reflexões depois do alerta da CAPES


Com orçamento para 2019 em risco, MEC garante 200 mil bolsas, mas e as outras atividades da CAPES?

Na semana passada, o mundo acadêmico foi sacudido por um alerta da CAPES ao ministério da Educação e Cultura (MEC), de que aproximadamente 200 mil bolsas de pesquisa estariam em risco a partir de 2019, em caso de um eventual corte no orçamento. O caso repercutiu dentro e fora do Brasil, e dois dias depois o MEC emitiu um comunicado afirmando que "não haverá suspensão do pagamento das bolsas da CAPES".

No sentido horário: Jaílson Bittencourt de Andrade (UFBA), Norberto Peporine Lopes (FCFRP-USP), Fernando Galembeck (Unicamp) e Rochel Montero Lago (UFMG)

Para o presidente da SBQ, professor Norberto Peporine Lopes (FCFRP-USP), o momento é extremamente preocupante e exige atenção permanente das sociedades científicas, universidades e pesquisadores. "A nota do MEC afirma que as bolsas não serão cortadas, mas não sabemos se outras atividades da CAPES, igualmente importantes para a pesquisa brasileira, serão impactadas", afirma. "Temos que ficar em estado de vigília."

Outro ex-presidente da SBQ (1981-84), Fernando Galembeck (Unicamp) concorda: "O comunicado do MEC, reiterado em declarações do Presidente da República, tende a tranquilizar os bolsistas. Por outro lado, cria uma outra questão: se o corte não for aplicado às bolsas, será aplicado em outro lugar. Onde?"

Peporine explica que sua gestão à frente da SBQ (2018-2020) será marcada por atenção especial ao orçamento da Sociedade. "Internamente, temos que trabalhar sempre pensando cada vez mais nos nossos custos, pois não existem garantias de apoios principalmente para eventos. Da porta para fora, continuaremos trabalhando em conjunto com a SBPC, ABC e outras organizações científicas para conscientizar as autoridades sobre a importância do financiamento à pesquisa científica", declara.

Para o professor Jaílson Bittencourt de Andrade (UFBA), ex-presidente da SBQ (1996-98), o comunicado do MEC não garante as bolsas. "Parte do orçamento do MEC é discricionário, ou seja, ele pode sofrer cortes. Acredito que o MEC esteja negociando com o ministério do Planejamento, mas garantia das bolsas mesmo, só quando o dinheiro sair", observa. "Temos que lembrar que o orçamento se decide no Congresso, que pode ratificar ou eliminar cortes, como o congresso dos EUA fez com Trump em relação à ciência e tecnologia", lembra Jaílson.

O professor Rochel Montero Lago (UFMG) acredita que o comunicado da CAPES teve o impacto necessário, mas que o futuro é delicado. "É possível, mas não provável, que essas bolsas acabem sendo cortadas em algum momento. Tudo isso é sinal de que o financiamento da pós-graduação e da pesquisa vai ficar cada vez mais difícil. Penso que temos que buscar novas formas de financiamento."

Uma pergunta para Fernando Galembeck (Unicamp), terceiro presidente da SBQ:

Qual deve ser a estratégia dos que defendem a pesquisa científica para o curto, médio e longo prazos?
A resposta curta que eu adoto é a seguinte frase, de Goldemberg e Simonsen (com pequenas adaptações minhas): No cenário atual, com enormes restrições fiscais e uma intensa disputa por recursos entre as principais políticas públicas, será necessária uma clara indicação dos objetivos estratégicos dos investimentos em CT&I, o estabelecimento de metas a serem alcançadas, a avaliação dos resultados obtidos e a mensuração dos impactos destes investimentos para a sociedade brasileira.

Sem a indicação de prioridades e a estimativa dos impactos (sociais, científicos, culturais, econômicos e estratégicos) esperados destes investimentos, dificilmente se encontrará a legitimidade necessária para um redesenho do modelo de financiamento de CT&I ou para qualquer outra iniciativa de reforma das políticas e estrutura de governança do nosso sistema de ciência, tecnologia e inovação. Por outro lado, é inútil defender simples "recomposição de orçamentos", em um sistema que peca pela falta de avaliações.

Explico:

Não tenho a mesma visão catastrófica de vários colegas. Todos temos observado grandes oscilações no apoio à pesquisa, em muitos países. Um bom exemplo é o período Thatcher, no Reino Unido, que na época parecia apocalíptico. Poucos anos depois, o cenário britânico da ciência e das universidades mostrava grande vitalidade.

Entretanto, as coisas podem se tornar realmente muito graves: a revolução cultural de Mao-Tse-Tung destruiu a ciência chinesa, Lysenko destruiu a biologia soviética (estou repetindo afirmações que ouvi de membros das respectivas Academias de Ciências). No caso da China houve uma reconstrução vigorosa, que hoje coloca esse país na disputa da liderança científica global.

No nosso caso, que é o que interessa, temos uma realidade: uma grave crise econômica, com raízes remotas e profundas. Fomos crescendo no embalo das circunstâncias. Por exemplo, há poucos anos, estávamos discutindo acirradamente a divisão dos royalties do petróleo, lembram? No momento em que deveríamos estar nos preparando para a drástica queda dos preços, que veio logo em seguida, vários brasileiros estavam cometendo crimes variados em torno do petróleo.

Portanto, um primeiro elemento do que eu entendo como estratégia nacional é sanear e continuar saneando, sempre ficando atentos aos erros que possam prejudicar o processo. Inflação e corrupção transformam qualquer propósito elevado em cinzas.

O segundo elemento é definir o que queremos fazer, aonde queremos chegar. "Pesquisa" não é um valor em si, há muita coisa que se chama de "pesquisa" e que não serve a nada: nem à ciência, nem à cultura, nem à tecnologia, nem a estratégias nacionais ou regionais. Essa, não precisa ser fomentada – mas o tem sido.

Definir objetivos e metas da atividade científica, em nível nacional, tem uma dificuldade: quais são os grandes objetivos nacionais, quais são as grandes políticas públicas? Sem termos clareza e um mínimo de consenso a esse respeito, torna-se difícil definir uma estratégia para a ciência, tecnologia e inovação. O problema é que não temos tido essa clareza, há décadas.

Portanto, precisamos definir o que queremos, como objetivos do desenvolvimento do país e portanto como objetivos das atividades fomentadas com dinheiro público – inclusive boa parte da ciência e tecnologia feitas no Brasil.

Lembro que não tem sido produtivo nos colocarmos apenas como mais um grupo de pressão – se assim fosse, a educação brasileira não seria o desastre atual. Precisamos unir os esforços da ciência aos grandes objetivos nacionais. Isso é mais fácil de falar do que de fazer, mas temos um começo, que é a recente (mas ainda incompleta) Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia, na qual nosso colega Jaílson Andrade trabalhou arduamente, nos últimos anos.


Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)








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