07/05/2020
Químicos da UNESP em modo de guerra contra o coronavírus
Laboratórios distintos tiveram a mesma ideia e convergiram em um esforço único para produzir sanitizantes e EPIs para a rede de saúde local
No Instituto de Química da UNESP, em Araraquara, os dias têm sido intensos. Desde os primeiros dias da pandemia no Brasil, um movimento espontâneo brotou em diversos laboratórios, que começaram a se organizar para produzir álcool 70%, álcool glicerinado e álcool em gel. "Rapidamente esses vários grupos convergiram para um esforço único, e hoje temos cerca de 30 pessoas trabalhando nessa produção", conta a professora Dulce Helena Siqueira Silva, vice-diretora do IQ, que coordena esse trabalho, com total apoio do diretor do IQ, professor Eduardo Maffud Cilli.
Empresas da região têm colaborado com doações feitas via o programa de parcerias da UNESP – as usinas de açúcar e álcool, por exemplo, já doaram mais de 2 mil litros de etanol, matéria-prima dos sanitizantes produzidos dentro da UNESP – outras doaram espessantes alternativos ao carbopol, que dá a consistência do álcool em gel.
"Precisamos produzir, embalar e distribuir com o mínimo contato entre as pessoas envolvidas", explica a professora. "Então temos que ter um revezamento eficiente entre os envolvidos, que são docentes, pesquisadores, alunos e funcionários."
|
Álcool envazado, suportes e máscaras. Os profissionais da UNESP estão trabalhando sem parar para ajudar a manter os hospitais locais bem equipados
|
Esta semana, o grupo chegou à marca de 2 mil litros doados para a secretaria municipal de Saúde de Araraquara, que distribui os sanitizantes entre os hospitais, UPAs e entidades assistenciais locais e de cidades próximas. "Também fizemos doações em menor volume para entidades com as quais já temos contato, como a associação municipal de catadores de lixo reciclável", complementa Dulce.
Outra iniciativa surgida no IQ-UNESP é pela produção de máscaras e suporte para protetores faciais, coordenada pelo professor Paulo Clairmont. Uma impressora 3D está rodando praticamente ininterruptamente para produzir os materiais em polímero ABS (Acrilonitrila Butadieno Estireno), que pode ser autoclavado e ter contato com álcool 70 % sem se degradar. Cerca de 60 unidades já foram entregues à secretaria municipal de Saúde.
Segundo Dulce, o esforço seguirá ininterrupto enquanto houver necessidade, gente e material.
Leia depoimento da pesquisadora Paula Bueno (IQ-UNESP), atualmente pesquisadora visitante no Instituto Max Planck, coordenadora do SBQ Jovens Pesquisadores, que está envolvida neste esforço desde o início:
"Desde quando os primeiros alertas sobre a chegada da COVID-19 no Brasil foram feitos, nós sabíamos que enfrentaríamos um período muito difícil, uma vez que já sabíamos como a propagação do vírus estava evoluindo na Ásia e Europa. Aqui na Alemanha já havíamos entrado em isolamento alguns dias antes e tudo estava mudando muito rápido. O sentimento que pairava era de uma completa insegurança, além do temor de qual seria o impacto disto no Brasil.
Neste ínterim, uma amiga e colega do IQ, a Isabel Coutinho, que é pós-doc no Instituto, sabendo da situação vulnerável de asilos e casas de repouso, iniciou uma discussão no nosso grupo sobre como poderíamos contribuir, sendo químicos e farmacêuticos. Isso era ainda meados de março e começamos então a buscar informações legais junto à ANVISA, no Formulário Nacional da Farmacopéia Brasileira e outras fontes oficiais sobre como poderíamos produzir e distribuir o produto, visto que estávamos lidando diretamente com um insumo imprescindível para a saúde pública.
Precisávamos também de doações de todos os insumos, como por exemplo o etanol, glicerina, o polímero para a elaboração do gel, embalagens e equipamentos. Assim começamos a fazer contatos e pedir doações.
No decorrer deste processo soubemos que outros professores do Instituto de Química e a própria diretoria estavam trilhando o mesmo caminho. Foi quando então a Dulce conseguiu convergir todas as iniciativas e esforços para que pudéssemos contribuir de forma segura e contínua neste contexto. Ou seja, iniciativas descentralizadas tomaram outra dimensão com o engajamento de diversas equipes, o que trouxe um aspecto multidisciplinar e muito dinâmico. Isso envolve desde a logística de recebimento de doações de insumos, o planejamento da produção, formulação, controle de qualidade, organização e escala das equipes de trabalho, até o controle de saída das doações.
É também muito gratificante e emocionante acompanhar o envolvimento das empresas e usinas que fazem as doações, dos amigos e colegas que se dispõem a contribuir, dos estudantes e pesquisadores que se voluntariam diariamente fazendo todo o trabalho de bancada, dos professores e diretores que não medem tempo e esforços para que este projeto seja realidade, todo o dia.
Talvez este engajamento e esforço, mesmo em situações muito adversas, seja um dos diferenciais do Brasil quando comparado a outros países. Vivemos situações de grande vulnerabilidade em todos os setores, o que é muito preocupante. A própria universidade pública e a pesquisa são, muitas vezes, alvos de constantes de cortes orçamentários e ações de desacreditação, o que jamais poderia acontecer. A Universidade, em toda sua extensão, executa incontáveis ações em prol da sociedade, desde a condução dos projetos de pesquisa de interesse básico e aplicado, passando pelas ações de extensão, até a formação de recursos humanos, tão necessários para o desenvolvimento do país e em momentos como o que nós vivemos hoje."
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
|