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03/02/2022



In Memorian do Sonhador Ademir Neves


 

Escrever sobre Ademir Neves é fácil e difícil...quase igual a dualidade onda-partícula. Em todo caso a materialização desta equação ocorreu há pouco mais de 70 anos, em Indaial, Santa Catarina.

Pessoa que conseguiu mesclar arte e ciência, desenvolver o lado direito (artístico) do cérebro tão bem como o esquerdo (analítico). Iniciou com a música para depois fazer química. Tocava violão e fazia reação, seja em um balão ou em um guardanapo, com a mesma destreza. Essas são apenas duas das faces do nosso querido Professor, Pesquisador, Orientador e Amigo Ademir Neves.

Do lado artístico, tocava com sua banda para pagar a Faculdade de Química na Fundação Universitária Regional de Blumenau (FURB), onde completou a licenciatura em química em 1974. Buscando um nível de maior energia, completou o mestrado em química na UFSC em 1980, sob orientação do também saudoso Prof. Faruk Nome. Motivado e inquieto que era, partiu para tunelar e tocar suas ideias na Alemanha, onde obteve o título de Doutor em Química (Summa Cum Laude) em 1983, na Ruhr-Universität Bochum, sob orientação do Professor Karl Wieghardt, onde voltou para realizar um pós-doutorado em 1987-1988.

Embora já estivesse fazendo mais química do que música na década de 80, o seu grupo de pesquisa (Laboratório de Química Bioinorgânica e Cristalografia - LABINC) começou a despontar na década de 90. Com sua motivação, dedicação e exemplo, fez o grupo prosperar na síntese e caracterização de novos ligantes polidentados binucleantes simétricos a não simétricos, com os quais conseguiu controlar propriedades redox e espectrais de centros metálicos para mimetizar as propriedades físico-químicas de metaloenzimas, como as fosfatases ácidas púrpuras. Concomitantemente, batalhou incansavelmente na redação de projetos para equipar o novo prédio do Departamento de Química da UFSC, instalando uns dos primeiros difratômetros de raios X de monocristal de um Departamento de Química em uma Universidade brasileira.

Com o sucesso relacionado ao desenvolvimento de modelos sintéticos para metaloenzimas, obtido nos anos 90, na década seguinte partiu para explorar a reatividade de tais sistemas, buscando assim mimetizar a atividade catalítica. Desenvolveu sistemas com atividade mimética de oxidorredutases como as catecóis oxidases e catalases, bem como de diversas hidrolases, como anidrase carbônica e fosfatases. Pode-se dizer que as fosfatases eram o coração da sua pesquisa, o que lhe rendeu notoriedade científica internacional e passou a ser procurado para colaborar com diversos grupos de pesquisa interessados no tema, incluindo australianos, europeus e americanos. Ademir foi o primeiro bolsista 1A do CNPq da área de química inorgânica do nosso departamento. Tornou-se membro da Academia Brasileira de Ciências em 2008 e recebeu o título de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico (2010), bem como a medalha Ícaro de Sousa Moreira da divisão de Química Inorgânica da Sociedade Brasileira de Química.

Na década de 90, o DasNeves praticamente só dava uma palhinha da sua veia artística nos churrascos do Departamento de Química e do LABINC. Sua voz e seu violão eram o suficiente para alegrar estas ocasiões. Morena Tropicana e Trem das Onze eram seus hits, não podiam faltar!

Nos anos 2000 teve a ideia de interagir seus modelos sintéticos com moléculas mais complexas, incluindo o DNA e proteínas. Descobriu que os chamados miméticos sintéticos eram ativos também frente a estas macromoléculas naturais e que em alguns casos não apresentavam apenas uma, mas duas ou três atividades, levando-o a cunhar o termo "promiscuidade catalítica" em diversos dos seus artigos.

Já de 2010 em diante decidiu estudar sistemas com efeitos de segunda esfera de coordenação, o que rendeu aos novos alunos desafios maiores e, aos olhos dele, mais excitantes.

Sempre foi incentivador da divulgação científica. Fazia questão que seus alunos fossem às reuniões da SBQ e aos congressos da área, inclusive organizando diversos e importantes congressos, como o Brazilian Meeting on Inorganic Chemistry (BMIC) e o International Conference on Biological Inorganic Chemistry (ICBIC) em 2017. Esta foi uma de suas grandes marcas, pois foi a primeira vez que este importante evento ocorreu na américa latina. Como era um entusiasta, motivava a todos ao seu redor e ficava até altas horas em reuniões e rodas de conversas, que invariavelmente tratavam de seus dois assuntos preferidos: química e música. Difícil era acordar cedinho no outro dia.

Neves era incansável! Ansiando por melhorar a infraestrutura da central de análises do departamento de química, aprovou projetos para a instalação de outro difratômetro de raios X, para a instalação de um centro de espectrometria de massas e de um de um equipamento de ressonância paramagnética eletrônica (EPR).

Também se interessou em avaliar as moléculas desenvolvidas em sistemas ainda mais complexos, sendo células tumorais seu alvo preferido de estudo, o que, por obra do destino, também resultou no seu ocaso.

Neves trabalhou como voluntário no LABINC após sua aposentadoria em 2019 e até o último dia enviou mensagens de incentivo aos seus alunos e colegas. Negava-se a desistir. Em dezembro de 2021 recebeu o título de Professor Emérito da UFSC, como reconhecimento da sua importante trajetória nesta Universidade.

Ademir só não passava no laboratório se estivesse viajando. Com sol, com chuva, calor ou frio, sempre se fazia presente. Passava quase em revista na bancada de todos os alunos procurando por cristais. O que nos consolava era a frase: "se fosse fácil já teriam feito". Quantas vezes chegava no laboratório e dizia "não tem nem por onde, isso vai ter que sair nem que a vaca tussa" e nós nos motivávamos com a motivação dele, inspirados por ele. Notívago que era desde os tempos dos Açús, as vezes ligava de madrugada para seus alunos e colegas, empolgado com os novos resultados. Quantos sustos levamos!

Prof. Ademir Neves com seus (ex)alunos no XVII BMIC, em Araxá.

Ademir era um motivador sem igual, que nos convencia a, no verão, trocar as praias de Florianópolis pela bancada do laboratório. As metas eram altas, mas sabíamos que éramos bem orientados e a nossa dedicação e o seu apoio nos fazia crescer como pesquisadores e pessoas. O laboratório era nossa segunda casa. Era uma entrega total, dele e nossa, uma cumplicidade. Abdicação, resiliência, dedicação. Ele nos fazia ver que valia a pena, que aquilo tudo tinha um objetivo e, sem querer, muitos de nós perpetuamos estes aprendizados em nossas carreiras.

Hoje, a notícia de que ele não está mais aqui nos faz lembrar desse tempo, um saudosismo que leva a reflexão. Muitos de nós não seríamos o que somos hoje, não teríamos conseguido conhecer os nossos limites, nosso potencial, sem o período da sua orientação. Levamos conosco o sopro da ciência que transcende, que busca, que vislumbra e sonha. Que não vê as dificuldades, mas que foca no que pode ser conquistado.

Hoje, nós, ex-orientandos e docentes do Departamento de Química da UFSC, nos sentimos gratos pela convivência com o Prof. Ademir, pelo precioso tempo que ele nos dedicou. Fez muito por nós. Agora é tempo de nós fazermos por ele, honrar sua memória, mantendo os seus princípios, a sua motivação, resistindo a este desmonte da ciência brasileira, tendo a força que ele teve.

Neste dia 30/01/2022, o Prof. Ademir Neves deixou de ser partícula para se tornar onda. Que a sua vibração se transforme em inspiração. E como ele coloca em um dos seus grandes sucessos musicais... "e no mundo dos sonhos, talvez até a solução..." que pode ser apreciado em https://youtu.be/LX8haQne4lE.

Vamos sonhar que acontece!!!

Adolfo Horn Junior
Christiane Fernandes
Rosely Aparecida Peralta








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