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23/11/2023



"Aonde estão as bolsas pretas do CNPq?"


Nesta semana da Consciência Negra, o B.E. traz depoimentos de docentes negras e negros ativos na SBQ. São reflexões sobre o percurso, a visibilidade, as condições de trabalho, a inserção de pesquisadoras e pesquisadores pretos, e a sociedade brasileira em 2023... A conversa seria registrada em um SBQast, o que não foi possível por questões técnicas. Então as docentes e o docente prontamente se dispuseram a gravar e escrever seus depoimentos:

B.E.: Qual a mensagem que fica neste 20/11/2023 no Brasil?

Profa. Anna Canavarro Benite (UFG)

Profa. Anna Canavarro Benite (UFG):
"Quero dizer às pessoas que fazem ciência no Brasil, às agências de fomento, que nós, as mulheres negras, somos a maior parte da população. O Brasil é um país de maioria autodeclarada negra e mulher. E que sem a nossa presença, as nossas capacidades laborais, inteligências e criatividades, o modelo científico é pobre, porque ele não fornece respostas robustas, uma vez que não é pensado a partir da diversidade. Nessa semana da consciência negra importa lembrar que nós somos a maior parte da população. E uma ciência que se pretenda de qualidade, ou inovadora, precisa incluir a diversidade, precisa contar com as nossas presenças. Nós precisamos nos ver, nos ler, citar, estarmos inclusas dentro dos programas de ensino e produção de ciência, para que outras meninas negras se vejam neste lugar de produção e entendam que esse é um lugar possível de projeção de futuro para todas nós."

Profa. Jacira Castro (UFRB)

Profa. Jacira Castro (UFRB):
"Precisamos pensar a Consciência Negra para além da semana do 20 de novembro. De acordo com os dados mais recentes do IBGE, a população negra equivale a 56,1% da população brasileira, sendo esta a parcela mais pobre da população, a que possui as condições de trabalho mais precárias, os menores rendimentos, as mais altas taxas de desemprego, as que ocupam cargos inferiores e que tem maior dificuldade de completar a escolarização.

Neste sentido, a academia acaba por reproduzir os mesmos padrões hierárquicos estabelecidos socialmente, como as opressões e estigmas vivenciados pela população negra. Precisamos entender que em pleno século XXI, é inadmissível fechar os olhos para a ausência de pessoas negras ocupando espaços de poder na academia.

Uma prova disso são as bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq. Quantas são ocupadas por pesquisadores negros? E na Química brasileira, este quadro é diferente? Será que os pesquisadores negros sabem menos ou desenvolvem pesquisas de menor qualidade? Claro que não! Estes pesquisadores são excelentes profissionais, mas infelizmente foram atravessados ao longo de toda a sua trajetória acadêmica e profissional pelo racismo que baliza estruturalmente esta sociedade.

A verdade é que precisamos fugir do mito da democracia racial e isto vale também para a academia. Precisamos pensar em uma universidade mais equânime e diversa e que represente a diversidade da nossa sociedade, mas isso só pode ser alcançado através de estratégias que minimizem a histórica perpetuação das desigualdades, se assumirmos uma postura antirracista. Precisamos entender que o racismo afeta toda a população brasileira independentemente do pertencimento étnico-racial, mas isso ocorre de forma desigual, pois os negros são as maiores vítimas deste perverso sistema. E sem vitimismos! Precisamos viver os 365 dias do ano de uma "real" Consciência Negra!"

Prof. Mauro Coelho dos Santos (UFABC)

Prof. Mauro Coelho dos Santos (UFABC):
"Ficar vigilante a qualquer ato contra a integridade física, mental e emocional por motivos raciais, até mesmo em relação aos casos de condições semelhantes à escravidão. Racismo é crime. Não basta ser não racista, é necessário ser antirracista. Somos bonitos, inteligentes, capazes e só precisamos de oportunidades para sermos iguais a todos, sendo diferentes. A maior expressão da igualdade é respeitarmos e celebrarmos a diferença, mas todos com os mesmos direitos e condições."

Profa. Roberta Froes (UFOP)

Profa. Roberta Froes (UFOP):
"Que nós, profissionais negros, não sejamos lembrados apenas no mês de novembro. Temos conhecimento vasto em nossas áreas de atuação, nossas pesquisas e quantas vezes, nos outros meses do ano, nós fomos chamados para falar sobre isso?"


B.E. Como a negritude influenciou sua carreira?

Profa. Anna:
"Ser negra tem uma influência direta na minha carreira. As ciências, sobretudo as ciências que se intitulam exatas, elas se orgulharam de se separar das humanidades e das relações sociais de uma maneira geral.

E quando você é negro, você não tem como se desvincular de sua trajetória, da sua identidade racial, e vivendo num país como o nosso, marcado por processos de colonização e pela exploração da população negra, nós temos que reafirmar o todo que produzimos conhecimento, que produzimos da mesma forma que os cientistas não-negros, que o que fazemos é ciência, que nós somos cientistas apesar de não termos a cara de um cientista ou de uma cientista, uma vez que os currículos são todos fatos isolados de descobertas de homens brancos europeus em seus laboratórios.

Então essa é a maior influência: ter que toda a hora tentar convencer as pessoas de que nós existimos e fazemos ciência."

Profa. Jacira:
"A minha negritude, que me constitui enquanto mulher preta, perpassa ao longo de toda a minha trajetória acadêmica, inicialmente como aluna de graduação em Química Aplicada na UNEB, posteriormente no Mestrado e Doutorado em Química na UFBA, e durante toda a minha trajetória profissional, enquanto professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Ela manifesta-se através de minhas vivências, das lutas e da consciência do que é "ser negra" na academia. Do entendimento de todos os processos de opressão que sofri ao longo de toda a minha trajetória. É claro que estes fatores não são isolados, mas interrelacionam-se, e na maioria das vezes, são atravessados pelo racismo. Logo, a negritude é consequência e resultado do racismo, como bem disse o grande professor Kabengele Munanga.

Não dá para falar de negritude, sem também discorrer sobre o racismo. No que tange às minhas vivências, durante toda trajetória acadêmica, vivenciei o racismo de perto, ora de forma sutil, ora de forma cruel e violenta. Não foi uma trajetória fácil, sobretudo por questões financeiras e por falta de referências negras como inspiração. Assim como a grande maioria das Pesquisadores Negras de minha geração, eu fui a primeira pessoa da família a ingressar no ensino superior. E até hoje, sou a única que concluiu o doutorado, o que não é uma conquista individual, mas é fruto do sonho e da luta de muitas pessoas que vieram antes de mim, e das que caminharam ao meu lado durante todo o percurso.

O sistema social perverso vigente no país não nos permite vencermos sozinhas, principalmente sendo uma mulher preta e oriunda da periferia de uma grande cidade. Ser mulher preta e pobre neste país, e ousar sonhar alto, é desafiar toda uma estrutura racista e sexista que diz a todo momento que você está no lugar errado, que você não pode. No âmbito profissional não foi muito diferente, pois apesar de trabalhar na universidade mais negra do Brasil, a UFRB, que possui a maior quantidade de alunos autodeclarados negros (cerca de 83,4%), esta proporcionalidade não é observada no corpo docente, o que é reflexo das dificuldades históricas enfrentadas pelos negros para o ingresso e permanência no ensino superior. Confesso que, em muitos momentos, não me ver representada entre os meus pares gerava um certo desconforto, um sentimento de desajuste. É incrível como a ideia de "não lugar", que atravessa as existências negras dentro da academia, reverberam na necessidade, mesmo que inconsciente, de mostrar que você pode ocupar aquele espaço.

A grande verdade é que nós, mulheres negras, precisaremos sempre vencer alguns obstáculos, muitos dos quais são impostos, mesmo que sutilmente, pela sociedade. Levei muito tempo para construir uma autorreferência positiva, que é uma construção subjetiva, enquanto pesquisadora e enquanto Intelectual Negra. Hoje não me surpreendo mais ao ser convidada para proferir uma palestra em eventos científicos, por exemplo. Hoje compreendo o quanto é importante o lugar que ocupo, o quanto inspiro jovens negros que anseiam por vencer todo o sistema opressor e seguir carreira no ensino superior. Observo os olhos atentos e brilhantes dos jovens negros quando entram na UFRB e que, logo no primeiro semestre, tem aula de Química Geral com uma professora "doutora" preta. Realmente busco ser para estes jovens negros, sobretudo às meninas negras, a referência acadêmica (próxima) que eu não tive na academia, e que carrega consigo toda uma marca ancestral.

Também percebo a importância da minha atuação na Pós-graduação, trabalhando com formação de professores, e discutindo através de minhas vivências em sala, o quanto é necessário romper com este sistema opressor, o quanto precisamos colorir a academia. Para além dos muros da universidade, atualmente desenvolvo projetos de extensão com estudantes da escola pública, de maioria negra, visando o empoderamento destes jovens e mostrando para eles que a universidade, é sim, um sonho possível."

Prof. Mauro:
"A influência que a negritude teve na minha carreira se reflete na série de dificuldades que tive que superar em cada etapa de meu percurso acadêmico.

Estudei o ensino fundamental em escola pública de um bairro carente de Diadema – Grande São Paulo. Apesar disso, descobri que queria ser químico na antiga 8ª série do primeiro grau. No ensino médio (antigo segundo grau) eu estudei em uma escola pública de São Bernardo do Campo que, embora com melhor qualidade, apresentava sérias deficiências em relação ao conteúdo. Consegui passar no vestibular (não na primeira vez que prestei) na segunda tentativa na USP de São Carlos (SP). Posso dizer que esses dois anos de vestibular foram os mais difíceis da vida em termos profissionais.

Na universidade, consegui a duras penas fazer a graduação com bolsa de iniciação PET-CAPES (as primeiras bolsas PET-CAPES do IQSC-USP) devido ao meu bom desempenho na graduação, assim como consegui bolsa socioeconômica. Caso não tivesse estas bolsas, seria muito difícil terminar a graduação. Embora todo percurso tenha sido muito difícil, eu fiz minha parte na pós-graduação também, ou seja, tive bolsa de mestrado PET-CAPES e bolsa de doutorado da FAPESP. A seguir, foram quase 6 anos de pós-doutorado para conseguir uma vaga como docente universitário, o que aconteceu em 2006 quando passei em concurso na UFABC em 1º lugar (antes já havia ficado em 3º lugar em concurso para docente na USP em Pirassununga e 2º lugar na UNICAMP).

Hoje sou Professor Titular da UFABC. Aproveitei os pequenos lampejos de possibilidades/oportunidades que surgiram ao longo de minha trajetória. Nunca perdi a esperança, sempre tive o apoio da minha família, mas fundamentalmente tive que vencer muitas adversidades.

A influência da negritude em minha carreira foi muito grande, mas ao mesmo tempo paradoxalmente como preto sabia que tinha que fazer muito mais para conseguir chegar onde queria, e fiz! Na UFABC, fui o primeiro preto em muitas situações acadêmicas. Sou o 1º professor Titular preto da UFABC e participo dos 2% de professores pretos da Universidade. Uma pergunta que pode ser feita: o que isso influi na minha carreira? Meus/minhas estudantes de pesquisa e os/as que assistem minhas aulas na graduação e pós-graduação têm uma referência negra (pretos e pardos) na liderança. Meus/minhas estudantes negros(as) conseguem se enxergar em mim, sou um modelo pouco visto em nosso tempo, ainda! Hoje sou visto e causo influência. A vida mudou, as políticas afirmativas apareceram para que os(as) negros(as) pudessem sofrer menos para ascender na sociedade e participar em lugar de destaque que é de direito de todos. Temos uma lei que agora torna praticamente igual a injuria racial ao crime de racismo. Não me vi ao lado de negros quando ascendi, mas lutei por todos para chegar aonde estou. E fico feliz que hoje é possível a nós (negros(as)) chegar à Universidade com maior equidade, sendo possível fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado também."

Profa. Roberta:
"A presença de referenciais é muito importante quando se almeja e traça uma carreira, porém, minha carreira foi pautada e construída sem referenciais negros. Praticamente não tive professores e pouquíssimos colegas de jornada negros.

Por estar numa área que até bem pouco tempo era quase totalmente masculina e branca, a minha presença nos ambientes acadêmicos e administrativos causa estranheza para alguns e admiração para outros visto que passei a ser referencial para os jovens que estão entrando nesses ambientes hoje (mais da metade dos ingressantes 23.2 na instituição que atuo é preta ou parda e do sexo feminino). São muitos desafios e situações desnecessárias que temos que enfrentar sendo mulher preta, mas ao mesmo tempo, tenho visto uma significativa mudança no perfil dos ingressantes nesses últimos tempos e sou sim, um referencial para eles."


Quem são:

Anna Canavarro Benite é doutora e mestre em Ciências e licenciada em Química (UFRJ/ 2005). Professora Titular da Universidade Federal de Goiás onde coordena o Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão- LPEQI desde 2006. "Orientei 11alunxs de doutorado, 17alunxs de mestrado e 68 alunos de Iniciação Científica até o presente momento. Atualmente, oriento 9 alunos de mestrado e 6 alunos de doutorado pelo PPGQ E PPGECM da UFG. Publiquei até o momento mais de 100 artigos em periódicos especializados. Tenho 28 capítulos de livro publicados e 5 livros publicados. Finalmente atuo na área de Ensino de Química com foco na cultura e história africana no ensino de ciências, ensino de ciências de matriz africana e da diáspora, cibercultura na educação inclusiva, Mulheres Negras nas Ciências e políticas de ações afirmativas."

Jacira Castro é licenciada em Química Aplicada pela Universidade do Estado da Bahia (1997) e possui mestrado em Química Inorgânica pela Universidade Federal da Bahia (2001), doutorado em Química Analítica pela Universidade Federal da Bahia (2007) e pós-doutorado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2008). Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, onde ministra aulas na graduação e na pós-graduação, sendo credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação Científica, Inclusão e Diversidade (PPGECID - Mestrado Profissional). Tem experiência na área de Química Analítica, atuando principalmente nos seguintes temas: Química ambiental, Métodos óticos de análise e Preparo de amostras e na área de Ensino de Química, trabalhando com Formação de professores para o ensino de ciências. Mãe de dois filhos, esteve em licença maternidade em 2009 e 2013.

Mauro Coelho dos Santos é professor titular da UFABC. Bacharel em Química Fundamental, formado pelo (IQSC-USP, São Carlos, SP) em 1994, com mestrado em Ciências (Físico-Química) pelo (IQSC-USP, São Carlos, SP) em 1997, com doutorado em Ciências (Físico-Química) pelo (IQSC-USP, São Carlos, SP) em 2001, com pós-doutorado pelo (LIEC CMDMC DQ - UFSCar, São Carlos, SP) em 2005 e com Pós-Doutorado pelo (IQSC-USP, São Carlos, SP) em 2006. Bolsista de Produtividade do CNPq Nível 2 dede 2009. Atua nas áreas de Processos de Transformação, Energia, Físico-Química, Eletroquímica, Ciências Ambientais, Engenharia de Materiais, Engenharia Sanitária, e Nanociência e Nanotecnologia.

Roberta Froes
possui graduação em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002), mestrado em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006) e doutorado em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009). Pós-doutorado em Química Analítica Ambiental pela UFMG. Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Ouro Preto. Tem experiência na área de Química Analítica, com ênfase em Métodos Óticos de Análise, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento de métodos analíticos empregando ICP OES, ICP-MS, GF AAS, HG AAS para a determinação de traços em amostras alimentícias e ambientais, análise exploratória e especiação.


Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)








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