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Boletim Eletrônico Nº 1608 - 20/06/2024




DESTAQUE

Dia do Químico: motivos para celebrar e buscar melhorias


Em um cenário de poucos concursos para docência, já passa da hora do Brasil reconhecer os direitos trabalhistas de pesquisadores pós-doc

O dia 18 de junho é sempre motivo de celebração para químicos e químicas em todo o país. Foi neste dia, em 1956, que a profissão foi regulamentada no Brasil, pela lei 2800/56, que também instituiu o sistema de Conselhos Regionais e Conselho Federal de Química. Porém, quase 70 anos depois da criação da lei, mais do que celebrar, é preciso refletir sobre o que ainda falta a esta profissão crucial para a sobrevivência da humanidade e para o alcance da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável colocados pela ONU.

Um levantamento do Conselho Federal de Química (CFQ), realizado em 2020, estima que o Brasil tenha em torno de 216 mil profissionais da química ativos, sendo aproximadamente metade apenas em São Paulo e Minas Gerais.

Uma preocupação central de jovens pesquisadores da química é o fato de pós-docs não serem considerados nem estudantes, nem profissionais. Assim acabam ficando em um limbo, sem direitos estudantis, nem direitos trabalhistas, mesmo já tendo passado por cerca de dez anos de formação superior, contando graduação, mestrado e doutorado.

 
Prof.ª Lucia Helena Mascaro  

"Há 40 anos já havia uma pauta da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) que o tempo de pós-graduação fosse contabilizado como contagem no tempo de atividade profissional e pudesse ser computado para a aposentadoria. Infelizmente ainda não conseguimos êxito mas com certeza temos que continuar lutando", afirma a professora Lucia Helena Mascaro (UFSCar). "Terminei meu doutorado faz 42 anos e na época em que fui pós-graduanda e no meu pós-doutorado já existia essa preocupação. Nós éramos em número bastante reduzido, sequer havia bolsa de pós-doutorado do CNPq, apenas da FAPESP. O que se tinha era uma bolsa chamada de recém-doutor que o CNPq criou para absorver quem terminava o doutorado, assim não era muito claro para as Instituições qual o papel de um pós-doc e de que maneira ele atuaria", descreve a professora.

 
  Prof. º Luan Fonsêca da Silva

Luan Fonsêca, recém contratado docente na Universidade Estadual do Ceará (Uece), e coordenador do Comitê Jovens Pesquisadores SBQ, obteve seu doutorado em 2022. Em sua visão, o pós-doc é um profissional altamente qualificado que não tem qualquer plano assistencial ou direito trabalhista. "Hoje já há avanços com o reconhecimentos das licenças maternidade e paternidade, mas ainda assim, enquanto não houver a institucionalização da profissão de pesquisador esse limbo sempre vai existir", avalia. "Eu gosto de dar um exemplo bem simples: qual profissão exige que além da formação básica você tenha pelo menos mais quatro anos de formação, para começar a trabalhar? No nosso caso, quando nos formamos químicos não podemos atuar como pesquisadores plenos, então essa profissão não existe para graduados, você precisa ter um mestrado e doutorado."

 
Prof.ª Patricia S. Barbosa Marinho  

A professora Patricia Santana Barbosa Marinho, docente da UFPA desde 2009 observa uma consequência perversa desse limbo enfrentado por pós-docs. "Esta insegurança traz junto um grande desgaste físico e mental aos doutores e pós-doutores: não são reconhecidos como profissionais, mas é exigido 40 horas de trabalhos semanais, a maioria das vezes, com exclusividade, sendo que trabalham muito além destas 40 horas para cumprir o projeto, além das disciplinas da pós-graduação", salienta. "E ainda tem a questão familiar, os questionamentos: você só estuda? Quando vai trabalhar? Acontece que antes de ser um estudante de pós-graduação, o doutorando é um profissional, e deve ser valorizado como tal, ou seja, precisa ser reconhecido como profissional garantindo direitos trabalhistas nesta etapa de sua formação para contabilização para aposentadoria."

A aposentadoria é talvez uma faceta mais escancarada da falta de reconhecimento profissional do pesquisador em estágio de pós-doutoramento. Se para a grande maioria das categorias profissionais, a contribuição começa a ser recolhida no ano seguinte à graduação, há casos de pesquisadores que começam a contribuir para a previdência aos 35 anos de idade, o que adia cruelmente a idade para aposentadoria.

Para além da aposentadoria, a tabela acima (preparada pelo Comitê JP-SBQ) mostra o quanto as diferenças no tratamento dado a pesquisadores no Brasil e em países desenvolvidos são gritantes. No Brasil, o que é chamado de 'bolsa', mas que na verdade é o salário de pesquisador altamente qualificado, tem um valor aproximado de 980 dólares (CAPES) e 1000 (CNPq). Na Espanha, o salário médio de um pesquisador (pós-doutor) é de 1.750 dólares. No Reino Unido, este valor é de 3.700 dólares, e nos EUA, em torno de 3.300. As bolsas da Fundação Marie Curie têm o maior valor na Europa, equivalente a 6.400 dólares.

Os tradicionais benefícios ligados ao vínculo empregatício - seguro de vida, seguro saúde, seguro desemprego, afastamento por doença, férias e aposentadoria - são realidade para pesquisadores nos países comparados. Isso poderia ser implementado no Brasil.

A professora Patricia destaca que "o profissional da Química é essencial para a sociedade moderna, além da área acadêmica pode atuar em diversos setores da indústria como a de petróleo, medicamentos, alimentos, higiene, cosméticos, produtos agrícolas, entre outras." Em sua visão "é essencial que o profissional da química tenha formação além da graduação para exercer com maestria a profissão e contribuir para o desenvolvimento do país."

O professor Luan defende que os direitos trabalhistas e previdenciários sejam estendidos não apenas a pós-docs, mas a pós-graduandos também. "É urgente que se reconheça os direitos previdenciários dos pesquisadores a nível de mestrado, doutorado e pós doc, e que isso não seja feito em prejuízo do valor da bolsa que ainda está muito defasada", declara.

Melhorias na lei que regulamenta a profissão são necessárias, na visão da professora Lucia Helena. Ela defende uma melhor valorização e divulgação da importância do profissional em química, seja na formação de recursos humanos, no setor econômico ou produtivo. "Precisa-se uma fiscalização mais rigorosa para que esse papel não seja desempenhado por profissionais que não tenham competência para isso. Ter sanções e multas para o exercício da profissão e assinatura de laudos por não profissionais capacitados para tanto. Exigência para que as empresas com qualquer atividade relacionada a química tenham profissionais capacitados e com formação em química em seus quadros de recursos humanos", enumera.


O difícil primeiro emprego

Com uma legislação melhor, talvez fosse mais fácil a absorção dos químicos e químicas depois da pós-graduação. "Uma das dificuldades da inserção de jovens doutores é que a indústria brasileira não consegue absorver esses profissionais qualificados, muitas vezes por não quererem pagar o que esse profissional efetivamente vale. Há até casos de empresas que consideram pós-graduados pessoal qualificado demais", relata o professor Luan. "Já vi muitos colegas tendo que trabalhar como analistas em indústria mesmo tendo título de mestre ou doutor."

Quando a professora Lucia Helena terminou seu doutorado, havia poucas oportunidades para pós-doc, raros concursos para docência e ir para o setor privado com doutorado era quase impossível. "Assim consegui uma bolsa do CNPq da recém-criada categoria de recém-doutor por 36 meses e depois consegui uma bolsa DTI do CNPq por mais dois anos, a qual era metade do valor da anterior. Após cinco anos decidi que não dava mais pra esperar, resolvi fazer o concurso na UFPR em Curitiba e fui viver a 600 km de distância de meu marido e com uma filha pequena", relata. "Isso demandou um sacrifício familiar muito grande, mas era a única opção na época. Ficamos cinco anos nesta vida e pode-se dizer que meu marido deu a volta umas cinco vezes na Terra para encontrar a família todo final de semana viajando entre São Carlos e Curitiba. Mas valeu a pena e hoje tenho a minha carreira e minha família."

Ela enxerga uma mudança ainda tímida em curso nessa dinâmica da contratação pelo setor privado em áreas onde tecnologias e inovação serão imprescindíveis. Hoje já se vê algumas empresas buscando doutores com formação na área de química para indústria farmacêutica, desenvolvimento de processos, área ambiental, de energia e em nanotecnologia. Há tanto por parte dos órgãos de fomento como FAPESP, FINEP e CNPq quanto por parte de empresas privadas uma aproximação para que se financie projetos inovadores e com formação de recursos humanos especializados e criação de startups.

A angústia e o estresse têm sido características comuns de jovens doutores, diante da falta de perspectiva nos momentos iniciais da carreira. A indagação do professor Luan resume o sentimento comum a muitos: "Como conseguir buscar forças para continuar fazendo um trabalho digno mesmo submetido a todas as provações que é ser um jovem pesquisador, ou professor em início de carreira? Muitas vezes dá vontade de jogar tudo pro alto e fazer de qualquer jeito. Como chegar a ser sênior ainda fazendo diferença?"

A professora Lucia Helena responde: "Que não desanime! É difícil, complicado e muitas vezes desanimador, mas pensem que todos os que já têm sua carreira consolidada e que muitas vezes são nossas referências de pessoas bem sucedidas passaram por isso no início de suas carreiras. Todos passaram por diferentes dificuldades e tiveram que fazer escolhas, nem sempre fáceis. O importante é não desistir", pontua. "Nossa carreira é longa e trabalhosa, mas extremamente recompensadora quando olhamos para trás e vemos as pessoas que passaram por nós e mudaram suas vidas -- e nossa contribuição foi essencial para isso. E ainda temos a vantagem de sempre estar cercados de jovens ansiosos com muitas expectativas, com os quais temos muito que aprender e muito a ensinar."


Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)



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