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SBQ – Uma história de resiliência, sucesso e democracia
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Ata da Assembleia Geral de Fundação da SBQ de 1977
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O ano de 2024 comemora o 47o aniversário do parto da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) numa sala da PUC-SP, dentro da 29a Reunião Anual da SBPC, boicotada pela Ditadura Militar financeiramente e proibindo funcionários federais, inclusive pesquisadores de dela participarem. Artistas, intelectuais e amigos da ciência se mobilizaram para arrecadar doações e viabilizar a reunião científica. O ambiente de repressão violenta, prisões arbitrárias e ameaças foi bravamente enfrentado pelos estudantes, professores e populares com manifestações, pichações, cartazes e gritos anti-ditadura. Os "anos de chumbo" testemunharam a expulsão e exílio de muitos estudantes e cientistas, agravados pela tortura, morte e desaparecimento de muitos deles. Há 50 anos, em abril de 1974, foi assassinada e dada como desaparecida a Doutora Ana Rosa Kucisnky, nossa colega do Depto de Química Analítica do IQUSP. Covardemente, a Instituição tutelada pela ditadura a demitiu "por abandono de cargo", o que foi reparado em anos recentes pela USP, agora democrática. Faço essa triste Introdução ao mesmo tempo advertindo com palavras de Hannah Arendt no livro Origens do Totalitarismo (tradução) em que "alerta os leitores para o fato de que o autoritarismo age disseminando o ódio, provocação, intimidação e aniquilando a resistência das pessoas, principalmente líderes políticos e opositores como artistas, estudantes, professores, jornalistas, imprensa, o sistema judicial e a Suprema Corte." É importante relembrar para não esquecer, repetir e tolerar qualquer ataque à liberdade de pensamento e a democracia.
Cerca de 60 químicos, professores na maioria e alguns estudantes, motivados pela então inoperância e pobre representatividade da Associação Brasileira de Química (ABQ), ausência de espaço para discussões políticas, e sedentos de reuniões científicas e publicações periódicas, ininterruptas, que propiciam a consolidação e reconhecimento nacional e internacional da comunidade química brasileira, fundaram então a SBQ através de uma ata escrita pelo Prof. Eduardo Peixoto e assinada pelos presentes sobre um poster do Galileo Galilei ("Eppur si muove", 1663). Foi então eleita a Primeira Diretoria e Conselho da SBQ: Simão Mathias (Presidente), Eduardo Peixoto (Secretário) e Etelvino Bechara (Tesoureiro). Entre os indutores deste movimento, estavam os professores Simão Mathias (SP), Jacques Danon (RJ) e Ricardo Ferreira (PE). O Eduardo foi o mentor e ativista principal da Sociedade ao editar a primeira revista, Química Nova, organizar a Primeira RASBQ no ano seguinte, 1978, projetar o JBCS, estabelecer contatos internacionais com a RSC, a ACS e a IUPAC, entre outras iniciativas. Nesta Reunião já pusemos as garras de fora ao aprovar duas propostas provocadoras do Antônio Carlos Pavão (UFPE) na Assembleia Geral: reconhecimento da proscrita UNE como representante única dos estudantes universitários e moção a favor da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Lembro-me de que não foi fácil a aprovação destas propostas pela Assembleia. Em plena ditadura, com espiões brotando de todos os lados, a ousadia e a coragem venceram o medo! Em poucos anos, A SBQ floresceu vigorosamente com a adesão de mais de um milhar de professores e estudantes de Química e posteriormente com a inclusão de centenas de professores do ensino fundamental e médio, irmanados nas 47 Reuniões Anuais realizadas em 8 Estados da União (do PA a SC), Secretarias Regionais em quase todo o Brasil, Divisões das várias áreas do conhecimento químico e um espantoso número de publicações regulares coordenadas pela PubliSBQ: QN, QNEsc, RVq, QNint, BE, QuiD+ e EditSBQ. Nossa projeção nacional e internacional tem sido prestigiada pelo CNPq, CAPES, FAPESP e outras FAPs e participação de federações como a FLAQ e honrada pela IUPAC com a realização do 46th World Chemistry Congress, sua primeira reunião na América do Sul, Cidade de São Paulo, em 2017. Vale lembrar que a história da SBQ foi testemunhada incansavelmente pela Sra. Dirce Campos, nossa competente Secretária Executiva da fundação à recente aposentadoria.
Não se pode olvidar a importância da SBPC na construção da SBQ. Nossas reuniões ocorreram sob o guarda-chuva da SBPC até 1990, gestão do Prof. Ennio Candotti. Impelidos pela hipertrofia do programa da SBPC causado pelo enorme volume de atividades da SBQ, decidimos que era tempo de outro parto: partida da SBQ para reuniões anuais, durante minha gestão como presidente da SBQ (1988-90), sob os protestos da Profa. Carolina Bori, ex-presidente da SBPC, devido à importância da SBQ na reunião da SBPC e, em 1991, movemos nossas reuniões para Caxambu (1991).
Desde então, mantemos constante contato, apoio e inclusão de atividades as reuniões da SBPC como simpósios, conferências e cursos de química e áreas afins, além da apresentação de posters e promoções culturais.
Por fim, quero agradecer e elogiar os sócios da SBQ pelo rigoroso critério de estatura científica na eleição das Diretorias e Conselhos ao longo de nossa exitosa história. Não há como citar todos os colegas que dedicaram parte de sua vida acadêmica e familiar à SBQ e ao nosso País. Entretanto, faço questão de reverenciar a memória de alguns de nossos ícones: Simão Mathias, Eduardo Peixoto, Ricardo Ferreira, Ângelo da Cunha Pinto, Oswaldo Alves e Eliezer Barreiro. Agradeço a oportunidade que recebi da SBQ poder participar desta bela jornada.
Prof.º Etelvino Jose Henriques Bechara, ex-presidente da SBQ (1988-1990)
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