SEÇÃO ESPECIAL – CENTENÁRIO CESAR LATTES

Lattes na descoberta dos mésons pi

Neste mês de julho celebramos o centésimo aniversário do nascimento de Cesar Lattes, o patrono dos Currículos Lattes que são uma positiva característica do sistema brasileiro de C&T.

Lattes teve uma grande participação nos eventos que levaram à descoberta do meson pi. Sua própria descrição dos fatos está em um sóbrio relato no livro de José Bellandi Filho e Pemmaraju Ammiraju (eds.), Topics in cosmic rays, publicado em 1984 pela Editora da Unicamp. É acessível pela Internet, em https://www.ghtc.usp.br/clattes.htm.

Nesse relato, Lattes destaca o papel desempenhado pelas chapas fotográficas feitas a seu pedido, pela empresa inglesa Ilford. A empresa tinha conseguido progressos importantes na fabricação de chapas muito sensíveis e Lattes, tendo determinado os efeitos de elementos leves (D, B, Be, Li) na detecção de partículas nucleares, solicitou e obteve da empresa o fornecimento de chapas tratadas com bórax. Os resultados obtidos usando essas chapas estão relatados em quatro artigos publicados em 1947, sendo três na revista Nature. Giuseppe Occhialini, que foi um dos iniciadores da pesquisa em Física na USP, é co-autor de três dos trabalhos e Cecil Powell, chefe do grupo em que os resultados foram obtidos, em Bristol de dois deles, inclusive o que é considerado o mais importante. Occhialini já tinha trabalhado anteriormente com Powell em Bristol, antes de vir para o Brasil.

Cesar Lattes na Bolívia, onde foram registrados os mésons – Fonte: Exposição "Cientistas do Brasil" da SBPC

Em 1950, Cecil Powell recebeu o Prêmio Nobel da Física, "for his development of the photographic method of studying nuclear processes and his discoveries regarding mesons made with this method". Foi premiado por um trabalho que vinha de trinta anos, consolidado no livro "Nuclear Physics in Photographs: Tracks of Charged Particles in Photographic Emulsions. C. F. Powell and G. P. S. Occhialini. Oxford, Engl.: Clarendon Press; New York: Oxford Univ. Press, 1947".

O primeiro parágrafo da Nobel Lecture de Powell revela uma visão quase poética de sua contribuição: "Coming out of space and incident on the high atmosphere, there is a thin rain of charged particles known as the primary cosmic radiation. As a result of investigations extending over more than 30 years, we now know the nature of the incoming particles, and some, at least, of the most important physical processes which occur as a result of their passage through the atmosphere." Ele cita apenas 12 referências, inclusive: C. M. G. Lattes, H. Muirhead, G. P. S. Occhialini, and C. F. Powell, Nature, 159 (1947) 694 e G. P. S. Occhialini and C. F. Powell, Nature, 159 (1947) 186. Isso comprova a grande importância da participação de Lattes e Occhialini.

Como em qualquer construção científica, há outros antecedentes importantes no desenvolvimento e aplicação de emulsões no estudo de partículas sub-atômicas. Um foi Joseph Rotblatt, que recebeu o Prêmio Nobel em 1995. e também foi conhecido pela sua participação no movimento pacifista Pugwash. (link).

E antes disso, destacou-se uma mulher: a física austríaca Marietta Blau (1894–1970). Schrodinger a indicou para dividir o prêmio com Powell mas o prêmio não foi dividido: "For her work, she was nominated several times, during the period 1950 to 1957, for the Nobel Prize in Physics and once for the Nobel Prize in Chemistry by Erwin Schrödinger and Hans Thirring." (link)

Hoje, emulsões fotográficas são coisa do passado. Mas foram decisivas em um importante momento da ciência em que se avançou no conhecimento da estrutura nuclear. Raios cósmicos, que como Lattes destacava, superavam qualquer acelerador de partículas da época em energia, perderam essa posição, há muitos anos. E assim caminha a ciência, é um processo de contínua auto-superação, sempre dependente de muitas contribuições. E Cesar Lattes contribuiu muito para o que hoje sabemos sobre raios cósmicos e sobre a estrutura da matéria.

Cesar Lattes – Fonte: Exposição "Cientistas do Brasil" da SBPC

Em tempo: Embora eu tenha tido alguns anos de contacto com o Cesar, na Unicamp, nunca conversei com ele sobre esse assunto, diretamente. Por isso, elaborei esse texto usando material de acesso público. Eu sempre começo um trabalho como este fazendo perguntas a um chatbot, depois verifico tudo que é possível em fontes primárias. Nesse caso, a quantidade de erros cometida pelo openAI GPT me assustou. Até referência de literatura ele inventou. E são fatos passados, não se trata de problema de atualização. Imagino os desaforos que o Cesar diria, se soubesse.

Fonte: Prof. Fernando Galembeck – UNICAMP (ex-presidente da SBQ 1982-1984)