SEÇÃO ESPECIAL – CENTENÁRIO CESAR LATTES
Lembranças de Cesar Lattes
Eu tinha quatro ou cinco anos e morava a três casas de um casarão de onde saiam pessoas usando aventais brancos, rumo a uma padaria bem próxima. Um dia a rua se encheu de gente, era uma grande festa. Já no fim dos anos 60 aprendi que o casarão tinha sido parte do Departamento de Física da FFCL da USP, e a festa foi uma homenagem ao Cesar Lattes, recém-chegado da Europa, precedido pelo noticiário sobre a descoberta do meson pi. Quem me explicou foi a Da. Maria, uma antiga funcionária da FFCL que foi transferida do departamento de Física para o de Química, com o grupo do Prof. Hans Stammreich. A sala de Stammreich ficava defronte ao laboratório em que eu trabalhava, no Bloco 4 do Conjunto das Químicas.
Décadas depois, encontrei o Cesar na Unicamp, no início dos anos 80. Tínhamos um grande amigo comum, Newton Bernardes, que nos aproximou. Nunca conversamos sobre o méson pi, na época Lattes estava às voltas com experimento que, segundo ele, demonstraria um grande erro de Einstein, desmontando a teoria da relatividade. Isso despertou muito interesse no meio acadêmico e na mídia, mas alguns amigos ficaram preocupados com a qualidade do experimento e a validade da conclusão do Lattes. Um deles foi o Newton, que pediu a algumas pessoas que fossem ver e opinar, eu fui uma delas, na ausência do Cesar. Eu notei que as medidas diretas não tinham precisão suficiente para garantir a validade da conclusão do Cesar e Newton foi uma das pessoas que o convenceram a reavaliá-la.
Desse episódio ficou-me uma imagem do Cesar falando para uma grande audiência, principalmente estudantes, em um ambiente inusitado: o gramado entre os institutos de Química e de Física. O público sentado no chão e ele em pé falando, protegido do Sol brilhante por um chapéu de palha.
Lattes era excêntrico e deixou na Unicamp um extenso folclore. Uma vez, ele ficou com pena do dono de um circo que havia se instalado em Barão Geraldo, e faliu. Lattes comprou o circo, que incluía um leão. Este foi abrigado em um curioso jardim zoológico que havia em Barão Geraldo, e para providenciar seu alimento, Lattes comprou algumas vacas, instaladas em um terreno no bairro contíguo à Unicamp, onde moravam muitos professores. As vacas escapavam facilmente para pastar pelos terrenos então baldios, inclusive os jardins das casas (bons tempos: os jardins não eram murados). Compreensivelmente, o leão e as vacas "do Lattes" tornaram-se impopulares. Creio que o leão também passou algum tempo em um sítio, nos arredores.
Lattes gostava muito de animais, e sempre se fazia acompanhar pelo Gaúcho, um cão de certo porte. Intimamente, ele revelava o nome e sobrenome do Gaúcho, que em homenagem ao presidente-militar da época, começava com Arthur. Um dia, ele queria falar comigo, no Instituto de Química. Ligou para minha casa e perguntou à Emoke, minha esposa, se poderia levar o Arthur. Ela se safou dizendo que meu laboratório tinha cheiros muito fortes que poderiam agredir o olfato do Arthur. E assim o Cesar veio me encontrar sem seu fiel companheiro, para alívio do pessoal de segurança do trabalho do Instituto, e meu.
Fonte: Prof. Fernando Galembeck – UNICAMP (ex-presidente da SBQ 1982-1984)
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