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Os quatro cavaleiros do apocalipse da burocracia
O excesso de controle cria amarras ao pesquisador e age como obstáculo ao desenvolvimento da pesquisa e inovação no Brasil
Estima-se que entre 30% e 60% do tempo de um pesquisador no Brasil seja consumido nas tarefas ligadas a documentos e procedimentos burocráticos. Em recente sessão no Congresso da SBPC, o químico Aldo Zarbin, docente da UFPR e ex-presidente da SBQ, descreveu os problemas que a burocracia traz para pesquisadores. "O cientista precisa ter tempo para pensar sua pesquisa. Hoje ainda desperdiçamos muito tempo nesse poço sem fundo do cumprimento de regras desnecessárias", afirma Zarbin.
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Estima-se que entre 30% e 60% do tempo de um pesquisador no Brasil seja consumido nas tarefas ligadas a documentos e procedimentos burocráticos (Foto: AM3 Soluções)
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Na mesma sessão, o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, sugeriu que as sociedades científicas se aproximem do Tribunal de Contas da União (TCU) para a implantação e utilização direta do Marco Legal da Ciência e Tecnologia, regulamentado pelo Decreto 9283, de 7 de fevereiro de 2018. Segundo ele, é necessário identificar quais são as dificuldades burocráticas que vêm de normas infralegais, quais vem de normas legais. "O Brasil é burocrático. Mas não basta reclamar, nós temos de fazer propostas", salienta.
Os exemplos a seguir, trazidos pelo Prof. Zarbin, são bem conhecidos por pesquisadores da química de todo o país.
Importação de equipamentos de pesquisa
Para efetivar a importação de um equipamento de pesquisa, em projeto INCT aprovado pelo CNPq, foram necessários 117 documentos no SEI, Sistema Eletrônico de Informações, ferramenta desenvolvida pelo TRF 4 e adotada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Entre os documentos exigidos, três orçamentos ou carta de exclusividade, traduzidos, e a "Descrição de necessidade" do equipamento previamente aprovado. Depois de uma autorização da AGU, vem a parte de documentos relativos ao Siscomex e à Receita Federal, com muitos detalhes e repetições.
"É preciso maior interação entre os atores envolvidos e uma flexibilização, principalmente para pequenos insumos de pesquisa", propõe o pesquisador.
Afastamento do País
Não é fácil para um docente de universidade pública participar de um congresso científico no exterior mesmo quando convidado para palestrar. Em primeiro lugar, o evento deve estar previamente previsto no PNPD (Plano Nacional de Desenvolvimento de Pessoas). Isso pode ser viável para eventos previstos, mas impossível para convites inesperados.
Para conseguir participar do último Congresso da IUPAC, na Europa, foram 44 documentos inseridos no SEI, incluindo comprovante de não-pendência na biblioteca, tradução da home page ou flyer do Congresso, convite e comprovante de apresentação do trabalho, também traduzido. O currículo não pode ser um link do lattes. O pesquisador tem que criar um currículo no seugov.com, gerar um PDF e anexar ao SEI.
Aquisição de Materiais controlados
Na química é comum que laboratórios necessitem de materiais controlados pelas Forças Armadas, dado seu potencial criminoso, seja na fabricação de drogas quanto de armas e explosivos. É o caso do tolueno, clorofórmio, acetona, ácido nítrico, dentre tantos outros solventes corriqueiros para quem trabalha com química.
Há um limite legal de no máximo dois litros por mês, sendo que a aquisição deve ser feita pelo CNPJ do centro de pesquisa. Mas o financiamento do CNPq exige que as compras sejam feitas no CPF do pesquisador. Isso se arranja com um pedido formal de autorização da compra. Assim que o produto chega, ele precisa ser formalmente doado para a universidade, em um processo com inúmeras etapas.
Depois, cada mililitro usado tem que ser relatado - mesmo que a pesquisa como um todo já tenha sido aprovada, financiada e sujeita a um relatório técnico no final.
Gerenciamento de projetos
Os recursos concedidos a um projeto de pesquisa são transferidos para a conta do coordenador, e é ele quem distribui e gerencia o dinheiro. Num determinado projeto CAPES Print, Zarbin coordena um grupo de 83 pesquisadores. Cada vez que um deles viaja, é o coordenador quem tem que ir ao banco fazer a transferência, tendo um limite de movimentação diária de 10 mil reais.
Neste mesmo projeto, já existe uma quantia previamente aprovada para compras. Mesmo assim, cada centavo dessa alínea tem que ser pedido e justificado. Por exemplo, para usar mil reais para comprar grades para microscópio eletrônico, é preciso pedir e justificar o pedido.
E os relatórios são excessivamente detalhados e contém repetições desnecessárias.
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
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