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Brasil tem janela de oportunidades com a exploração das terras raras
Tema foi assunto de mesa-redonda no XXI-BMIC, que reuniu cerca de 600 participantes na UFMG
A transição energética e a mudança para uma economia de baixo carbono abrem uma janela de oportunidades para o desenvolvimento de ciência e inovação, e a criação de riqueza no Brasil, por meio da exploração das reservas de terras raras. A avaliação é de Rodrigo Cota, diretor do Departamento de Transformação e Tecnologia Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), que participou do XXI BMIC - Brazilian Meeting on Inorganic Chemistry e X BMRE - Brazilian Meeting on Rare Earths, realizado de 12 a 15 de setembro, em Belo Horizonte. O painel foi coordenado pelo Prof. Sidney Ribeiro, do Instituto de Química da UNESP de Araraquara, e contou com a participação de André Luiz de Faria - coordenador de Pesquisa ISI Mineral do CIT SENAI ITR, e de Maximiliano D. Martins - Coordenador Geral do Granioter - MCTI, Hub Tecnológico de Materiais Avançados e Minerais Estratégicos.
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Rodrigo Cota (MME): "O mundo está buscando novas fontes de fornecimento desses minerais estratégicos, e o Brasil pode desenvolver toda uma cadeia produtiva ligada às terras raras"
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Terras Raras são os elementos escândio, ítrio, mais o grupo dos lantanídeos. Não são propriamente "raras", mas ocorrem juntas e misturadas em minérios – como as areias monazíticas – e apresentam propriedades físico-químicas semelhantes. Seu papel de protagonismo na transição energética vem especialmente de suas propriedades ópticas e magnéticas. Sua extração e separação não são simples.
O Brasil detém a segunda maior reserva global desses minerais, estimada em 22 milhões de toneladas, mas há 20 anos deixou de explorar as terras raras e passou a comprar da China, que tem as maiores reservas mundiais, em torno de 44 milhões de toneladas.
"O mundo está buscando novas fontes de fornecimento desses minerais estratégicos, e o Brasil pode desenvolver toda uma cadeia produtiva ligada às terras raras. Para isso, precisamos formar mão-de-obra qualificada, desenvolver tecnologia, e dotar essas empresas que vão tentar investir no Brasil, de capacidade de competir com empresas chinesas", declarou o representante do Ministério de Minas e Energia (MME).
Ele citou o alto volume de subsídios que os EUA e a União Europeia estão injetando tanto em pesquisa quanto no setor industrial para fazer frente à China. "Mas eles têm desvantagens em relação ao Brasil, como a matriz energética - a nossa é majoritariamente limpa e renovável."
"O Brasil é um dos líderes mundiais do ponto de vista da ciência básica das terras raras, porém a parte de aplicações ainda é muito incipiente", afirma o Professor Oscar Malta, docente da Universidade Federal de Pernambuco, estudioso dos lantanídeos desde 1976, quando iniciou seu mestrado.
Em sua visão, para que o Brasil tenha condições de desenvolver uma cadeia produtiva pujante a partir das terras raras, é preciso diminuir a distância que separa o conhecimento produzido nas universidades e centros de pesquisa, das necessidades do setor produtivo. E essa aproximação poderia ser feita a partir dos órgãos de fomento. "Ainda há uma deficiência muito grande nas agências financiadoras, que é a falta de um grupo de pessoas que faça a interface entre aquilo que é produzido do ponto de vista de ciência básica – síntese, caracterização e modelos teóricos – com o setor empresarial. Isso ainda é muito incipiente no Brasil", observa.
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Prof. Oscar Malta
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Malta também destaca a importância dos legisladores neste processo: "Os parlamentares precisam se conscientizar de que não podemos ter avanço tecnológico visando o bem da sociedade se não investirmos em ciência, tecnologia e educação."
Foi justamente a falta de uma legislação específica que minou uma aplicação desenvolvida pela química Ingrid Weber, docente da UnB. Ela desenvolveu e promoveu testes com a ideia de introduzir marcadores luminescentes na munição fabricada no Brasil, de modo que quando uma pessoa efetuasse um disparo com arma de fogo ficaria com resíduos do marcador luminescente nas mãos e no ambiente em que o tiro foi dado. "A ideia surgiu quando fui dar um curso para agentes da polícia civil sobre métodos de análise. Foram anos de desenvolvimento e testes, inclusive com apoio da Polícia Federal. E no fim, o fabricante não quis investir nessa tecnologia que facilitaria a elucidação de crimes por armas de fogo, porque não havia lei que o obrigasse a fazer isso", relata a Professora Ingrid.
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Profª Ingrid Weber
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"Para realizar a transição energética vamos precisar dos lantanídeos, então acredito que o Brasil já deveria ter voltado a explorar as terras raras", afirma o químico Fernando Sigoli, docente da Unicamp e membro do comitê organizador do BMIC.
Ele explica que para a construção de uma turbina eólica são utilizadas grandes quantidades de neodímio, um lantanídeo com fortes propriedades magnéticas. "Por uma decisão econômica equivocada tomada décadas atrás, hoje importamos não somente o neodímio, como também o magneto pronto. Ficaria mais caro num primeiro momento produzir isso no Brasil, mas no longo prazo deixamos de desenvolver tecnologia, deixamos de criar empregos, perdemos receita na balança comercial e ainda incentivamos o grande impacto ambiental incorporado ao modo de produção adotado na China."
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Prof. Fernando Sigoli
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Seu colega na Unicamp, o Professor Paulo César de Sousa Filho, ressalta que há estimativas de que o consumo de terras raras deve aumentar em sete vezes nos próximos 15 anos." Não podemos continuar dependentes da China, que controla o mercado, vem restringindo a exportação de terras raras, e tem usado o artifício de subir muito o preço para brecar o consumo", assinala.
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Prof. Paulo César de Sousa Filho
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A chair do XXI-BMIC e X-BMRE, Professora Maria Helena Araujo (UFMG), avaliou o evento como um sucesso, especialmente por ter conseguido atrair um grande número de estudantes de graduação e pós-graduação - equivalente a 57% dos 590 participantes. "Esse era um objetivo nosso, que foi alcançado em parte, porque conseguimos reduzir custos realizando o evento dentro da UFMG. Os alunos são o futuro da química inorgânica. Eles precisam participar, conhecer, saber o que está sendo feito, iniciar colaborações." Ela destaca que outro grande sucesso do XXI - BMIC foi uma mesa dedicada a discutir igualdade de gênero na academia, o BWIC (Brazilian Women on Inorganic Chemistry) idealizado pelas professoras Heveline SIlva (UFMG), presidente da comissão organizadora, e Juliana Fedoce (UNIFEI).
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Profª Heveline Silva (UFMG, presidente da Comissão Organizadora), Prof. Luiz Antônio Sodré (UFJF, co-chair do evento); Profª Rossimiriam P. Freitas (UFMG, presidenta da SBQ); e Profª Maria Helena Araujo (UFMG, chair do evento)
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Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
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