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Boletim Eletrônico Nº 1621 - 19/09/2024




DESTAQUE

Quando o dia virou noite em Ribeirão Preto


Este relato, de alguma forma fez, e ainda faz parte da experiência de muitos que vivem em diferentes partes do estado de São Paulo. Vou me ater no episódio que aconteceu em Ribeirão Preto (SP) no dia 24 de agosto de 2024, sábado.

Nesse dia, a frente fria, antes de trazer o tão desejado alívio para o calor intenso, contribuiu para ocasionar horas de caos na região. A nossa estação meteorológica instalada no campus da USP, registrou que a velocidade do vento chegou a 75 km/h (média de 30 minutos), mas as rajadas de vento chegaram a 208 km/h (média de 3 min). A radiação solar, chegou a um máximo de 717 W/m2 às 11:30; caiu para10 W/m2 às16:30; e às 17:00 h já estava em zero. O dia virou noite!

Um infeliz sinergismo entre vários fatores levou à situação que vivenciamos nesse sábado. Primeiramente, nos dias anteriores havia um elevado número de focos de incêndio na região, deixando grandes áreas cobertas de cinzas, e causando até a interdição de várias rodovias por horas. Outro ponto é a baixa cobertura por florestas na região, além das áreas de cana já colhidas e as áreas queimadas, que deixou o solo mais exposto. Aliado a isso, existe o fato de estarmos passando por uma estiagem de mais de 3 meses, deixando o solo muito seco. Todos esses fatores, somados aos fortes ventos, provocou a ressuspensão do solo juntamente com todo aquele resíduo fino deixado pelas queimadas, além das emissões contínuas provocadas pelos vários focos de incêndio na região. A atmosfera foi 'recheada' com uma densa camada de material particulado, que cobriu o sol.

Nesse dia 24 de agosto de 2024, às 19:00, a média horária de MP10 chegou a 3.466 µg/m3 e o MP2,5 chegou a 1.392 µg/m3, segundo a CETESB. Como referência para quem não é da área, nossa legislação preconiza que a média de 24 h não deve ultrapassar o valor de 100 e 50 µg/m3 para MP10 e MP2,5, respectivamente. Para que a qualidade do ar seja boa, o índice de qualidade do ar (IQA) não deve ultrapassar o valor arbitrário de 40, sendo que acima de 200, já se torna péssima. Nossa qualidade do ar atingiu o índice de 441.

As labaredas de fogo atingiram grandes alturas por causa dos ventos, e se espalharam rapidamente. Perto das 19 h, um shopping center da cidade precisou ser evacuado e muitas pessoas tiveram que deixar suas casas, devido ao perigo iminente de serem incendiadas. A quantidade de fuligem que entrava pelas frestas das portas e janelas ia tomando toda atmosfera de dentro de casa. Máscaras, umificadores, soro fisiológico, para quem tinha em casa, ajudou. Em Altinópolis, na região de Ribeirão, cerca de 500 pessoas precisaram de atendimento médico devido a inalação da fumaça oriunda dos incêndios que aconteceram próximos de uma festa ao ar livre. Todos os eventos esportivos que aconteceriam em Ribeirão Preto no dia seguinte, foram cancelados, incluindo a meia maratona, que contava com atletas internacionais.

No domingo (25), a chuva chegou fraquinha perto das 11 h da manhã, mas no fim da tarde já respirávamos um ar praticamente livre de material particulado. Os 17 mm de chuva foram a bonança após a tempestade. Na segunda-feira dia 26, as aulas de toda rede pública (incluindo a USP) foi suspensa pela manhã para se poder fazer a limpeza dos edifícios. Mas infelizmente tal bonança durou pouco, pois poucos dias depois voltamos a ter índices de qualidade do ar "ruim e muito ruim" na região, por causa do material particulado.

Aqui na nossa região canavieira, uma melhora na qualidade do ar era muito esperada devido à mecanização da colheita - que teve início de forma significativa em 2007- mas isso não aconteceu. Nosso grupo de pesquisa fez um levantamento dos dados disponibilizados pela CETESB desde 2004 para o material particulado, e não observamos tendência de melhora com o passar dos anos. Trocamos a queima da palha da cana, pela queima de todo o resto.

E ainda tem gente que acha que educação é gasto, e que eventos extremos são coisas de filme.

Foto tirada às 17:20 do dia 24 de agosto de 2024. Pode parecer, mas não chovia!


Fonte: Maria Lúcia A. M. Campos – Docente do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP.




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