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Foi uma coisa que colocaram na sua cabeça?
Você já procurou uma agulha em um palheiro? Provavelmente não, apesar de já ter ouvido e provavelmente usado essa expressão. Esse é o desafio enfrentado por todos os que estudam a presença do microplástico nos mais variados cantos onde esse contaminante emergente insiste em se esconder. O desafio se torna pior quando imaginamos que vários desses lugares tem estrutura ou propriedade semelhante ao do microplástico, então fica mais difícil provar que um determinado fragmento é um microplástico e não um pedaço da matriz onde ele está. Parte do ofício do microplastiqueiro é justamente encontrar modos de tirar a agulha do palheiro e colocar em um lugar onde a gente possa olhar e dizer se é ou não um microplástico. Esse foi o desafio que um grupo de pesquisadores brasileiros, financiados por agências de fomento brasileiras e alemãs e usando uma das melhores instalações multiusuários do mundo (e brasileira), decidiu encarar quando elaborou a pergunta: existem microplásticos no cérebro?
A primeira estratégia é, obviamente, não usar a estratégia de buscar agulhas em palheiros, que é muito cara e trabalhosa quando se trata de uma coisa tão pequena quanto os microplásticos que foram encontrados. Os autores, muito espertamente, se concentraram em buscar justamente em um lugar onde tem uma barreira, que é justamente onde você pode concentrar as coisas que estão em um fluxo, mas que são impedidas de continuar com ele. O lugar escolhido dentro do sistema que impede que os indesejáveis sigam cérebro adentro foi o bulbo olfativo. Os autores se cercaram de várias medidas de controle de qualidade do experimento para se certificar que os potenciais microplásticos fossem oriundos dos tecidos cerebrais e não da deposição do ar local. Usando um micro-FTIR, os autores começaram a adquirir os espectros da heterogeneidade e encontradas e todas com mais de 75% de similaridade com o banco de espectros de polímeros foram considerados microplásticos. Foram encontrados microplásticos em 8 dos 15 cérebros avaliados, sendo que 75% foram fragmentos e os demais foram fibras. Todos entre aproximadamente 6 e 26 micrômetros. A maioria (43%) foi polipropileno e os demais foram poliamidas, polietileno e acetato de vinila. Os resultados apontaram para uma consistente presença de microplásticos no cérebro de um diverso conjunto de indivíduos, que foi um passe para outros pesquisadores continuarem os estudos das consequências dessa presença e se a predominância do polipropileno neste conjunto amostras se confirma. E se houver confirmação, porque essa maior facilidade de penetração do polipropileno? Uma das autoras, a Profa. Dra. Thaís Mauad, declarou em conversa pessoal que os desafios agora são os estudos associativos, em que se deve estudar as potenciais consequências neurotóxicas desta presença.
O conjunto de evidências que aponta para a onipresença do microplástico nos vários biomas, espécies e órgãos é inegável. O engajamento da sociedade para discutir esse problema e enfrentar as dores de encontrar uma solução é mais uma obrigação do que uma escolha. Emprestando texto de Caymmi e dada a inevitabilidade, podemos ponderar que os que negam a urgência desse enfrentamento devem ser algo de "ruim da cabeça". E graças ao time que publicou o artigo pioneiro perfilado nesse texto, podemos começar a pensar que a culpa disso pode ser do próprio microplástico…
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Fonte: Prof. Walter Ruggeri Waldman, UFSCar, Membro da Comissão Nacional de Segurança Química
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