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In Memoriam – Prof. Lauro Tatsuo Kubota
Algumas pessoas têm o poder de transformar positivamente nossas vidas, e o Prof. Lauro Tatsuo Kubota era uma dessas pessoas. Ter a oportunidade de ser orientada por ele no campo da Ciência mudou completamente minha trajetória acadêmica, ampliou minha visão de mundo e revelou como a Ciência interliga tudo ao nosso redor.
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Prof. Lauro Kubota, no Instituto de Química da Unicamp, no Laboratório do Grupo LEEDS, Outubro de 2003.
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Nascido em Goioerê e criado em Ibiporã, cidades do interior do Paraná, Lauro foi o quinto de dez filhos de Ossamu e Fuçae Kubota, imigrantes japoneses que buscaram no Brasil um novo começo. Desde jovem, ele demonstrou uma dedicação extraordinária ao trabalho e aos estudos, sempre movido pela responsabilidade e resiliência, qualidades profundamente ligadas à filosofia japonesa, o Ganbaru. Foi com esse espírito que, em 1985, formou-se em Química pela Universidade Estadual de Londrina, recebendo a Láurea Acadêmica em reconhecimento à sua excelência.
Assim, Lauro deu início à sua carreira acadêmica, obtendo o título de Mestre em Química pelo Instituto de Química da UNESP em 1988, sob orientação do Professor José Celso Moreira, e o de Doutor em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas em 1993, sob a orientação do Professor Yoshitaka Gushikem. Já durante o doutorado, Lauro se destacou, não apenas pela produção acadêmica de impacto com 10 artigos científicos publicados neste período, mas também pelas inovações que trouxe ao campo e ao grupo de pesquisa. Com formação em Química Inorgânica, foi um dos pioneiros na utilização de sílica gel modificada com catalisadores para o desenvolvimento de sensores eletroquímicos, uma ideia ousada para a época. Afinal, como um material eletricamente isolante poderia servir de base para o desenvolvimento de sensores e biossensores eletroquímicos?
Foi com essa abordagem inovadora que Lauro iniciou a utilização de materiais inorgânicos para a imobilização de cofatores enzimáticos, o que culminou no desenvolvimento de sensores eletroquímicos biomiméticos. Sua visão pioneira desafiou paradigmas e abriu novos caminhos para a aplicação de materiais inorgânicos na área de sensores e biossensores eletroquímicos.
Em 1994, Lauro se tornou Professor Assistente no Departamento de Química Analítica do Instituto de Química da Unicamp e fundou o Laboratório de Eletroquímica, Eletroanalítica e Desenvolvimento de Sensores (LEEDS). Desde então, ele iniciou uma linha de pesquisa voltada para novas estratégias de modificação de superfície de eletrodos, visando o desenvolvimento de biossensores com aplicações nas áreas clínica, ambiental e alimentícia. Mais recentemente, suas pesquisas se concentraram no desenvolvimento de dispositivos analíticos descartáveis e de baixo custo, baseados no conceito de "point-of-care", permitindo diagnósticos rápidos e acessíveis, especialmente em locais com poucos recursos. Essa sempre foi uma grande preocupação do Prof. Lauro, que costumava dizer: "Devemos pensar no desenvolvimento de ferramentas analíticas que possam ser acessíveis à sociedade!"
A carreira de sucesso que o Prof. Lauro construiu é verdadeiramente impressionante. Entre suas inúmeras contribuições à comunidade científica e as diversas honrarias que recebeu, destacam-se: a publicação de mais de 400 artigos em periódicos especializados, com rigorosa política editorial, que já foram citados mais de 14.500 vezes. Ele é autor/coautor de 26 patentes e participou do desenvolvimento de diversos produtos tecnológicos. Orientou 18 dissertações de mestrado, 36 teses de doutorado, supervisionou 30 pós-doutores, além de ter orientado 25 trabalhos de iniciação científica na área de Química. Foi agraciado com vários prêmios e homenagens, entre eles: o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de Inventor do Ano em 2000, o Prêmio Zeferino Vaz de Reconhecimento Acadêmico nos anos de 2004 e 2023, e o Prêmio Rheinboldt-Hauptmann em 2023. Foi membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP), Fellow da The World Academy of Science (TWAS), Fellow da Royal Society of Chemistry (RSC) e Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico na Classe Grã-Cruz. Ao longo de sua carreira, Prof. Lauro interagiu com mais de 800 colaboradores em coautorias de trabalhos científicos, consolidando-se como uma referência em sua área, tanto nacional quanto internacionalmente.
Apesar desses números e títulos impressionantes, o Prof. Lauro era reconhecido pela sua generosidade. Lembro-me do nosso primeiro encontro, em setembro de 2008. Eu era uma aluna prestes a me formar em Química na Universidade Estadual de Maringá, leitora assídua de seus trabalhos e sonhando em fazer meu mestrado na Unicamp sob sua orientação. O Prof. Lauro logo me deu a oportunidade de integrar seu grupo de pesquisa, mesmo sem me conhecer previamente. Ele era essa pessoa: generosa em proporcionar oportunidades para jovens que desejavam aprender e se desenvolver! O LEEDS, ao longo de seus 30 anos de trajetória, foi constituído por alunos e colaboradores de diferentes regiões do Brasil e de outras nacionalidades. O Prof. Lauro abria as portas para pessoas que, assim como ele, migraram para o estado de São Paulo com o sonho de se tornarem cientistas. Essa pluralidade de pessoas se transformava em uma pluralidade de ideias.
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Prof. Lauro Kubota, alunos e colaboradores do grupo LEEDS, no Instituto de Química da Unicamp, no ano de 2014.
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Assim, ao longo de seis anos, tive o privilégio de tê-lo como meu orientador de mestrado e doutorado (2009-2015). Mais do que isso, ele foi meu mentor! Uma pessoa que nos instigava cientificamente o tempo todo, com um espírito crítico imensurável. Ele sempre nos questionava: "Por quê? Como? Aonde você quer chegar? Como você prova cientificamente que é realmente isso que está acontecendo?" Esse era o Prof. Lauro. Esse comportamento era notável em toda conferência científica em que ele estava presente, sempre fazendo perguntas, promovendo o debate científico e trocando conhecimentos, principalmente com os jovens estudantes. Uma pessoa muito ativa em nossa comunidade científica e que construía redes de trabalhos dentro e fora do país.
No laboratório, ele era um professor muito participativo. Seu escritório ficava dentro do laboratório e sempre teve as portas abertas para todos que desejassem conversar ou pedir orientações acadêmicas ou institucionais. Ele entrava com passos leves e, de repente, perguntava: "O que você está medindo de interessante?" Esse era o Prof. Lauro. Conhecido por sua discrição, mas de uma generosidade imensa com aqueles que o rodeavam!
Ele sempre ofereceu o mais valioso aos seus alunos: liberdade para exercitarem a criatividade científica em sua plenitude, além de apoio incondicional em nossas escolhas, guiando-nos com questionamentos profundos e ensinamentos sólidos. Transmitiu-nos valores inestimáveis, sendo um exemplo de ética em todas as suas ações e de uma cordialidade ímpar. Assim, ao longo de seus 30 anos de carreira, sob sua direção, o LEEDS formou Cientistas!
Dentro das belezas da filosofia de vida japonesa, o Ikigai , para mim, é o mais belo, significa "razão de ser" . É uma filosofia que busca encontrar propósito e significado em todas as áreas da vida. A ideia de encontrar o Ikigai é que, ao ter um propósito claro e definido, a pessoa encontra satisfação e realização pessoal. Para encontrar o Ikigai, quatro grandes perguntas precisam ser respondidas: O que amo fazer? O que posso fazer bem? O que posso ser pago para fazer? O que o mundo precisa? Posso dizer que o Prof. Lauro encontrou o seu Ikigai: era a Ciência!
O último 4 de Outubro foi um dia muito difícil. O Prof. Lauro nos deixou! É difícil acreditar, pois pessoas como ele pareciam imortais! Mas ele realmente é! Vai viver para sempre dentro de todos nós e na ciência transformadora que nos deixou!
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Prof. Lauro Kubota, alunos e colaboradores do grupo LEEDS, no Instituto de Química da Unicamp, no ano de 2006.
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Prof. Lauro Kubota, alunos e colaboradores do grupo LEEDS, no Instituto de Química da Unicamp, no ano de 2024.
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Obrigada por tudo Professor!
Fonte: Cecília de Carvalho C. Silva (Universidade Presbiteriana Mackenzie), em nome de todos os alunos, pesquisadores e colaboradores do grupo LEEDS.
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