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Comunicação química de insetos é arma contra abuso de agrotóxicos
Utilização de feromônios sexuais no controle de pragas reduz em até 90% uso de veneno no campo
A busca pelo aumento da sustentabilidade da atividade agrícola no Brasil passa pelos laboratórios dos nossos institutos de química, onde se estuda formas de defesa dos cultivos contra as pragas menos agressivas à saúde humana e ao meio-ambiente.
O Brasil deverá produzir um total de 298,6 milhões de toneladas de grãos na safra 2023/2024, e nos campos e plantações ainda usamos abusivamente os agroquímicos, em média 10,9 kg de agrotóxicos para cada hectare de lavoura. Para comparação, os EUA usam 2,85 kg/ha e a China, 1,9 kg/ha, segundo levantamento da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). Em 2021, foram usados no Brasil 3,31 kg de agrotóxicos por pessoa. Nos EUA, foram 1,36 kg per capita e na China, 0,17 kg per capita.
Consequência previsível deste uso abusivo é que 25% das amostras de alimentos analisadas pela Anvisa em 2022 estavam com inconformidades, que pode ser a presença de um agrotóxico não autorizado ou com resíduos acima do limite permitido.
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Paulo Henrique Zarbin (UFPR): "Além de criar a resistência, o uso abusivo de agrotóxicos tem impacto não apenas contra a praga que deve ser combatida, mas também contra outros insetos que são seus inimigos naturais"
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"Obviamente é impossível fazer agricultura mundial sem o uso de agrotóxico. Não tem como. O problema é o uso abusivo que é feito disso. Não podemos em hipótese alguma continuar aplicando defensivos nas quantidades absurdas que temos feito", afirma o professor Paulo Henrique Zarbin, coordenador do Laboratório de Semioquímicos do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Durante seu doutorado sanduíche no National Institute of Sericultural and Entomological Science, em Tsukuba, Japão (1996-1997), Zarbin começou a estudar uma técnica que utiliza os hormônios sexuais dos insetos contra os próprios algozes dos cultivares, e pode reduzir em até 90% o uso dos agrotóxicos nas lavouras.
Ele se baseia na comunicação química feita entre insetos."Cada inseto tem seu próprio código, suas moléculas específicas que não são decifradas por outros insetos. Nós identificamos essa molécula, sintetizamos e a colocamos em um liberador, que vai dentro de uma armadilha no campo", descreve o docente. Atraídos por uma falsa promessa de acasalamento, os machos da espécie são capturados na armadilha.
Os insetos se comunicam para todas as atividades, como defesa da colônia, busca de alimentos ou acasalamento. Para o controle das pragas, o feromônio sexual é o que melhor tem funcionado.
Esse tipo de controle biológico das pragas tem algumas vantagens: não tem efeitos colaterais ao solo ou outras espécies, não deixa resíduos e atua especificamente contra o inseto-alvo. "Nós trabalhamos com várias famílias de insetos, percevejos, mariposas e besouros. A chave está na identificação do feromônio utilizado", conta Zarbin.
A técnica dos feromônios é muito facilmente usada para pequenas e médias culturas, como uva, maçã, pêssego, manga, erva-mate e outras. Mas também é uma ferramenta importante nas grandes culturas como a cana-de-açúcar, em parte pela resistência que as pragas já desenvolveram aos agrotóxicos. "Além de criar a resistência, o uso abusivo de agrotóxicos tem impacto não apenas contra a praga que deve ser combatida, mas também contra outros insetos que são seus inimigos naturais, de forma que surgem pragas secundárias que antes não eram um problema", assinala Zarbin.
Na cana-de-açúcar, por exemplo, o besouro Migdolus Fryanus, conhecido como 'broca da cana', tornou-se resistente aos agrotóxicos, e seu controle só pode ser feito hoje com o auxílio de armadilhas contendo o feromônio sexual. Neste caso, a armadilha é colocada na plantação. Sabe-se que o raio de ação da armadilha é de 200 metros, e a quantidade considerada inócua de insetos nessa área. "Se eu capturo 10 insetos por dia, sei que a densidade populacional é baixa e não me causa dano econômico. Mas quando observo um aumento no número de insetos capturados, sei que naquela região específica, preciso aplicar o agrotóxico. Então não aplico mais o veneno pelo calendário, ou de forma aleatória sobre toda uma área plantada. Aplico apenas no momento e no local em que a densidade populacional está alta", explica Zarbin. "E aí consigo reduzir em até 90% o uso dos agrotóxicos."
Hoje as grandes multinacionais do setor já começam a produzir e comercializar feromônios. O Professor Zarbin tem sido procurado por usinas de cana, cooperativas, empresas de agricultura familiar e start-ups para dar consultoria no melhoramento de processos no campo. Ele detém três patentes (para um percevejo que ataca a soja, e besouros que atacam a cana-de-açúcar e o cacau), mas não pensa em transformar sua pesquisa em uma empresa. "Sou pesquisador, não tenho as características do empreendedor."
Ele observa que sua linha de pesquisa atrai bastante estudantes. Seu grupo já chegou a ter 22 estudantes das quatro categorias - hoje são dois doutorandos, dois mestrandos, um pós-doc e três alunos de IC. "Trata-se de uma pesquisa de fácil compreensão para as pessoas, e com um caráter bacana: as pessoas identificam que o resultado do que estudamos tem retorno e aplicação muito rápida, bem diferente do desenvolvimento de fármacos, por exemplo."
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Antônio Euzébio Goulart Santana (UFAL): "Sinto uma realização profissional muito grande ao ver as pessoas usando o Rincoforol e nos procurando para desenvolver outros produtos"
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Antônio Euzébio Goulart Santana (UFAL): "Sinto uma realização profissional muito grande ao ver as pessoas usando o Rincoforol e nos procurando para desenvolver outros produtos"
Em Alagoas, o bioquímico mineiro Antônio Euzébio Goulart Santana (UFAL) levou suas pesquisas sobre os feromônios para o caminho do empreendedorismo. Há pouco mais de uma década criou a Interacta, que produz e comercializa o Rincoforol, produto à base de feromônios, para controle biológico do besouro conhecido como Bicudo do Coqueiro. "Atualmente produzimos de 2 mil a 2,5 mil iscas por mês, e atendemos produtores de coco de todas as regiões do Brasil", conta o docente e empresário. Cada isca é capaz de proteger uma área de 4 a 5 hectares.
Ele conta que o principal entrave encontrado no desenvolvimento da empresa é a parte de registros e documentações. O registro do feromônio demorou dois anos para ser obtido, e a patente está depositada, mas ainda não foi concedida. "Já temos a parte científica solucionada para nossos próximos produtos, que serão iscas para combater pragas da bananeira e do algodoeiro", revela Santana.
A Interacta já tem sede própria e funciona apenas com o trabalho dos sócios. O crescimento da força de trabalho virá concomitantemente ao crescimento da clientela. Atualmente a empresa negocia com um grande grupo empresarial o desenvolvimento de um produto específico para a produção agrícola deste grupo. "Sinto uma realização profissional muito grande ao ver as pessoas usando o Rincoforol e nos procurando para desenvolver outros produtos. Minha meta é que a Interacta cresça e se torne a principal fornecedora de feromônios no Brasil."
Conheça mais:
Zarbin, P.H.G.; Rodrigues, M.A.C.M; Lima, E.R. Feromônios de insetos: tecnologia e desafios para uma agricultura competitiva no Brasil Quím. Nova 32(3), 2009
https://doi.org/10.1590/S0100-40422009000300016
Zavallos, D.M.P.; Zarbin, P.H.G. Chemistry in agriculture: perspectives for the development of sustainable technologies Quím. Nova 36 (10), 2013
https://doi.org/10.1590/S0100-40422013001000005
Zarbin, P.H.G.; Vidal, D.M . The Chemistry of Insect Pheromones, in Comprehensive Natural Products III.: Elsevier, 2020, p. 179-221.
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/B9780124095472147997?via%3Dihub
DALBON, V. A.; ACEVEDO, J. P. M.; RIBEIRO JUNIOR, K. A. L.; RIBEIRO, T. F. L.; DA SILVA, J. M.; FONSECA, H. G.; SANTANA, A. E. G.; PORCELLI, F. Perspectives for Synergic Blends of Attractive Sources in South American Palm Weevil Mass Trapping: Waiting for the Red Palm Weevil Brazil Invasion. INSECTS, v. 12, p. 828, 2021.
https://doi.org/10.3390/insects12090828
TRIANA, M. F.; FRANÇA, P. H. B.; QUEIROZ, A. F. O.; SANTOS, J. M.; GOULART, H. F.; SANTANA, A. E. G. Morphological, chemical and electrophysiological investigations of Telchin licus (Lepidoptera: Castniidae). PLoS One, v. 15, p. e0231689, 2020.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231689
LEAL SOARES, A. M; FRANÇA, P. H. B., TRIANA, M. F; SANTOS, J. M; DIAS'PINI, N. S.; FONSECA, H. G.; ARAÚJO'JÚNIOR, J. X; SANTANA, A. E. G. Identification of -6-unsaturated, monoenyl type I pheromone compounds from the cashew stem borer Anthistarcha binocularis (Lepidoptera: Gelechiidae). PEST MANAGEMENT SCIENCE, v. 76, p. 1435-1442, 2019.
https://doi.org/10.1002/ps.5656
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
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