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Retratações de Artigos Científicos – Um Problema Quase Sempre Evitável
Recentemente, recebemos, com pesar, a notícia de que um pesquisador brasileiro teve dezenas de artigos retratados, ou seja, "despublicados". A editora alegou como motivo uma fraude no processo de avaliação por pares, envolvendo o uso de e-mails falsos para emissão de pareceres que, supostamente, seriam de pessoas de destaque na área das publicações. Essa prática comprometeu gravemente a integridade do conteúdo publicado, resultando em uma quebra de confiança e credibilidade que coloca em xeque a lisura do processo de publicação científica. Diante dessa situação, a editora decidiu retratar todos os artigos identificados como parte dessa irregularidade. Além disso, outras dezenas de trabalhos do pesquisador permanecem sob análise e, muito provavelmente, também serão retratados.
Infelizmente, este não foi o primeiro caso, e, provavelmente, não será o último de que teremos notícia. Situações como essa nos levam a reflexões profundas, tanto como cientistas quanto, no meu caso atual, como editor. Tenho atuado como editor há aproximadamente uma década na RSC (Royal Society of Chemistry) e no nosso querido JBCS (the Journal of the Brazilian Chemical Society). Recentemente, fui designado Editor-in-Chief (editor-chefe) do JBCS. Por estar nessa posição, questões dessa natureza se tornaram uma preocupação ainda maior para mim. Com uma boa experiência acumulada, já presenciei diversos problemas relacionados a artigos científicos. Por essa razão, na RSC também venho realizando consultorias sobre casos éticos, ou seja, artigos sob suspeita de irregularidades que podem, eventualmente, ser retratados. Mas, afinal, o que leva um artigo a ser retratado?
Primeiramente, antes de responder à pergunta, é importante destacar que este texto não tem a intenção de fazer críticas pessoais ou condenar ninguém, mas sim de promover uma reflexão sobre essas circunstâncias. O objetivo é trazer esclarecimentos e oferecer direcionamento, especialmente para aqueles que estão iniciando sua jornada e necessitam de boas orientações nesse sentido.
Entre os principais motivos que levam um artigo a ser retratado, destacam-se três: (i) fraudes científicas, como a fabricação ou falsificação de dados; (ii) o plágio, que envolve o uso não autorizado de ideias, textos ou resultados de outras pesquisas; e (iii) a manipulação inadequada no processo de avaliação por pares, como o uso de revisores falsos ou conflitos de interesse não declarados.
Essas três razões representam as principais causas de retratações resultantes de quebras de conduta ética. De maneira geral, é importante destacar que essas violações são sempre fruto de decisões pessoais daqueles que as praticam. As consequências são invariavelmente negativas, causando prejuízos a muitas pessoas. Coautores – muitas vezes sem qualquer responsabilidade pela quebra de ética – podem ter seus nomes associados às retratações, o que compromete suas reputações e impacta significativamente suas carreiras e credibilidade científica.
Além desses três motivos, erros graves que comprometem a reprodutibilidade dos resultados, sejam decorrentes de negligência ou de limitações metodológicas não declaradas, também podem justificar a retratação de um artigo. Em alguns casos, a publicação redundante (ou duplicada) – quando o mesmo estudo é submetido a mais de uma revista sem a devida comunicação – é outra razão para retratações. Por fim, questões como a ausência de consentimento informado em estudos clínicos ou a realização de experimentos que não seguem normas éticas fundamentais, também figuram entre os motivos que levam à necessidade de retratar trabalhos publicados.
Erros em publicações científicas são, naturalmente, inevitáveis, pois fazem parte do processo de construção do conhecimento. A ciência, no entanto, possui mecanismos para se corrigir ao longo do tempo. O que não se pode tolerar é a conduta de má-fé – ou seja, a prática consciente e intencional de inventar, adulterar, forjar ou distorcer dados. O erro é compreensível, mas a má-fé é uma escolha. E uma péssima escolha.
Para evitar problemas relacionados a retratações e manter uma conduta ética na pesquisa científica, especialmente se você é iniciante e ainda está aprendendo sobre a vida científica, considere algumas práticas que são listadas abaixo:
1. Conheça e siga os princípios éticos da ciência: Familiarize-se com as diretrizes éticas da sua área e com os padrões de boas práticas científicas. Consulte documentos de organizações respeitadas, como o COPE (Committee on Publication Ethics), e fique atento às normas da sua instituição.
2. Mantenha a transparência em todas as etapas do trabalho: Seja honesto sobre métodos, resultados e limitações do estudo. Não manipule dados para alcançar resultados desejados. A transparência aumenta a confiança na pesquisa e facilita sua reprodutibilidade.
3. Invista em uma sólida formação metodológica: Domine técnicas experimentais e analíticas para evitar erros que comprometam a integridade dos resultados. Busque orientações de colegas com experiência ou especialistas quando necessário.
4. Evite práticas de plágio e autoplágio: Cite corretamente todas as fontes utilizadas e não reutilize trechos ou dados de publicações anteriores sem a devida menção ou autorização. Utilize ferramentas de detecção de plágio para revisar seus textos antes de submetê-los.
5. Escolha coautorias e colaborações com cuidado: Certifique-se de que todos os colaboradores compreendem suas responsabilidades e contribuições no trabalho. Estabeleça expectativas claras desde o início.
6. Documente todo o processo de pesquisa: Mantenha registros detalhados de experimentos, dados brutos e análises realizadas. Isso ajuda a comprovar a veracidade do trabalho em caso de dúvidas.
7. Tenha atenção especial com a escolha da revista: Publique em revistas confiáveis, respeitada pelos pares, com políticas editoriais claras e rigoroso processo de revisão. Evite revistas predatórias.
8. Busque boa orientação e mentorias confiáveis: Especialmente para iniciantes, contar com uma boa mentoria e orientação é essencial. Não hesite em buscar orientações quando surgirem dúvidas ou desafios éticos.
9. Respeite os limites éticos em estudos com seres humanos e animais: Obtenha todas as aprovações éticas necessárias e trate participantes ou animais de maneira ética e responsável.
Seguir essas práticas não apenas previne problemas éticos, mas também contribui para um avanço confiável e respeitável da ciência. No JBCS, você pode acessar gratuitamente mais informações sobre escrita científica, ética e outros desafios enfrentados na carreira (acesse aqui). A SBQ tem sido uma sociedade científica que oferece grande suporte aos seus associados. Se você ainda não pertence ao quadro da SBQ, associe-se agora mesmo (clique aqui)! Como destacado em nosso site, a SBQ lidera movimentos em defesa permanente da ciência no país. Esclarecimento, cooperação na formação de jovens cientistas e debates éticos que impactam nossa ciência são pilares fundamentais dessa defesa. Além disso, a SBQ organiza regularmente eventos e iniciativas voltadas para a promoção da ética científica, como workshops e palestras em seus encontros anuais. Por meio dessas ações, a SBQ reforça seu compromisso com a qualidade e a ética na produção científica, contribuindo para o fortalecimento da pesquisa no Brasil. Este texto do Boletim Eletrônico da SBQ teve como ideia fomentar esta discussão e esclarecimento.
Fonte: Prof. Dr. Brenno A. D. Neto (UnB),Editor-in-Chief do JBCS
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