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"A destruição da floresta vem de dentro"
A química Luciana Gatti apresentará na 48a RASBQ seus estudos sobre as mudanças que vêm ocorrendo na Amazônia, e os agentes dessas mudanças
Em seu próximo artigo a coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luciana Vanni Gatti, vai apresentar evidências de que a destruição da floresta amazônica é basicamente causada pela ação humana dentro da floresta, com o objetivo de aumentar a produção agrícola e mineral na região.
Desde 2003 ela tem feito pesquisas na área das mudanças climáticas, focadas no entendimento do papel da Amazônia na emissão e na absorção de gases de efeito estufa, e o efeito do desmatamento e das variáveis climáticas nestes balanços.
"Por 14 anos, fizemos medidas de alta precisão de CO2 e CO na Amazônia. E os resultados fizeram a gente entender as mudanças que estão ocorrendo na floresta e quem são os agentes de mudança", conta a professora e pesquisadora.
Forte crítica do desenvolvimento econômico irresponsável, a química defende que a ciência e cientistas encontrem formas mais eficientes de comunicar-se com o público leigo, de forma a "socializar o conhecimento" e assim criar condições para mudanças de atitude que possam alterar o rumo dos eventos climáticos extremos.
Luciana será uma das participantes do Simpósio "Emergências Climáticas: a Química Age e Reage", na 48a Reunião Anual da SBQ. junto com o físico Paulo Artaxo (IF-USP). Ela concedeu a seguinte entrevista para o Boletim Eletrônico SBQ:
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Luciana Gatti (INPE): "O Brasil está impulsionando o aumento das emissões de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que faz um discurso de transição energética"
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O ano da COP 30 em Belém começa com a posse de Trump. A sra. diria que temos pela frente mais desafios de ordem científica ou de ordem política, no enfrentamento às mudanças climáticas?
Trump representa um grande desafio político. É o negacionismo. A extrema direita governa pelo susto, causando pânico. Então a gente sabe que um monte de coisas que ele coloca é para chocar, para ele virar notícia e dominar a pauta. Bolsonaro era assim também.
Mas quando você olha as emissões globais antes da chegada de Trump ao poder, elas não estavam reduzindo como deveriam, elas sequer estavam estabilizadas. Elas estavam crescendo. O discurso do Trump assume as ações de priorizar o capital financeiro, enquanto outros fazem isso, mas com um discurso muito bonito, por exemplo o próprio Biden. Veja, os Estados Unidos forçaram a Europa inteira a aumentar suas emissões de combustíveis fósseis quando os convenceu a não usarem o gás "natural" fóssil comprado da Rússia, que é o que menos emite entre os três combustíveis fósseis (carvão e petróleo emitem mais). Assim, os Estados Unidos venderam bastante petróleo, que conta como emissão europeia.
E aí vou falar do Brasil. O governo Lula tem um ministro de Minas e Energia que está impulsionando o aumento das emissões de combustíveis fósseis pelo Brasil, fazendo um discurso de transição energética o tempo todo. Ele está aumentando a produção de petróleo, promoveu um leilão de 600 novas áreas para exploração, e por outro lado está impulsionando termelétricas a gás "natural" fóssil importado. É outro negacionista, enganador, porque não adianta nada você aumentar a produção de renováveis e ao mesmo tempo aumentar a produção de fósseis. Temos que substituir uma pela outra e o mundo inteiro está nessa vibe. Estamos caminhando cada vez mais rapidamente para um colapso climático, e isso já acontecia bem antes de quando Biden se tornou presidente.
No contexto das emergências climáticas, o papel das universidades vai além da formação técnica de recursos humanos?
Existe essa discussão sobre a ciência ser neutra. Particularmente, acho isso um absurdo, como se nós não fôssemos habitantes desse planeta, como se não fizéssemos parte disso. Mas nós fazemos parte disso. A sociedade nos paga para estudarmos e devolver a ela nosso aprendizado. A ciência tem que contribuir com a sociedade socializando o que ela sabe. Caso contrário, não tem nenhuma esperança de a gente mudar o rumo, e os eventos extremos estão cada vez mais acelerados. O Brasil está caminhando para sofrer uma quebra generalizada, porque o desmatamento reduz a chuva e acelera ainda mais os eventos extremos.
E aí eu critico mais um ministro do Lula. A política de priorizar esse grande latifúndio de monocultura, de fazer vista grossa ao desmatamento, de não combater efetivamente as queimadas – ano passado o Brasil pegou fogo.
Então a ciência não pode se calar. Defender desmatamento zero até 2030 é inadmissível. Mesmo que conseguíssemos desmatamento zero hoje, isso não resolveria o problema porque não estamos diminuindo os eventos extremos.
Como a sra. enxerga o empreendedorismo enquanto opção viável para químicos, físicos, biólogos e afins, no Brasil?
Eu vejo o empreendedorismo como uma parte do caminho. É a ciência oferecendo opções que começam pequenas mas que têm potencial de se tornarem políticas públicas uma vez que forem abraçadas pelo governo. Então acho que é um caminho certo, mas tem que haver a socialização do conhecimento. Os cientistas têm que deixar de lado a linguagem técnica, os jargões, e adotar uma linguagem que todos entendam. A sociedade tem o direito de saber o que a gente sabe. A sociedade precisa saber quando ela está em risco e qual risco é esse. Quem mora no morro, na encosta, em áreas baixas perto de rios precisa saber como se defender, esse tipo de coisa…
A ciência tem que contribuir na busca de soluções e de esclarecimento do porquê estamos vivenciando as mudanças climáticas.
Como a sra. vê o papel da SBQ e outras sociedades científicas no Brasil de hoje?
É um papel muito relevante dentro desse contexto do que a ciência deve fazer. Eu vejo que a gente poderia estar dentro da SBQ tentando viabilizar essa coisa de traduzir a ciência para as pessoas, da ciência ficar mais próxima da sociedade. Não é à toa que a extrema direita coloca a ciência e os professores como inimigos. A extrema direita precisa da ignorância da sociedade para manejá-la mais facilmente. A ciência tem que combater isso viabilizando a socialização do conhecimento, e nesse sentido as sociedades científicas podem ser de grande importância.
De forma resumida, o que a sra. pretende falar no Simpósio da 48a RASBQ?
Eu pretendo apresentar como 14 anos de medidas de alta precisão de CO2 e CO na Amazônia fizeram a gente entender as mudanças que estão ocorrendo na floresta e quem são os agentes de mudança. A pergunta científica hoje mais importante é: quem está impactando mais a floresta amazônica: as mudanças climáticas globais ou a ação humana dentro da floresta? Esse vai ser meu próximo artigo e eu já posso adiantar que temos evidência de que é a ação humana dentro da floresta. Pessoas por trás do interesse econômico de transformar a Amazônia em um grande centro de produção de carne, soja, milho, palma e mineração.
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
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