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Fim dos Microplásticos? É só o Começo…
Quando se trata de discutir o nascimento da ciência de polímeros, alguns marcos históricos são comumente citados, como a síntese da Baquelite por Leo Baekeland em 1907 ou a descoberta do poliisopreno pelo Michael Faraday em 1839. Mas a descoberta que primeiro promoveu o entendimento de polímeros como moléculas com uma quantidade inimaginável (inimaginável naquela época…) de ligações covalentes foi do alemão Hermann Staudinger. Em 1920, Staudinger publicou o artigo "Über Polymerisation" (Sobre polimerização), mostrando que algumas soluções que se acreditava serem colóides supramoleculares, eram na verdade soluções de moléculas "gigantes" e covalentes, os polímeros. Com a prova de conceito de que polímeros existem, vieram outras contribuições científicas para entendê-los melhor; com elas, vieram os desenvolvimentos tecnológicos; e com estes, a dor e a delícia (Veloso C., 1977) da onipresença dos plásticos em nossas vidas.
Com alguma ironia histórica, em 1988 o prêmio Nobel Jean-Marie Lehn tomou um caminho de volta às origens e publicou o artigo "Supramolecular Polymerization" mostrando que interações supramoleculares poderiam gerar agregados moleculares não-covalentemente ligados com propriedades poliméricas. Com esse artigo, vieram outros aprofundamentos científicos; e com eles vieram os desenvolvimentos tecnológicos como os polímeros self-healing e os smart materials (materiais responsivos a estímulos específicos como pH, luz, etc…), entre outros. Com as várias tecnologias criadas a partir da polimerização supramolecular veio a ambição de atacar os problemas causados pela crise da poluição plástica. Foi então que, em 22 de Novembro de 2024, a revista Science publicou o artigo "Mechanically strong yet metabolizable supramolecular plastics by desalting upon phase separation" que mostrou a prova de conceito de que a polimerização supramolecular poderia abordar um dos pontos centrais da crise de poluição plástica que vivemos hoje: os microplásticos. A partir da mistura simples de duas soluções iônicas se formam agregados moleculares de forte atração supramolecular, que se separam do meio por decantação (assistam o vídeo no material suplementar do artigo prá checar a simplicidade do método). O produto é transparente e resistente a forças mecânicas comumente aplicadas a produtos plásticos. De quebra, este polímero supramolecular é moldado por calor e, cereja do bolo, se dissolve em contato com soluções salinas. Este é um dos pontos mais destacados nas repercussões recentes deste artigo nas mídias de divulgação científica. O artigo aponta para um caminho interessante para um polímero que pode ser devolvido aos seus monômeros com facilidade e bom rendimento, sem a formação de subprodutos tóxicos, o que as tecnologias atuais para os polímeros convencionais ainda não entregam. Claramente se trata de uma prova de conceito e ainda precisam ser desenvolvidas a escalabilidade, a viabilidade financeira, as diferentes aplicações e a aditivação necessária para a modulação fina das propriedades de mercado necessárias. Mas é uma excelente notícia que estejamos no caminho de um material mais ambientalmente amigável e que poderia substituir os plásticos convencionais com maiores chances de parar no meio ambiente na forma de microplásticos.
Não posso deixar de citar que no Brasil temos pesquisas similares acontecendo. Em pesquisa no Web of Science, o Brasil tem 341 artigos sobre o tema, com destaque para USP, UFMG, Unicamp, Unesp e UFSM. Pessoalmente, conheço o projeto "Complexos polieletrolíticos compactos de precursores polissacarídicos" do doutorando Guilherme Henrique Vedovello Silva, com o Prof. Dr. Watson Loh e Prof. Dr. Caio Otoni.
Encerro esse texto com um trecho de recente entrevista de um dos autores correspondentes, o Prof. Dr. Taruko Aida, da Universidade de Tóquio: "Recently, I have often had an internal conversation with myself about how long human beings are allowed to survive on this planet, because I cannot imagine what our world would be like in 100 years, considering the current critical situation. So far, we have spent a long time for developing cutting-edge functional materials; however, I think that from now on we need to spend an equally long time developing materials that contribute to the realization of a sustainable society."
[Artigo perfilado aqui] Yiren Cheng et al. Mechanically strong yet metabolizable supramolecular plastics by desalting upon phase separation. Science 2024, 386, 875-881.DOI:10.1126/science.ado1782 [Entrevista antiga de um dos autores correspondentes] Aida, T. On Supramolecular Polymerization: Interview with Takuzo Aida. Adv. Mater. 2020, 32 (20), 1905445. DOI:10.1002/adma.201905445
Fonte: Walter Ruggeri Waldman, Universidade Federal de São Carlos
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