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A química verde de John Warner: sala cheia e livros esgotados
Foi com a sala repleta de químicas e químicos curiosos e atentos que John Warner, considerado um dos "pais" da química verde subiu ao palco para proferir sua conferência na 48a RASBQ, dia 9 de junho, em Campinas. Quando ele saiu, todos estavam encantados com seu jeito acessível e a contundência com a qual passou seus recados. "Precisamos dotar estudantes e pesquisadores com a capacidade de fazer química verde, não importa sua área na química ou seu nível de formação", disse.
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John Warner em vários momentos na RASBQ: Em sua conferência com sala cheia; conhecendo os experimentos do SBQ na Escola; e na sessão de autógrafos, com as tradutoras do seu livro, Profa. Cintia Milagre (Unesp), Juliana Vidal (Beyond Benign) e Profa. Dulce Silva (Unesp). |
Sua definição de química verde é composta de três pontos: uma nova tecnologia melhor do que a atual; uma tecnologia de menor custo que a atual; e uma tecnologia que seja menos nociva ao meio-ambiente e à saúde humana do que a atual. Isso vale para novas rotas de síntese, de catalisadores, novas moléculas e materiais, metodologias analíticas, tudo que é feito por químicos. Neste sentido, "química verde" não deve ser confundida com "química ambiental".
Foi a primeira vez que Warner veio à RASBQ. Além da conferência, ele participou do lançamento da edição em Português do seu livro "Química Verde, teoria e prática", escrito em parceria com o professor Paul Anastas, e traduzido pelas professoras Cintia de Freitas Duarte Milagre, Dulce Helena Siqueira Silva, do Instituto de Química da Unesp, e pela pesquisadora Juliana Vidal, do Beyond Benign.
"O livro é escrito para qualquer pessoa que lide com moléculas e materiais, seja em um laboratório na escola, em uma empresa ou um centro de pesquisa… Qualquer um que lide com a Química deveria abraçar os princípios da química verde", afirma Warner.
O livro foi escrito originalmente em 1998, e nunca havia sido traduzido para o Português. "Essa tradução é a realização de um sonho. Há muito tempo vimos usando a edição em inglês, mas considerando a dificuldade com o inglês no ensino médio e às vezes na graduação, e dadas as fortes assimetrias regionais do Brasil, ter o conteúdo em Português vai ampliar muito o acesso de estudantes brasileiros aos princípios da química verde", afirma a professora Cintia, sócia de longa data da SBQ e representante da Unesp junto ao Compromisso com a Química Verde, da entidade Beyond Benign, liderada por Warner.
Ela explica que a íntegra do livro em português vai reduzir o risco de equívocos causados por traduções simplistas comumente vistas por aí, como no caso em que o princípio "1. Prevenção. Evitar a produção do resíduo é melhor do que tratá-lo ou 'limpá-lo' após sua geração." é interpretado para prevenção de acidentes, por exemplo.
A professora Dulce, também antiga sócia da SBQ, destaca a ideia central do livro de reformular as noções básicas da química, para que passe a ser uma ferramenta para construir soluções norteadas pelas lentes da sustentabilidade. "Precisamos estimular a criatividade dos profissionais da química a partir da compreensão dos princípios da química verde, de forma que estes princípios estejam na base das diversas áreas da química", observa a docente.
Na Unesp, o livro será adotado na graduação, na disciplina obrigatória "Introdução ao estudo da Química Verde", e também em atividades extensionistas, no sentido de combater o que a professora Cintia classifica como "Quimiofobia" junto ao público leigo. "Ou seja, mostrar que a química não é sinônimo de poluição ou problemas de saúde, muito ao contrário."
Na RASBQ, Warner viu um pouco de todas as atividades, exceto às do último dia quando, por motivo de agenda, já havia deixado o Brasil. Ele ficou especialmente tocado com o SBQ na Escola, tradicional atividade de experimentos práticos de química para crianças do ensino fundamental e médio de escolas locais, coordenado pelo professor Alfredo Mateus, do Colégio Técnico da UFMG (COLTEC). Nada online, e tudo "mão na massa", diferentemente do que ele costuma ver em outros países.
"Ele realmente gostou muito…. Conversamos um bocado, eu mostrei a ele cada um dos experimentos e como a gente estava conversando com os alunos e explicando os fenômenos e os modelos. Acho que foi muito interessante ele ter podido ver esse tipo de mostra, pois isso não é algo que acontece normalmente em eventos científicos", declara o professor Mateus.
Com um total de 160 páginas, "Química Verde, teoria e prática" é divido em 10 capítulos: Introdução; O que é química verde?; As ferramentas da química verde; Os princípios da química verde; Avaliação dos efeitos da química; Avaliação de matérias-primas e materiais de partida; Avaliação dos tipos de reação; Avaliação de métodos para o desenvolvimento de produtos químicos seguros; Exemplos de química verde; Tendências futuras em química verde mais Exercícios e Referências.
O professor John Warner conversou com o Boletim Eletrônico SBQ:
Sobre a adesão global aos princípios da Química Verde
A adesão aos princípios da química verde se dá de maneiras distintas em locais diferentes do globo. Nos Estados Unidos, observo que a indústria abraça mais. Em outros países, a academia abraça mais.
Isso não se dá tanto por restrições ou imposições regulatórias. Penso que se seu objetivo é publicar um artigo sobre algo que você não tem a intenção de levar ao mundo real, talvez não importe tanto se a química seja verde ou não, pois são apenas palavras no papel. Mas se você está desenvolvendo um produto ou um processo, você precisa se preocupar com a saúde humana e o meio-ambiente.
Gosto de pensar que nós químicos não estejamos perdendo tempo, e que o trabalho que desenvolvemos em laboratório seja um dia útil de alguma forma para contribuir para a solução das questões da humanidade, e neste sentido, todos deveriam abraçar a química verde.
Sobre a questão do custo alto de novas tecnologias
Minha definição de química verde é: uma nova tecnologia que funciona melhor que uma tecnologia incumbente, custa menos e também é mais sustentável. Quem não quer algo que funciona melhor, custa menos e é mais seguro para o meio-ambiente e a saúde humana? Então acredito que a indústria quer a Química Verde, mas seus cientistas não sabem fazê-la em seus três aspectos. Não se trata de falta de vontade, mas de capacidade.
É por isso que este livro está transformando a realidade: do desejo de fazer química verde para a habilidade para fazer química verde.
Um bom inventor cria uma novidade que tem custo baixo. Um inventor não tão bom, cria uma novidade que tem um custo não tão baixo. Um bom inventor faz algo que funciona muito bem, um inventor não tão bom, faz algo que não funciona tão bem. Um bom inventor faz a coisa sustentável, um inventor não tão bom, não…. Então é realmente uma questão de competência e habilidade, não de mero desejo.
Sobre o Brasil e a Química Verde
Depois dos EUA, o Brasil é o país com mais universidades signatárias do Compromisso com a Química Verde. Isso é admirável, mas ainda tem uma longa estrada pela frente. Quando olho para o percurso do estudante que entra na graduação, aprende a química e depois vai trabalhar na indústria, vejo que a maioria não tem nenhum contato com a Química Verde. Então considero que o grande desafio dos nossos dias é sermos capazes de educar e treinar essa geração para que adquiram as habilidades da Química Verde. Se fizermos isso, tudo o que eles vierem a produzir será melhor, menos custoso e mais sustentável.
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
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