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Por que o metanol é tão tóxico?
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Metanol (CH3OH) e etanol (CH3CH2OH) são os álcoois mais simples que conhecemos. Eles não podem ser distinguidos um do outro pelo gosto, cheiro, cor ou viscosidade. Estruturalmente são muito parecidos, então, por que o metanol é tão mais tóxico que o etanol? Como o metanol pode causar cegueira e matar em tão baixas doses? O problema está em como o organismo "trabalha" com cada uma das substâncias quando elas entram no nosso corpo, como veremos adiante. No caso do metanol, cegueiras permanentes já foram relatadas com doses tão baixas quanto 0,1 mL por quilo (ou seja, um adulto ingerindo de 6-10 mL de metanol puro já poderia ficar cego, embora isso dependa de diversos outros fatores como idade, estado geral de saúde, ingestão concomitante de etanol, dentre outros). Já a dose letal gira em torno de 1–2 mL por quilo de peso corporal. Isso significa que um adulto de 60 quilos pode morrer ao ingerir cerca de 60 mL de metanol puro. Para comparação, um drink costuma levar cerca de 50 mL de bebida destilada. Dependendo do volume de metanol adicionado a uma bebida adulterada, poucas doses já podem ser fatais se o envenenamento não for diagnosticado a tempo. Se identificado precocemente, no entanto, o efeito pode ser revertido.
Mas como o metanol é tão tóxico? No corpo humano, o metanol é transformado (metabolizado), por uma enzima chamada álcool desidrogenase, em formaldeído. Essa transformação é relativamente lenta e ocorre principalmente no fígado (embora já comece na mucosa gástrica). Como o processo é lento, um período de latência, com poucos sintomas de intoxicação, pode durar de 12-24 horas. Uma vez formado, o formaldeído é transformado muito rapidamente, por uma enzima chamada aldeído desidrogenase, em ácido fórmico. O ácido fórmico é que é extremamente tóxico para o organismo humano. Em pH fisiológico, ele se dissocia em formiato, que é então transformado em gás carbônico e água, mas esse processo é muito lento, fazendo com que a sua eliminação do organismo seja vagarosa. Em suma, essa combinação de processos lento, rápido, lento, faz com que o ácido fórmico se acumule no organismo e cause todos os problemas observados no envenenamento por metanol (acidose metabólica, lesão do nervo óptico, danos no sistema nervoso central, dentre outros), por diferentes mecanismos.
E o etanol? A dose letal do etanol gira em torno de 6-10 mL de etanol puro por quilo de peso corporal. O etanol, durante sua metabolização no organismo, é inicialmente transformado, também pela mesma enzima álcool desidrogenase, em acetaldeído, o qual é depois oxidado a ácido acético. No pH fisiológico este último se encontra como acetato que, convertido em acetilcoenzima A, será oxidado pela respiração celular produzindo gás carbônico e água ou utilizado como intermediário na construção de outras substâncias do nosso organismo como colesterol, ácidos graxos etc. Em resumo, metanol e etanol parecem similares, mas nosso organismo os "enxerga" e os transforma de maneiras muito diferentes!
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No caso do metanol, o prognóstico é bom se o envenenamento for identificado nas primeiras horas. Existem antídotos. O próprio etanol pode competir com o metanol pela enzima álcool desidrogenase e tem maior afinidade por ela (20 vezes mais!), então a enzima "prefere trabalhar" com o etanol e deixar o metanol sem ser transformado no seu derivado tóxico, de um ponto de vista mais simples... Há ainda outro antídoto (uma substância chamada fomepizol), bem como a possibilidade de se fazer hemodiálise para remover as substâncias tóxicas antes que atinjam os órgãos alvo, dentre outros protocolos. Infelizmente a maioria dos pacientes já é admitida no hospital em fases mais avançadas da intoxicação e as consequências podem ser fatais.
Como o metanol pode ter ido parar nas bebidas e porque há tantos casos de intoxicação por metanol no mundo, por ano? Isso nós discutiremos na próxima edição do Boletim Eletrônico da SBQ...
Rossimiriam Freitas (Presidenta da Sociedade Brasileira de Química-SBQ)
Referências:
Vildan Ozer, Ozlem Bulbul, Dilek Uzlu, Aylin Arici, Emily Kiernan, Semih Korkut & Aynur Sahin (2025) Ocular toxicity due to methanol poisoning: a case series and review of the literature, Toxin Reviews, 44:2, 113-128.
Otakar J. Mika, Helena Weissmannova-Dolezalova & Lenka Fiserova (2014) Mass methanol poisonings in the Czech Republic, Toxin Reviews, 33:3, 101-106.
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