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YAGHI EXCLUSIVO À SBQ:
"Nossa missão é também humanitária"
Vencedor do Nobel de Química guarda recordações da RASBQ em 2015, e afirma que deseja estabelecer colaborações com químicos brasileiros
O químico Omar Yaghi (UC-Berkeley), vencedor do Prêmio Nobel de Química de 2025, disse ao Boletim Eletrônico da SBQ, que a química, e particularmente a área ligada às MOFs e COFs, deve continuar a evoluir com propósito: "Estamos todos em uma missão científica, mas também humanitária. Devemos alcançar a sociedade, melhorar as condições da vida e nortear a responsabilidade com o planeta", afirmou por email, no último domingo.
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Omar Yaghi na 38ª RASBQ, em 2015: "Espero passar os próximos anos trabalhando colaborativamente nessa missão científica e humanitária com a comunidade química internacional, incluindo os pesquisadores e estudantes brasileiros, incrivelmente talentosos"
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Yaghi lembrou com carinho de quando esteve no Brasil a convite da SBQ para a Reunião Anual de 2015, realizada em Águas de Lindóia. Na época, muitos já apostavam que o Prêmio Nobel viria a reconhecer seu trabalho no desenvolvimento das MOFs, a partir das bases criadas por Richard Robson, da Universidade de Melbourne.
MOFs são redes metalorgânicas porosas, com cavidades em escala nanométrica, criadas a partir de interações covalentes entre íons ou clusters metálicos e ligantes orgânicos. Por se tratarem, em sua grande maioria, de ligações fortes, esses materiais, que são obtidos na forma de sólidos policristalinos, são química e termicamente estáveis e apresentam enorme superfície interna. O Nobel acabou reconhecendo então a importância do trabalho fundamental dos professores Robson e Yaghi, e também do cientista japonês Susumu Kitagawa, da Universidade de Kyoto. Yaghi, nascido em 1965, é o mais novo dos três, e o primeiro jordaniano a vencer um Prêmio Nobel.
“Espero passar os próximos anos trabalhando colaborativamente nessa missão científica e humanitária com a comunidade química internacional, incluindo os pesquisadores e estudantes brasileiros, incrivelmente talentosos”, afirmou.
O Prof. Yaghi destaca a importância da I.A. e do machine learning para o futuro da química de materiais. “Acredito que este momento é também um começo. Uma das fronteiras mais instigantes com as quais nos defrontamos é a integração da I.A. e do machine learning à descoberta de novos materiais. Essas ferramentas nos permitem acelerar o ritmo com que desenhamos novos materiais – especialmente os materiais necessários para endereçar as grandes questões globais, como energia limpa, água potável, captura de carbono e produção sustentável”, afirmou.
Quando Yaghi veio à RASBQ dez anos atrás, seu paper revolucionário que descreveu a MOF-5 e sua imensa área de superfície interna já contava 16 anos e sua obra tinha em torno de 65 mil citações – hoje são mais de 250 mil. Na época, Yaghi estava empolgado com o que chamou de segunda geração de MOFs, ou “MOFs inteligentes”: estruturas metalorgânicas flexíveis, que poderiam ser sintetizadas para reagir de alguma maneira específica a diferentes estímulos externos (pH, radiação, temperatura, presença de gases, entre outros). Em sua “missão humanitária”, a partir dessa segunda geração de MOFs, Yaghi conseguiu desenvolver seu agora famoso dispositivo para captação de água de regiões desérticas, em que os poros das MOFs capturam o vapor de água à noite e liberam durante o dia.
As aplicações das MOFs são inúmeras, e vêm crescendo rapidamente ao redor do mundo.
Um dos pioneiros na pesquisa com MOFs no Brasil é o professor Severino Alves Júnior (UFPE) – sócio da SBQ desde a década de 1990 –, que estudava compostos de coordenação envolvendo terras raras, e teve a oportunidade de trabalhar com a equipe do Nobel de Química de 1987, Jean Marie-Lehn. Seu primeiro artigo sobre essas estruturas foi publicado em 2009.
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Prof. Severino Alves Júnior (no centro, de óculos) com seus alunos: Atualmente o grupo trabalha em um projeto para desenvolver MOFs para regeneração óssea, utilizando células tronco
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Em sua visão, as MOFs são o resultado dos esforços da química de coordenação para conseguir organizar o vazio: “Há décadas, a química de coordenação tem buscado arquiteturas capazes de dar forma ao vazio. Os Metal-Organic Frameworks concretizam essa ideia, transformando a porosidade em uma ferramenta de engenharia, em que estrutura e função emergem de um desenho programável”, escreveu neste Boletim.
Com sua equipe, o Professor Júnior já desenvolveu MOFs para finalidades diversas, em linha com a missão humanitária proposta por Yaghi: carreadores de fármacos, ferramentas para terapia e diagnóstico de câncer, marcadores luminescentes em munição…. Atualmente ele está trabalhando em um projeto com o objetivo de desenvolver MOFs para regeneração óssea utilizando células-tronco. “São muitas as possibilidades e, portanto, as oportunidades nessa área fascinante das MOFs”, resume.
No Instituto de Química da Unesp, em Araraquara, a professora Regina Frem – sócia da SBQ desde a década de 1980 – encontrou um novo e produtivo campo de pesquisa dentro da sua área de atuação, a Química de Coordenação, quando em 2010, já aos 51 anos de idade, foi realizar seu pós-doutoramento em MOFs na Universidade de Aveiro (CICECO). Ao longo dos últimos quinze anos, a cientista orientou cerca de 30 alunos e segue pesquisando com vigor, agora na condição de professora sênior.
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Professora Regina Frem (de preto, de óculos) com seus "mofiosos": "Todo o reconhecimento à minha carreira vem ocorrendo depois do desenvolvimento das pesquisas realizadas em nosso laboratório sobre as MOFs. É por essa razão que nunca devemos desistir dos nossos sonhos"
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“Todo o reconhecimento à minha carreira vem ocorrendo depois do desenvolvimento das pesquisas realizadas em nosso laboratório sobre as MOFs. É por essa razão que nunca devemos desistir dos nossos sonhos. Durante toda essa trajetória, além de grandes desafios, muitas conquistas foram alcançadas, como o convívio agradabilíssimo com meus estudantes, o nosso prazer pelas novas descobertas científicas, as parcerias estabelecidas, etc.”, revela.
Entre as aplicações investigadas pela Profa. Frem e sua equipe, destacam-se o uso de MOFs em fotônica (termometria molecular, sensoriamento luminescente e construção de dispositivos emissores de luz), em sistemas de liberação de fármacos e outras substâncias bioativas, e como catalisadores heterogêneos em reações de transformação de CO2.
Ela elenca dois grandes desafios nessa área para serem superados nos próximos anos. “A pesquisa em MOFs já está muito solidificada quanto às etapas de síntese, caracterização e aplicações (cerca de 93% das publicações). Mas ainda são poucos os trabalhos que conseguiram fazer a necessária lab-to-market transition”, observa. “E agora após essa premiação, o meu desejo e expectativa são a de que possamos não só atrair uma gama maior de jovens cientistas para a área como também despertar a atenção e atrair o interesse da indústria brasileira frente à versatilidade química e potencialidade de aplicação desses materiais porosos.”
O professor Willian Xerxes Coelho de Oliveira (UFMG) – sócio da SBQ desde 2010 – é um jovem pesquisador que mergulhou na área de MOFs desde de antes do doutorado, concluído em 2016. Atualmente ele conduz uma pesquisa que utiliza MOFs como esponjas iônicas para a remoção de metais pesados em águas superficiais contaminadas – e reaproveitamento delas como catalisadores para degradação de poluentes orgânicos emergentes – nas bacias do Rio Doce, Rio das Velhas e Rio Itabirito.
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Prof. Willian Xerxes (segundo à esquerda) com seu grupo de pesquisa: rompimento de barragens motivou pesquisa com MOFs para descontaminação de metais pesados
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“Minha motivação para esse estudo vem do rompimento das barragens que afetaram Minas Gerais na última década”, explica. “Nós reproduzimos uma MOF descrita na literatura, depois fizemos uma alteração nos conectores, que alterou a arquitetura original, e apelidamos de UFMG-1.” A ideia a ser testada é construir um sistema de filtros, deixar submerso e capturar os metais contaminantes por adsorção.
O Prof. Willian Xerxes é um entusiasta da área de MOFs, e foi um dos organizadores do primeiro Encontro Brasileiro de MOFs, realizado na UFMG no final de setembro. O encontro reuniu em torno de 70 participantes, e o livro de resumos dá uma boa ideia da diversidade de projetos de pesquisa com MOFs sendo conduzidos no Brasil. “O próximo será em 2027, em Pernambuco”, anuncia o Prof. Severino Alves Júnior.
Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)
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