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Consultores ad hoc e a Portaria CNPq nº 2.192: Implicações para a comunidade científica
Em artigo publicado na revista Química Nova em 2001, Filgueiras discute as características da chamada ciência central, ciência periférica e ciência marginal. Segundo o autor, a ciência central é abrangente e excludente, tendo se consolidado historicamente no contexto da expansão colonial europeia decorrente das grandes navegações dos séculos XV e XVI.
Para ser classificada como central, sua prática exige o cumprimento de diversos critérios, entre eles a avaliação constante por profissionais competentes da mesma área. No sistema científico contemporâneo, esse princípio manifesta-se nos processos de revisão por pares e na análise de projetos submetidos às agências de fomento, como CNPq, CAPES, FINEP e fundações estaduais. Assim, a lógica de validação que historicamente caracteriza a ciência central permanece estruturando o modo como o conhecimento é avaliado hoje, conferindo importância decisiva ao trabalho dos pareceristas e demais instâncias de assessoramento científico.
No caso do CNPq, a análise das propostas é realizada por sua Assessoria Científica, Tecnológica e de Inovação, responsável por subsidiar decisões de financiamento em resposta aos diversos editais de fomento à pesquisa, formação de recursos humanos e organização de eventos científicos. Para conferir transparência e eficiência ao processo, a estrutura do CNPq inclui vários órgãos de assessoramento, entre os quais se destacam os Comitês de Assessoramento (CAs). Esses comitês utilizam pareceres de consultores ad hoc, que atuam de forma independente, avaliando processos específicos que lhes são atribuídos. Esses pareceres são centrais para o sistema, pois permitem que especialistas contribuam tecnicamente para a análise das propostas e garantem a participação ampla da comunidade científica no processo decisório — especialmente relevante em um cenário de recursos escassos.
O sistema vem sendo aperfeiçoado continuamente, embora críticas sejam recorrentes — o que é esperado em processos seletivos competitivos, nos quais nem todas as propostas podem ser contempladas.
Em março de 2025, o CNPq publicou a Portaria nº 2.192, que estabelece novas normas para os Órgãos de Assessoramento Científico, Tecnológico e de Inovação. O documento apresenta diretrizes atualizadas para a composição, renovação e atuação dos CAs. Trata-se de material fundamental, que deve ser conhecido por todos os envolvidos no sistema de fomento, seja como proponentes, seja como consultores ad hoc.
A principal novidade está no Capítulo VI, dedicado à atuação dos consultores ad hoc. A partir da portaria, os pareceres passam a ser avaliados e receberão notas conforme sua qualidade. O Art. 47 estabelece:
“Os pareceres emitidos pela consultoria ad hoc serão avaliados pelos Comitês de Assessoramento.
§1º Os pareceres poderão ser considerados RUIM, BOM ou EXCELENTE e posteriormente convertidos para as respectivas notas 0,3; 0,7 e 1,0.”
Os artigos subsequentes definem os critérios de avaliação e as punições cabíveis quando os pareceres forem considerados insatisfatórios. As penalidades variam de advertência ao cancelamento da bolsa de produtividade, em casos extremos.
O CNPq frequentemente recebe recursos referentes aos resultados de seus editais, nos quais podem surgir questionamentos sobre diferentes etapas do processo avaliativo, incluindo os pareceres técnicos. Assim, a nova medida procura fortalecer a qualidade e a transparência das avaliações, promovendo o aprimoramento contínuo do sistema e valorizando a atuação dos consultores.
Como as agências de fomento publicam grande número de portarias e normas, essa mudança pode ter passado despercebida por parte da comunidade química. Nesse contexto, consultar o texto integral da portaria torna-se particularmente útil para compreender os novos critérios. Da mesma forma, ao submeter um projeto, é recomendável que o proponente examine atentamente cada item do edital e suas normas complementares, já que uma parcela significativa das propostas é rejeitada por descumprimento de requisitos básicos.
O aperfeiçoamento do sistema de fomento, no entanto, depende não apenas da clareza e atualização das normas, mas também de um equilíbrio saudável entre a cobrança por qualidade e o apoio institucional aos consultores. Valorizar e reconhecer o trabalho desses profissionais é fundamental, pois a integridade e a efetividade das decisões de fomento estão diretamente ligadas ao compromisso e à competência de quem atua na avaliação.
Luiz Cláudio de Almeida Barbosa
Professor Titular do Departamento de Química da UFMG
E-mail: lcab@outlook.com
Para saber mais:
Filgueiras. C. A. L. Quim. Nova, Vol. 24, No. 5, 709-712, 2001. [Link]
Portaria CNPQ Nº 2.192 [Link]
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