Topo Boletim Eletrônico da SBQ
   Notícias | Eventos | Oportunidades | Receba o Boletim | Faça a sua divulgação | Twitter | Home | SBQ

Boletim Eletrônico Nº 1677 - 04/12/2025




DESTAQUE

Ganhos da COP 30 estão mais na mobilização popular do que no relatório final


Temas cruciais como o caminho para o fim dos combustíveis fósseis e o desmatamento não foram contemplados no texto de consenso entre os países

Depois de quase duas semanas de debates, com a participação de quase 60 mil pessoas inscritas, a COP 30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) produziu um relatório que vem sendo criticado por cientistas de diversas áreas do saber. Um dos pontos mais citados é que o texto final omitiu a expressão "combustíveis fósseis".

Segundo os pesquisadores, essa omissão é "uma traição à ciência" e coloca em risco a meta de limitar o aquecimento a 1,5 °C, já que sem uma eliminação gradual dos combustíveis fósseis e sem desmatamento não é possível manter um orçamento de carbono compatível com esse limite. O relatório final da COP não detalha o "mapa do caminho" para a transição energética.

Luciana Vanni Gatti (INPE): "Lamentavelmente o Brasil está nesse bloco de países que não contribuem para a desaceleração das mudanças climáticas. Temos dentro do governo o Ministério das Minas e Energia e o Ministério da Agricultura trabalhando pela destruição ambiental"

Outra crítica é que a menção sobre florestas está restrita ao preâmbulo e não há compromissos urgentes para programas ou financiamento vinculados à conservação, restauração ou governança das florestas.

"Eu ficaria muito surpresa se a COP 30 tivesse tido sucesso em um acordo pela redução de combustíveis fósseis e desmatamento zero já", afirma a química Luciana Vanni Gatti, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Ela é uma das maiores especialistas no entendimento do papel da Amazônia na emissão e na absorção de gases de efeito estufa e o efeito do desmatamento e das variáveis climáticas nestes balanços.

Gatti pontua que os países grandes produtores de petróleo não querem perder as vantagens econômicas do combustível sujo e barato. "E lamentavelmente o Brasil está nesse bloco de países que não contribuem para a desaceleração das mudanças climáticas. Temos dentro do governo o Ministério das Minas e Energia e o Ministério da Agricultura trabalhando pela destruição ambiental, e o Ministério do Ambiente, pela preservação. Sabemos bem quem ganha essa batalha", avalia.

Em sua visão, o problema é o modelo econômico baseado na produção de commodities agrícolas, e que pressupõe a destruição da vegetação para o aumento da área plantada – ou de pastagem. "Ano a ano o governo aumenta o subsídio com um Plano Safra cada vez maior. Estamos destruindo a Amazônia para alimentar porcos na China. Isso precisa ser discutido", alerta a pesquisadora. O valor nominal destinado pelo governo federal ao Plano Safra subiu de 216 bilhões de reais em 2015 para 475 bilhões de reais este ano.

Ana Paula Paim (UFPE): "As pessoas adoraram as atividades, palestras e interações da Zona Verde, e acredito que a COP ajudou a trazer ciência para o dia-a-dia da população"

Se o relatório final não saiu da maneira desejada por cientistas, a mobilização popular em torno da COP 30 é tida como o maior ganho do evento. A química Ana Paula Paim, docente da UFPE, tesoureira adjunta da SBQ, e presidente do CRQ-I, participou da COP 30 em um estande montado pelo CFQ, onde fez uma apresentação sobre um projeto de aquaponia desenvolvido no interior de Pernambuco.

Ela conta que na Zona Verde o foco foi a divulgação científica (na Zona Azul ocorreram as negociações entre os países), e as palestras e atividades eram abertas ao público, que compareceu em grande número todos os dias.

Um estande da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) se propunha a medir a pegada ambiental das pessoas. Era um totem com tela touch, que fazia perguntas: Qual a comida que a gente se alimenta? Se consome carne, frango, peixe? Se faz separação dos resíduos? Se tem coleta seletiva? Qual o sistema de transporte que utiliza (público, particular)? Quantas horas passa no trânsito para ir ao trabalho usando o carro? Viaja de avião? Qual o percurso que mais utiliza? "Eu descobri que minha pegada de carbono é de 12 toneladas, e teria de plantar 600 árvores para compensar", relata a docente. "As pessoas adoraram esse tipo de interação, e acredito que a COP ajudou a trazer ciência para o dia-a-dia da população."

O químico Fernando Fabriz Sodré, docente da UnB e diretor da divisão de Química Ambiental da SBQ, tem uma visão menos crítica do relatório da COP 30. "Talvez não tenhamos atingido plenamente os objetivos planejados, pois o relatório precisa ser fruto de consenso, e os países produtores de petróleo embargam as tentativas de reduzir emissões, mas uma mobilização dessas nunca é um fracasso total", reflete.

Fernando Fabriz Sodré (UnB): "Tenho esperança de que o mapa do caminho para a transição energética avance até a próxima COP"

Ele argumenta que a tentativa de estabelecer esses acordos é uma evolução lenta, mas ainda assim é uma evolução. "Tenho esperança de que o mapa do caminho para a transição energética avance até a próxima COP", afirma. O mapa do caminho é uma proposta concreta do governo brasileiro, que indica um caminho possível para a transição energética. Embora não tenha sido aprovado em consenso, teve o apoio de aproximadamente 80 países.

Mesmo assim, otimismo não é a melhor definição para o sentimento neste momento. "Na disciplina de química ambiental, destrincho o relatório do IPCC com meus alunos, falamos sobre as metas do Acordo de Paris e tudo que aconteceu depois, e percebo como isso mexe com os alunos. Nunca é uma aula da qual saem confiantes. Talvez a gente tenha que lidar com o fato de que o mundo vai ser diferente, como consequência das nossas escolhas."

Leia a íntegra do relatório final da COP 30: https://static.poder360.com.br/2025/11/COP30-texto-final.pdf


Texto: Mario Henrique Viana (Assessoria de Imprensa da SBQ)



Contador de visitas

     

SBQ: Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - Bloco 3 superior, sala 371 - CEP 05508-000 - Cidade Universitária - São Paulo, Brasil | Fone: +55 (11) 3032-2299