Topo Boletim Eletrônico da SBQ
   Notícias | Eventos | Oportunidades | Receba o Boletim | Faça a sua divulgação | Twitter | Home | SBQ

Boletim Eletrônico Nº 1679 - 18/12/2025




DESTAQUE

Entidades científicas, incluindo a SBQ defendem autonomia nacional na cadeia de terras-raras


Documento é assinado por SBPC, ABC, SBQ, SBG, SBF e SBPMAT

Seis entidades científicas, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), divulgaram uma nota técnica sobre terras-raras alertando para a dependência do Brasil na cadeia produtiva desses insumos e propondo ações coordenadas para consolidar a autonomia tecnológica nacional em áreas estratégicas.

O documento, intitulado “Da Mina ao Imã: Rumo à autonomia Tecnológica Nacional em Energia, Saúde e Defesa”, destaca que o principal desafio do país não é científico, mas industrial. Universidades, institutos de pesquisa e o INCT Terras-Raras já dominam, em escala laboratorial, as rotas químicas e metalúrgicas para a produção de óxidos purificados e ligas magnéticas utilizadas, por exemplo, em turbinas eólicas, veículos elétricos e equipamentos de ressonância magnética. O entrave está na ausência de plantas-piloto e unidades de demonstração industrial, essenciais para o escalonamento produtivo.

Segundo as entidades, o objetivo deve ser superar essa lacuna estrutural e avançar para uma etapa decisiva da cadeia produtiva. “Trata-se de avançar da extração e separação laboratorial para a engenharia de processos, o escalonamento industrial, a certificação e a aplicação sistêmica”, afirmam na nota.

Entre as recomendações de curto prazo, o documento defende o fortalecimento do Programa Nacional de Separação e Refino de Terras-Raras, a publicação de chamadas conjuntas do BNDES e da Finep para implantação de plantas-piloto e a adoção de cláusulas de conteúdo nacional em compras públicas estratégicas. No médio prazo, propõe a criação de um laboratório-fábrica nacional de ímãs permanentes, um centro de ensaios e certificação e programas de formação especializada.
A nota também ressalta a necessidade de o Governo Federal interromper o contingenciamento dos recursos da Compensação Financeira pela Extração Mineral (CFEM) destinados à pesquisa, desenvolvimento e inovação, que tem prejudicado o funcionamento de órgãos essenciais ao desenvolvimento, monitoramento e fiscalização do setor mineral, como a Agência Nacional de Mineração.

Além da SBPC, assinam o documento a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira de Química (SBQ), a Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), a Sociedade Brasileira de Física (SBF) e a Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMAT).

Veja a nota na íntegra:

NOTA TÉCNICA – Terras-Raras

Da Mina ao Imã: Rumo à autonomia Tecnológica Nacional em Energia, Saúde e Defesa
Esta Nota Técnica apresenta diagnóstico sobre a situação brasileira na cadeia produtiva de terras-raras e recomenda ações coordenadas para consolidar autonomia tecnológica em setores estratégicos — energia, saúde e defesa.

Terras-raras são insumos essenciais para turbinas eólicas, motores de veículos elétricos, ressonância magnética, radiofármacos, lasers, sensores, radares, catalisadores para craqueamento de petróleo e sistemas de guiagem de precisão, dentre outros. O domínio produtivo desses materiais constitui capacidade estratégica de Estado, especialmente em cenários de transição energética e reconfiguração geopolítica.

O Brasil detém aproximadamente 23% das reservas globais desses elementos e iniciou produção mineral em argilas iônicas em 2024. Entretanto, as etapas de maior valor agregado — separação química, metalurgia e fabricação de ímãs permanentes — não estão estabelecidas no país. Como resultado, o Brasil permanece como exportador primário de concentrados e importador integral de produtos estratégicos utilizados em energia, saúde e defesa.

Essa dependência expõe o Estado brasileiro a riscos de interrupção de suprimento decorrentes de disputas comerciais e geopolíticas, limitando a capacidade de planejamento energético, sistemas de saúde de alta complexidade e autonomia da Base Industrial de Defesa.

No plano científico, o país dispõe de massa crítica consolidada. Universidades federais e estaduais, unidades de pesquisa do MCTI e centros como CETEM, IPT, IPEN/CNEN, UFSCar, USP, UFMG, UFSC, UFRJ, UFPE, UNESP e ITA formaram especialistas, desenvolveram rotas de separação, metalurgia e síntese de ligas, além de caracterização de propriedades magnéticas. O INCT Terras-Raras (PaTrIA), ao longo da última década, estabeleceu rotas laboratoriais eficazes para obtenção de óxidos purificados e prototipagem de ligas magnéticas.

Este diagnóstico encontra plena convergência com o documento Estudo Prospectivo: Terras-Raras no Brasil (CGEE/MCTI, 2012), que já identificava a existência de capacidade científica avançada no país e a ausência de infraestrutura para escalonamento industrial. Passada mais de uma década, a lacuna apontada pelo CGEE permanece: falta ao Brasil a implantação de plantas-piloto e unidades de demonstração para transição do TRL 4–5 (laboratório) para TRL 6–8 (produção em escala).

De forma convergente tendo como foco as discussões em curso para a formulação da ENCTI 2024–2034, recomenda-se que minerais estratégicos, incluindo as terras-raras, sejam reconhecidos como eixo estruturante para a soberania produtiva nacional, com articulação entre as políticas mineral, industrial, de defesa e de saúde. Esta Nota Técnica espera contribuir com esse processo ao especificar o caminho de implementação da cadeia de valor, indicando as etapas críticas para a transição da escala laboratorial para a escala industrial.

Nos últimos anos, grupos vinculados ao INCT Terras-Raras desenvolveram, em escala de laboratório, rotas hidrometalúrgicas para separação de neodímio (Nd), praseodímio (Pr), disprósio (Dy) e térbio (Tb), além de processos de purificação de óxidos com grau superior a 99,9% e a produção de prototipagens de ligas magnéticas NdFeB — os mesmos ímãs permanentes utilizados em turbinas eólicas, motores de veículos elétricos e equipamentos de ressonância magnética.

Esses resultados comprovam que a ciência brasileira já domina os fundamentos químicos, metalúrgicos e de engenharia necessários para a produção nacional de ímãs permanentes. O desafio atual não é técnico-científico, mas industrial: é necessária a implantação de plantas-piloto (TRL 6–7) e linhas de demonstração industrial (TRL 7–8) para converter o domínio laboratorial em produção contínua em escala. A ausência dessa infraestrutura é hoje o principal fator que impede a internalização definitiva da cadeia no país.

A internalização das etapas de separação, metalurgia e produção de ímãs aumenta o valor agregado nacional entre 6 e 80 vezes em relação à exportação de concentrados. A internalização de 30% da cadeia resultaria, em estimativa conservadora, em:

  • R$ 4,5 a R$ 7,3 bilhões/ano em valor agregado doméstico;
  • 000 a 12.000 empregos qualificados diretos (multiplicadores industriais superiores a 4,0);
  • Incremento tributário entre R$ 1,1 e R$ 1,8 bilhão/ano;
  • Redução estrutural de vulnerabilidade em energia, saúde e defesa.

Outra aplicação fundamental é o uso de lantânio como componente ativo em catalisadores nos processos de craqueamento de petróleo. Atualmente o Lantânio para catalisadores é importado, criando uma grande dependência tecnológica, que poderia ser facilmente resolvida pela separação desse elemento que está presente em aproximadamente 20% na monazita e nas argilas no Brasil.
O retorno é econômico, produtivo e estratégico: trata-se de reduzir dependências externas críticas e fortalecer a autonomia decisória do Estado brasileiro.
Recomendações (30-180 dias)

  1. Fortalecer o recém-criado Programa Nacional de Separação e Refino de Terras-Raras, com coordenação interministerial, metas públicas e painel de monitoramento.
  2. Publicar Chamada BNDES + FINEP para implantação de plantas-piloto de separação química.
  3. Estabelecer linhas de crédito orientadas por critérios ESG para metalurgia, fábricas de ímãs permanentes e catalisadores.
  4. Inserir cláusulas de conteúdo produtivo nacional em compras públicas estratégicas (energia eólica, equipamentos hospitalares, sistemas de defesa).
  5. Definir procedimentos técnicos e prazos claros no licenciamento ambiental, com monitoramento contínuo e padronização operacional.

Medidas Estruturantes (6–24 meses)

  1. a) Implantação do MagBras+: Laboratório-Fábrica Nacional de Ímãs Permanentes;
  2. b) Criação do Centro Nacional de Ensaios e Certificação;
  3. c) Programa Nacional de Formação de 300–500 especialistas/ano;
  4. d) Acordos industriais com cláusulas de transferência tecnológica obrigatória.

A ciência brasileira já domina as rotas necessárias para produzir ímãs permanentes de terras-raras. O que falta não é pesquisa, mas a implantação de plantas-piloto e infraestrutura industrial para escalar o que já está comprovado. O próximo desafio da ciência brasileira é consolidar rotas industriais sustentáveis para separação, purificação e produção contínua de óxidos, catalisadores, metais e ímãs permanentes, e integrá-los diretamente aos setores de energia, saúde e defesa. Trata-se de avançar da extração e separação laboratorial para a engenharia de processos, escalonamento industrial, certificação e aplicação sistêmica.

Finalmente, é fundamental que o Governo Federal interrompa o ciclo de contingenciamento dos recursos oriundos da CFEM (Compensação Financeira pela Extração Mineral) destinados à pesquisa, desenvolvimento e inovação, que vêm impedindo que os órgãos essenciais para o desenvolvimento, monitoramento e fiscalização do setor mineral (como a Agência Nacional de Mineração) cumpram adequadamente suas funções.

16 de dezembro de 2025.
Assinam:
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
ABC – Academia Brasileira de Ciências
SBQ – Sociedade Brasileira de Química
SBG – Sociedade Brasileira de Geologia
SBF – Sociedade Brasileira de Física
SBPMAT – Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais

Referências
Agência Internacional de Energia (IEA).
The Role of Critical Minerals in Clean Energy Transitions. Paris, 2023.

Comissão Europeia.
Critical Raw Materials Act – Strategic Raw Materials List. Bruxelas, 2023.

United States Geological Survey (USGS).
Mineral Commodity Summary: Rare Earths. Washington, DC, 2024.

Agência Nacional de Mineração (ANM).
Recursos Minerais Estratégicos no Brasil. Brasília, 2022.

Centro de Tecnologia Mineral – CETEM / MCTI.
Terras-Raras no Brasil: Potencial, Processamento e Desafios. Rio de Janeiro, 2019–2023.

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN/CNEN.
Relatórios técnicos de prototipagem de ligas magnéticas NdFeB, 2019–2024.

INCT Terras-Raras (PaTrIA).
Relatórios de atividades e sínteses de resultados. 2014–2024.

BNDES / ABDI / EPE.
Agregação de Valor na Cadeia de Minerais Estratégicos para a Transição Energética. Brasília/Rio, 2023.

IPEA / CGEE.
Matriz Insumo-Produto e Multiplicadores Industriais. Brasília, 2022.

Adamas Intelligence.
Rare Earth Magnet Market Outlook. Amsterdam, 2023.

Veja a nota em PDF.



Contador de visitas

     

SBQ: Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - Bloco 3 superior, sala 371 - CEP 05508-000 - Cidade Universitária - São Paulo, Brasil | Fone: +55 (11) 3032-2299