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Boletim Eletrônico Nº 1616 - 15/08/2024




DESTAQUE

Os quatro cavaleiros têm pai e mãe


A instigante entrevista do colega Aldo Zarbin ("Os quatro cavaleiros do apocalipse da burocracia", boletim de 1 de agosto) descreve problemas que praguejam o sistema brasileiro de CT&I há cinquenta anos ou mais. Infelizmente, o apelo do Presidente do CNPq às sociedades científicas relatado nessa entrevista não é o primeiro desse tipo.

Mas não se trata apenas de uma somatória de problemas independentes que prejudicam as atividades de pesquisa no Brasil. Os quatro cavaleiros têm pai (!) e mãe, que influenciam negativamente dirigentes e funcionários de organizações públicas e privadas, parlamentos, tribunais, e o público.

O pai é o patrimonialismo que explica (mas não justifica) escândalos amplamente noticiados na mídia e outros que repousam em arquivos. O atualíssimo caso da funcionária que desviou cinco milhões de reais entregues a pesquisadores por uma agência de fomento vai certamente provocar uma nova onda de apertos e revisões de procedimentos, piorando o cenário. E ao reclamar de mais alguma novidade prejudicial, ou mais uma nova norma, continuaremos ouvindo: " Ah, tivemos de fazer isso para evitar o que fulano(a) fez...)".

A mãe dos quatro cavaleiros é a falta de uma percepção positiva do significado dos gastos no sistema brasileiro de CT&I. Afinal, quem paga a conta espera resultados. O público sustenta o Tesouro e fundos que pagam a conta, e merece boas respostas. Eu sempre procuro buscar e difundir resultados positivos da pesquisa e desenvolvimento tecnológico realizados no Brasil. Temos sucessos impressionantes: a produção de petróleo (que está assumindo a liderança na pauta de exportações do Brasil; exemplos notáveis na indústria de transformação e manufatura (por exemplo, química e metalmecânica); e a contribuição das ciências agrárias para tornar a cana, a soja, o eucalipto, o frango e outros produtos agrícolas brasileiros os mais competitivos do mundo. Hoje, são eles que nos garantem os dólares de que precisamos para importar celulares e muito mais. Em uma escala menor, temos casos belíssimos como a criação de camarões, peixes e gado sustentada pela água salobra descartada pelos dessalinizadores de água, no sertão nordestino brasileiro, ou o das criações terapêuticas brasileiras e do programa nuclear. (Peço perdão aos autores destas e outras proezas, mas não cito nomes, confiando na curiosidade dos leitores). São exemplos notáveis, mas não creio que passem de uma centena, quando deveriam ser milhares, para sermos convincentes. E os documentos oficiais contêm pouca informação objetiva sobre resultados da pesquisa feita no Brasil

Se uma pessoa bem formada e interessada em ciência e tecnologia mas leiga quiser se informar sobre os resultados da pesquisa no Brasil, irá procurar relatórios e outros documentos produzidos por órgãos oficiais, e irá se frustrar. Como o FNDCT é a mais importante fonte de recursos para a ciência e tecnologia no Brasil, sempre se pode esperar que seus relatórios anuais sejam ricos de resultados. Relatórios de Resultados anuais (até 2022) são acessíveis em http://www.finep.gov.br/a-finep-externo/fndct/relatorios e a sua leitura mostra dados contábeis e de execução gerencial abundantes, mas pouca informação sobre os resultados (produtos, processos, inovações, protocolos, empregos, receitas e outros) obtidos pelos pesquisadores e que tenham importância econômica, social e estratégica trazendo benefícios legítimos para segmentos numerosos da população brasileira.

O meio acadêmico tem seus critérios internos de avaliação e premiação, que são bem entendidos e amplamente aceitos na academia, mas não dizem muito para quem está fora desse ambiente. Números produzidos pelas métricas de avaliação de pesquisa e seus impactos não substituem os números mais inteligíveis pela cidadania, como os de empregos criados e riqueza gerada.

Como resolver isso? Nenhuma ação heroica de algum ou muitos líderes resolverá esses problemas, sem que haja um amplo trabalho de base, em que cada pesquisador cumpra seu papel. Nenhum grande volume de recursos será suficiente para suprir a falta de metas que deveríamos atingir dentro de prazos determinados. E essas metas devem ir muito além de números de artigos publicados, de doutores formados, de recursos gastos etc. Elas têm de fazer sentido para a cidadania e não apenas para os que disputarão os recursos.

A existência de metas permitiria um bom trabalho de avaliação e acompanhamento, valorizando os bons resultados e diminuindo a necessidade e peso das exigências de auditorias. Na sua falta, dependemos de métricas que não fazem muito sentido para pessoas comuns.

Mas é possível fazer diferente: há mais de vinte anos, recebi recursos de um órgão do governo americano. Um auxílio pequeno, mas vital para apoiar um evento. Eu não tinha instruções detalhadas nem formulários complexos a preencher. Fui informado de que deveria usar os recursos dentro do objetivo geral do projeto e deveria guardar os comprovantes de despesa.

Quando se aproximava o prazo de conclusão, recebi as instruções para a prestação de contas e encerramento do projeto: bastava assinar uma folha, com a declaração (pré-escrita) de que os recursos tinham sido gastos de acordo com os objetivos do projeto. Datei, assinei e enviei. Guardei os comprovantes de despesa, sabendo que estaria sujeito a uma auditoria. Projeto encerrado.

Pesquisadores americanos também reclamam do tempo gasto na gestão dos projetos, mas eles gastam esse tempo fundamentando suas propostas científicas, montando equipes e fazendo prospecção. Uma vez obtidos os recursos, eles têm de fazer o que sabem: pesquisa. Quando poderemos fazer isso?

Fonte: Prof. Fernando Galembeck da UNICAMP, ex-presidente da SBQ (janeiro de 1981 a maio de 1982, junho de 1982 a maio de 1984).



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